Campeonato Mundial de Basquetebol 2022: o enigma Japão

Lucas PachecoSetembro 28, 20226min0

Campeonato Mundial de Basquetebol 2022: o enigma Japão

Lucas PachecoSetembro 28, 20226min0
Lucas Pacheco olha para o caso da evolução do Japão, e analisa ao pormenor a evolução do Japão neste Mundial feminino de Basquetebol

A fase de grupos do Campeonato Mundial de Basquete Feminino reservou boas histórias. Porto Rico conquistou sua primeira vitória em Mundiais, após estrear e passar incólume em 2018; as centro-americanas ainda coroaram a campanha histórica com a classificação para as quartas-de-final e a chegada de um núcleo jovem que promete manter a seleção nos principais torneios mundiais.

Os EUA seguem dominando e ampliaram a sequência de invencibilidade iniciada em 2006. A China galgou mais um degrau no rol das candidatas a medalha, mostrando não depender unicamente das dominantes pivôs Li Yueru e Han Xu. Lauren Jackson retornou à seleção australiana aos 41 anos e segue em busca de mais um pódio. A Sérvia perdeu nada menos que Jelena Brooks e Sonja Vasic e ainda assim a técnica Marina Maljkovic conseguiu a classificação para as quartas. Com uma mescla de gerações, as sérvias superaram as expectativas e bateram seleções mais experientes e calejadas em grandes torneios.

Parte dessas histórias serão abreviadas, outras serão ratificadas após as quartas. O que já se definiu foram as eliminações precoces de Bósnia-Herzegovina e do Japão. Embora surpreendente, as bálticas não dispunham de Marica Gajic (segunda melhor jogadora da seleção) e sua estrela, Jonquel Jones, chegou em cima da hora na Austrália, sem tempo mínimo para entrosar com suas companheiras. Mais difícil explicar a derrocada japonesa.

Apenas um ano separa a campanha olímpica do Mundial; pouco tempo para uma trajetória com início no vice-campeonato e parada final na eliminação ainda na fase de grupos. A única vitória aconteceu na estreia, contra Mali; depois, derrotas para Sérvia (64 x 69), Canadá (56 x 70), França (53 x 67) e Austrália (54 x 71). A equipe, cotada para bater de frente contra os EUA, decepcionaram e voltaram (muito) mais cedo para casa.

O que aconteceu nesse tempo, para uma queda tão brusca no desempenho em quadra? Houve a mudança no comando técnico: a migração de Tom Hovasse da seleção feminina para a masculina possibilitou que seu assistente técnico (Toru Onzuka) assumisse. As ausências das armadoras Rui Machida e Nako Motohashi e da sniper Saki Hayashi pesou; o trio era o motor da equipe, principalmente no ataque, capaz de prender a bola enquanto as demais se movimentavam. Hayashi, com seus 48% nas bolas de três em Tóquio, era o desafogo imprescindível.

Por outro lado, a pivô Ramu Tokashiki retornou à seleção para o Mundial, após perder a Olimpíada por contusão. Takada, Okoye, Akaho seguiram na equipe, fornecendo mais tamanho e força do que um ano atrás. Além disso, a versão atual dispunha de uma fagulha de envergadura e agressividade em Stephanie Mawuli, fatores ausentes na Olimpíada.

As constantes mudanças, entretanto, não são novidade no Japão, que continuamente renova sua seleção sem perder a identidade. Desde pelo menos 2016, no Rio de Janeiro, a seleção crescia, oxigenando o elenco e mantendo o padrão tático. A concentração de chutes longos fazia parte de um estilo baseado em pick-and-roll e intensa movimentação de bola e bloqueios indiretos; os chutes saíam quase naturalmente, ou se a defesa fechasse as linhas de passe, concedia as infiltrações. Na defesa, muita troca e comunicação, a fim de compensar a baixa estatura e o déficit constante nos rebotes.

Uma engrenagem que precisa estar azeitada para funcionar. Não foi o que vimos neste Mundial. Para além dos desfalques individuais (o que já não seria pouco), o coletivo não funcionou. No lado defensivo, o desempenho entre as duas competições não foi tão díspar: sofreu 80,8 pontos de média nas seis partidas em Tóquio, contra 66 nos cinco jogos no Mundial. Os números demonstram que a defesa melhorou, não sendo o maior problema da seleção. O otimismo não se sustenta no teste de olho, já que as adversárias prepararam-se para as estratégias defensivas do Japão. As dobras altas, nos bloqueios sobre as armadoras (hedge), geraram menos turnovers, permitindo menos pontos em contra-ataque.

Na primeira derrota no torneio, por exemplo, a fim de tirar o volume ofensivo japonês e a fluidez na movimentação de bola, as sérvias apostaram em usar todo o tempo de suas posses, evitando a transição ofensiva e obrigando o Japão a jogar em meia quadra.

Foi no lado ofensivo, porém, que a queda ficou evidente. Um ataque com 82 pontos por jogo nas Olimpíadas despencou para 63,2 no Mundial; com proporção similar de chutes de três, o aproveitamento caiu de 38,4% para 27%; o número de assistências minguou, de 22 por jogo nas Olimpíadas para 15,2 no Mundial. Se olharmos a sequência no Mundial, a pontuação caiu jogo a jogo; começou com 83 pontos anotados, passou para 64 na segunda partida e depois estacionou na casa dos 50 pontos nos três jogos finais.

Faltaram ajustes táticos durante a competição, à medida em que o processo em quadra foi se deteriorando. A comissão técnica propôs uma rotação ampla, e confusa. Substituições em bloco impediram o ritmo coletivo, já afetado por estratégias mais direcionadas das rivais. Os desfalques foram sentidos e a liderança de Rui Machida não foi preenchida por ninguém. Há que se mencionar, ainda, a queda individual das jogadoras; para ficarmos em um exemplo, a ala-pivô Yuri Miyazawa não converteu sequer um arremesso de três, após uma Olimpíada com 43% nos tiros longos. A eliminação na fase de grupos, inesperada, deixou um gosto amargo ao Japão.

A evolução, que culminou com a parta olímpica no ano passado, prescindia de naturalizações e criou uma identidade de jogo baseada nas características físicas de seu conjunto. O sempre citado “estilo asiático” parecia ter ganhado nova roupagem, impulsionado por padrões internacionais que privilegiam as bolas de três e formações mais baixas. O basquete, porém, é um jogo de forças bem tênue e as fórmulas carecem de ajustes constantes. A péssima campanha no Mundial não deve significar o fim da linha para essa talentosa geração japonesa, mas exigirá mais flexibilidade e aplicação nos próximos torneios.

Para nos restringirmos à Ásia, o Japão está muitas etapas à frente da Coreia do Sul. Há uniformidade no estilo de jogo desde as seleções de base, há uma boa liga interna de clubes, há um passado recentíssimo de sucesso. A seleção viveu resultados inéditos um ano atrás e com pequenos ajustes deve retornar ao topo; se acertar a dosagem entre modernidade e tradição, tem todas as ferramentas para servir de exemplo para outras seleções. Torcemos para que o Mundial tenha sido apenas um apagão em um louvável crescimento da modalidade no Japão.


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