Chega ao fim o ocaso da China no basquete feminino

Lucas PachecoOutubro 5, 20226min0

Chega ao fim o ocaso da China no basquete feminino

Lucas PachecoOutubro 5, 20226min0
A China acabou como vice-campeã no Mundial de Basquetebol feminino e Lucas Pacheco explica a mudança de paradigma para a selecção asiática

Demorou 28 anos para a China retornar ao pódio no basquete feminino. Entre Olimpíadas e Mundiais, a última medalha fora a prata no Mundial de 1994, disputado coincidentemente na Austrália. Na época, as chinesas acabaram vencidas pelo Brasil de Hortência, Paula, Janeth e Alessandra; em 2022, era impossível repetir o cenário, já que a seleção brasileira não conseguiu se classificar.

Em relação à edição de 94, a única diferença nas semi-finais foi justamente a ausência do Brasil, com as outras 3 seleções presentes. O confronto China x Austrália reviveu a semi de 94; no lugar do Brasil, o Canadá figurou entre as quatro primeiras colocadas em 2022. Até mesmo os resultados se assemelham: em 94, as chinesas venceram as australianas por 1 ponto; em 22, por 2 pontos.

A China chegou em 94 cotada para a medalha; vindo da prata em Barcelona-92, a seleção ganhara mais peso com a ascensão da pivô Zheng Haixia como sua protagonista. Se em 92, ela jogou pouco, em 94 ela foi a principal responsável por levar a China à final. Suas médias alcançaram duplo-duplo de média, com 26,4 pontos e 13,1 rebotes por jogo. Ela ficou atrás somente de Hortência na pontuação da competição.

Foi o último momento de destaque chinês no cenário mundial. Presença constante nos torneios, os resultados não correspondiam à assiduidade e a seleção, após a aposentadoria de Haixia, deixou de inspirar temor às adversárias. Durante essas três décadas de ostracismo, a chance mais palpável de conquistar medalha veio em casa, nas Olimpíadas de Pequim, em 2008, quando a equipe perdeu a disputa do bronze.

O arco chinês inicia-se com uma pivô dominante (Zheng Haixia) e fecha o ciclo de coadjuvante em torneios mundiais com duas pivôs dominantes, Li Yueru e Han Xu. Haixia, de 2,03 m, refletia o basquete de sua época e compensava sua pouca mobilidade com muita força e talento embaixo da cesta. O estilo das pivôs atuais condiz com um basquete mais móvel e espaçado. Ainda que Yueru (2,01 m) recorde mais o estilo de Haixia, seu jogo de pés floresce quando somado ao seu tamanho e ao seu exemplar posicionamento no garrafão; Xu possui 2,08m e, embora sua mobilidade lateral seja um alvo defensivo, ela possui chute de média e longa distância, além de um arsenal incrível de ganchos e finalizações perto do aro.

Curioso que a técnica chinesa Zheng Wei (jogadora na seleção de 94) quase não utiliza a formação com suas duas torres gêmeas. Ao longo do Mundial, Xu substituía Yueru e ambas tiveram tempo médio de quadra muito similares. Quem estivesse melhor no dia, finalizava o jogo. A exceção aconteceu na Final contra os EUA (61 x 83), quando Wei surpreendeu a todos e deixou ambas as pivôs juntas. O combinado obriga as adversárias a defender tanto uma pivô mais forte, com jogo de costas pra cesta (Yueru), quanto outra que chuta de longe; se a estratégia funciona, como na semi-final contra a Austrália, basta trocar as pivôs e alterar substancialmente a dinâmica de jogo chinesa. Poucas seleções têm opções para conter as duas pivôs. Xu, egressa do banco, foi eleita para o quinteto ideal da competição.

Injustiça reduzir a China às suas pivôs, ainda que elas sejam o diferencial. O elenco conta com boas armadoras (Wang Siyu, Yang Liwei, Li Yuan) e a cestinha Li Meng (ala com poder de infiltração e chute de três, média de 16 pontos por partida), ausente nos dois jogos finais por conta de desconforto decorrente da fadiga. A técnica Zheng Wei roda bastante o time, com um padrão de alterações bem definido e quase invariável; quase sempre, você identifica a posição de cada jogadora em quadra pela numeração (numa escala do menor número da armadora à maior numeração da pivô). Um tanto engessada a rotação, porém efetiva. Coletivamente, a seleção destaca-se pela defesa, com cobertura e comunicação excelentes, além de muita envergadura para bloquear as linhas de passe. Wei impôs um padrão tático de muita disciplina, exemplificada pela veloz transição defensiva, sem conceder um milímetro de facilidade; a eleição de melhor treinadora do Mundial coroou um belo trabalho da comandante chinesa.

A equipe possui média de altura de 1,86 m e 26 anos. Ou seja, a China deu o passo derradeiro rumo ao topo do mundo, onde pretende permanecer. Numa corrida a parte, onde os EUA disputam um campeonato paralelo, a disputa passa a ser pela prata. A China vem de uma boa Olimpíada, quando caiu perante as experientes sérvias nas quartas, e de um bom Mundial em 2018, quando estreou a dupla de pivôs. Faltava vencer os jogos decisivos, apertados, o que aconteceu neste Mundial. Já comentamos da semi, contra as donas da casa, além da vitória sobre a França nas quartas.

A China ocupa o lugar deixado por seu vizinho, e arquirrival, o Japão, vice olímpico no ano passado. A proeminência do basquete asiático no feminino merece um olhar mais atento, principalmente se levamos em conta a diferença nos estilos. O Japão com formação baixa e veloz, a China com muita altura e defesa. A “escola asiática”, comumente reduzida à profusão de chutes de três, merece ser nuançada: se o Japão conseguiu destaque com o alto volume desse arremesso, a China por outro lado ganhou o vice-mundial sendo a segunda equipe com menos arremessos de três do torneio (18,5, a frente somente de Porto Rico) – e segundo melhor aproveitamento (38,5%, atrás dos EUA).

Resta saber se a evolução chinesa vai se prolongar. Não é tarefa fácil permanecer no pódio, como o próprio Japão demonstrou com o fiasco no Mundial. A equipe chinesa é jovem e tem pelo menos mais um ciclo olímpico com esse núcleo de jogadoras. Demorou mais que o esperado, mas o resultado veio. A formação gradativa dessa geração culminou com a prata no Mundial, fruto de um desempenho irretocável. Abaixo dos EUA, a China brilhou sozinha, com as demais concorrentes alguns degraus abaixo. O pódio trouxe consigo muita confiança, decorrente da supremacia ante rivais fortes.

Ao longo da história, as duas medalhas olímpicas da China aconteceram de forma casada com as medalhas em Mundiais. Em 83, o bronze no Mundial foi seguido do bronze olímpico em 84; com ordem invertida, a prata se repetiu nas Olimpíadas de 92 e no Mundial de 94. Na década de 80, destaque para Song Xiaobo, cestinha chinesa nas duas competições; nos anos 90, Zheng Haixia propulsionou sua equipe à prata mundial. Agora, veio nova prata no Mundial e daqui a dois anos teremos outra Olimpíada. Com a evolução demonstrada e o entusiasmo conquistado, a história tem tudo para se repetir. No elenco atual, não há apenas uma, mas duas pivôs capazes de conduzir o grupo a novo pódio.


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