O último olhar a Sérvia e Alemanha antes das qualificatórias olímpicas
Publicamos, nas últimas semanas, textos sobre as seleções de basquete feminino da Sérvia e Alemanha, baseados nas performances recentes, notadamente o Eurobasket disputado em junho. Ambas comporão o ‘grupo da morte’ das qualificatórias para as Olimpíadas de 2024, ao lado de Brasil e Austrália; o quadrangular, em fevereiro próximo, deixará uma seleção de fora de Paris. Na semana passada, sérvias e alemãs disputaram as rodadas iniciais do torneio classificatório para o próximo torneio continental; em relação às observações anteriores, cabem ressalvas e ajustes? Ou as características apontadas seguem válidas?
Sérvia
A seleção sérvia construiu uma identidade e um padrão tático bem definidos ao longo da última década, ao ponto da aposentadoria de suas estrelas não comprometer a competitividade da equipe. A técnica Marina Maljkovic estabeleceu-se como uma das principais da atualidade e sua permanência na seleção estabiliza o grupo de jogadoras, constantemente acrescido de jovens talentos.
Em duas partidas tranquilas, a Sérvia estreou o caminho rumo ao europeu com vitórias amplas: 82 x 40 sobre a fraquíssima seleção ucraniana (sem Alina Iagupova) e 103 x 60 sobre a Macedônia do Norte. As expectativas confirmaram-se e a vaga (Portugal completa o grupo) deve ser conquistada sem grande dificuldade. Pouco pode ser acrescentado à análise prévia, devido à facilidade dos confrontos, ao desnível entre as seleções e à repetição dos princípios táticos consolidados por Maljkovic.
Como de costume, a armadora Yvonne Anderson liderou a equipe, ao lado da pivô Tina Krajisnik. Elas foram as principais pontuadoras nas duas partidas, assim como as mais eficientes; abrindo o placar logo no início, a técnica pôde rodar à exaustão seu elenco e treinar. Poucas bolas de três, capacidade de infiltração e quebra das linhas defensivas por Anderson, muito poste baixo para Krajisnik (e Anderson, que se aproveita de seu tamanho e habilidade contra defensoras baixas, fatores apontados no europeu. É uma equipe que preza pelo sistema e irá trabalhar a bola até achar um bom arremesso. Se o cronômetro aproxima-se do fim, Anderson e Nogic têm liberdade para buscar a ação individual.
De novidade, vimos o retorno da pivô (power forward, posição 4) Angela Dugalic, de 22 anos e 1,93m. A jovem cursa a universidade de Los Angeles (UCLA) e compôs o grupo em Tóquio, restando ausente no Eurobasket. Se estiver disponível, deve ser convocada para Belém, uma vez que iniciou os dois confrontos como titular. Com essa única alteração, a Sérvia parece pronta.
Alemanha
Já a Alemanha enfrentou duas partidas duras, em um grupo que congrega as quatro sedes do próximo Eurobasket (em 2025); como todas as seleções estão garantidas, os confrontos servem para testes e treino, ainda mais fundamentais para a Alemanha, única ainda com chances de Paris. Grande parte das observações do europeu seguem válidas, principalmente as referentes ao padrão tático, ritmo de jogo e seleção de arremessos. Porém, o elenco recebeu dois reforços que podem ser essenciais em fevereiro, as irmãs Sabally.
Nyara (23 anos e 1,87m) traz mobilidade e defesa, ausentes com as demais pivôs da rotação. Ela alterna entre a posição 4 (power forward) e 5 (pivô), embora tenha atuado a maior parte do tempo ao lado de uma pivô maior e mais lenta. Com isso, Nyara trouxe problemas extremos a suas defensoras, uma vez que tem habilidade para atacar a partir do drible; o impacto defensivo foi ainda maior, tanto no perímetro quanto no garrafão. Além da envergadura, sua movimentação lateral propicia boa recuperação contra alas e armadoras.
Satou (25 anos e 1,90m) era a estrela que faltava na seleção. Sua mera presença ameniza grande parte dos problemas e lacunas verificados no Eurobasket: ela auxilia a armadora Svenja Brunckhorst na condução de bola e organização, ela produz a partir do drible em situações de isolamento e protagoniza as ações ofensivas. Tudo isso sem a seleção diminuir seu tamanho e altura. A Tchéquia e a Itália pressionaram a armadora principal, com menos problemas em função da presença de Satou Sabally – contra as italianas, logo na primeira posse da partida ela conduziu a bola ao ataque, relegando Brunckhorst à zona morta.
O mundo do basquete identifica a armação como a maior carência alemã e suas adversárias irão explorar. Com Satou em quadra, a estratégia reduz sua eficácia. A técnica Lisa Thomaidis experimentou com diversas formações para conter os problemas na armação: seja a alternativa de trazer Alexandra Wilke do banco para conduzir (pouco visto no Eurobasket), seja armação dupla e, em alguns momentos, até tripla.
Fato é que, no primeiro confronto, contra a Tchéquia, as alemãs voaram, com um basquete belíssimo e sincronizado, materializado no placar final de 85 x 41. Com as irmãs em quadra, uma vitória larga por 44 pontos de vantagem; resultado oposto ao do duelo do europeu (que valeu a vaga nas qualificatórias olímpicas), quando a Alemanha (sem as Saballys), venceu apenas na prorrogação, por 2 pontos. Satou e Nyara praticamente anularam os problemas coletivos e elevaram o estilo de jogo (pautado em ritmo/pace baixo, altíssimo volume de bolas de três) a outro patamar. Com a agressividade introduzida pelas irmãs, os lances livres cresceram exponencialmente, criando situações de pontuação raras no europeu. A seleção alemã voou. Porém, o número exacerbado de turnovers voltou a aparecer.
Típico de uma equipe em formação, cujos dois principais talentos individuais acabaram de se somar ao núcleo mais consolidado, no segundo confronto da janela Fiba veio uma derrota para a Itália, por 53 x 70. Se no primeiro jogo, a seleção pareceu pronta, no segundo ficou evidente a falta de entrosamento. Após um bom início, as alemãs foram retiradas de sua zona de conforto e, pressionadas no ataque, sobrecarregaram a ala Satou Sabally; ao individualizar suas ações, ela tirou o ritmo coletivo da equipe.
Do outro lado da quadra, a ausência de entrosamento possibilitou diversas bandejas livres da armadora italiana; em ações envolvendo três jogadoras, a Itália explorou a falta de cobertura e comunicação na defesa alemã. Thomaidis opta por trocas defensivas preventivas em bloqueio, e a inserção de uma terceira jogada nas confabulações (como double drag) trouxe dificuldade não sanada durante a partida. Matilde Villa, a armadora italiana, produziu diversos pontos a partir do ‘pick and roll espanhol’, sem que a Alemanha tenha conseguido identificar o problema e solucioná-lo. Novamente, quando a armadora adversária ataca a defesa alemã, encontra bons arremessos. No europeu, a tcheca Zeithammerova abusou das trocas defensivas; agora, foi Villa quem se aproveitou.
Vale ressaltar, por fim, uma estratégia defensiva que voltou a aparecer. Raros os momentos, mas a Alemanha utilizou formações de defesa zona em alguns momentos, alternando entre 1-3-1 e 2-3, a depender da movimentação ofensiva – sempre proporcionando arremessos bons da zona morta.
Nem tanto ao céu, como na vitória sobre as tchecas, nem tanto à terra, como a derrota para as italianas, a Alemanha treinou na janela FIBA, experimentando a inserção das irmãs Sabally.