Crossover entre América e Europa: o intercâmbio no basquetebol feminino

Lucas PachecoNovembro 3, 20225min0

Crossover entre América e Europa: o intercâmbio no basquetebol feminino

Lucas PachecoNovembro 3, 20225min0
Euroliga e WNBA estão cada vez mais de mãos dadas, mas até que ponto? Lucas Pacheco explica neste novo artigo sobre basquetebol feminino

Às vésperas do início da Euroliga, o técnico argentino Cristian Santander (ex-seleção argentina, campeão da LBF pelo Sampaio em 2019) fez uma importante observação: embora todas as equipes tenham jogadoras estrangeiras, de fora da União Europeia, em seus elencos, a absoluta maioria é oriunda dos Estados Unidos. No principal torneio continental do mundo do basquetebol feminino, apenas Kayla Alexander (canadense) e Ziomara Morrison (chilena) quebram a barreira.

A reflexão suscita muitas questões, como a insignificância das seleções (exceção aos EUA e Canadá) no nível mundial, o nível de basquetebol praticado nas Américas Central e do Sul, a ausência de intercâmbio. Há que se pensar, ainda, na configuração do mercado europeu. Desde os anos 90, o fluxo de americanas às equipes europeias consolidou-se, a ponto de praticamente inexistir times (em qualquer lugar do continente, em qualqer divisão) sem norte-americanas.

Há um limite, variável conforme a liga, porém quase todas as equipes preenchem a cota máxima. A Euroliga não foge a essa regra e, ao analisar os elencos, vemos desde recém formadas nas universidades até nomes do primeiro escalão. O italiano Schio, por exemplo, apostou na rookie Rhyne Howard; na edição passada, a principal contratação do húngaro Szekzsard foi a novata Dana Evans. Breanna Stewart, Cortney Vandersloot, Kayla McBride fizeram parte de esquadrões no russo UMMC Ekaterinburg e migraram para outras equipes.

É possível fazer um ranking das equipes conforme o nível das americanas contratadas, mesmo para quem não conheça a Euroliga. De fato, em sua imensa maioria, as equipes são montadas taticamente ao redor dessas jogadoras, responsáveis em puxar a pontuação. O Fenerbahçe segue sem vitória no começo da edição atual, ainda que tenha o maior investimento – em grande parte, pelas ausências de Emma Meesseman, Satou Sabally (ambas européias) e Breanna Stewart.

Dificilmente o Sopron teria vencido a última edição sem a MVP Gabby Williams (naturalizada francesa). Ao se transferir para o francês Lyon, que disputa a Eurocopa, a equipe repôs com outra jogadora norte-americana, Brittney Sykes. Aqui, estamos no topo da competição. Conforme “descemos” aos outros elencos, nos deparamos com norte-americanas com trajetórias diferentes, sendo Rebekah Gardner um caso exemplar. Sem ser draftada na WNBA, ela migrou da universidade para ligas menores da Europa, onde se desenvolveu, se consolidou e finalmente deu um salto para uma equipe da Euroliga. Suas atuaçoes foram tão determinantes que resultou na tardia ida à WNBA, onde brilhou pelo Chicago Sky.

Há um intercâmbio entre a Euroliga e a WNBA, real e que beneficia a ambos os lados. A mídia especializada dos EUA está acompanhando o Schio, a fim de monitorar a evolução de Rhyne Howard (principalmente a capacidade de atacar o aro) em um outro contexto. Em relação à NCAA, não convem falar de intercâmbio, pois o caminho é de mão única – as equipes europeias estão atentas ao circuito universitário e dispostas a apostar naquelas que se destacam. Em geral, a um preço menor e por meio de agentes.

Megan Gustafson saiu de Iowa como a maior pontuadora da história da universidade, seja masculino ou feminino; seu time atingiu fases avançadas do torneio nacional após mais de duas décadas sem destaque; ela foi eleita a jogadora do ano como senior. Porém, seu estilo (ainda) não encaixou na velocidade imposta na WNBA e, após ser cair para a segunda rodada no draft, ainda busca um lugar na liga.

Na Europa, Gustafson utiliza seu jogo de pés como poucas. Com menos responsabilidade defensiva, e um basquetebol mais cadenciado, ela brilha na Euroliga pelo grego Olympiacos, repetindo os números no tempo de universidade, com 27,5 pontos por jogo e 9,5 rebotes. Na edição passada, ela foi a principal pontuadora do polonês Gdynia. As duas equipes sem chance de título, cuja maior pretensão talvez seja avançar aos playoffs.

Outras norte-americanas acabam se naturalizando, como Cyesha Goree, Vandersloot, DeWanna Bonner, Jonquel Jones etc. Os exemplos são inúmeros e abrangem uma variedade de trajetórias. Gardner conseguiu retornar para os EUA, com muito êxito; Yvonne Anderson, naturalizada sérvia e atualmente no francês Bourges, jogou pelo Connecticut Sun e acabou cortada do elenco – nada que impactasse seu protagonismo no continente europeu.

Do ponto de vista individual, o que está em jogo é a possibilidade de atuar profissionalmente, de ganhar a vida como atleta, como jogadora de basquetebol. Do ponto de vista das equipes europeias, ao contratar uma estrangeira, espera-se que ela chegue e pontue, que traga vitórias junto – e é um mercado, com alta competição.

Às jogadoras brasileiras, sem participação nos dois últimos Mundiais e na última Olimpíada, resta adentrar nesse mercado (onde elas vão concorrer com as norte-americanas) por meio de ligas menores. Mesmo jogadoras que passaram no teste, como a argentina Meli Gretter, ainda não chegaram à Euroliga.

Como se trata de mercado, conforme saímos da Euroliga e vamos para a Eurocopa de basquetebol, segundo torneio continental, onde há muito mais equipes e vagas nos elencos, o número de jogadoras latino-americanas cresce. Rapha Monteiro disputa pelo português Benfica, sendo figura central para o esquema tático da equipe. A já citada Gretter disputa a competição pelo espanhol Estudiantes. O passo para a Euroliga dependerá do desempenho delas – e do mercado existente.


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