A Sérvia em Belém: o que esperar

Lucas PachecoNovembro 9, 20237min0

A Sérvia em Belém: o que esperar

Lucas PachecoNovembro 9, 20237min0
Lucas Pacheco avalia as hipóteses da Sérvia na última qualificação para os Jogos Olímpicos 2024 no basquetebol feminino

Diferente da Alemanha, seleção sem tradição no cenário mundial de basquete feminino, a Sérvia trará a Belém um respeitável currículo. Ainda sob a bandeira iugoslava, a maior conquista remete ao Mundial de 1990, com a prata capitaneada pela excelente e lendária pivô Razija Mujanovic (nascida na Bósnia). A dissolução do bloco comunista causou a separação dos países dos Balcãs e a ascendente seleção iugoslava foi desfeita sem que a geração pudesse testar seus limites.

Demorou 26 anos para nova medalha em nível mundial, desta vez com a bandeira sérvia, com o bronze nos Jogos Olímpicos de 2016. Nem a ausência no Mundial de 2018 diminui os feitos sérvios, que assegurou ótima participação em Tóquio em 2021 (quarto lugar), além da presença no Mundial de 2022 (sexta posição). Em Belém, a Sérvia buscará sua terceira participação consecutiva em Olimpíadas.

Tóquio marcou o fim de uma geração que resgatou o basquete feminino sérvio do ostracismo. Uma geração, com Ana Dabovic, Sonja Vasic e Jelena Brooks de protagonistas, chegou ao fim e a renovação quedou incontornável; porém, a manutenção da técnica Marina Maljkovic manteve a identidade tática e tornou a passagem de bastão menos acidentada. A técnica estava a frente no surpreendente título europeu de 2015 e retornou à seleção para reconquistar o troféu em 2021.

Sem sombra de dúvida, o elenco atual possui menos talento individual, menos jogadoras decisivas capazes de definir jogos. Qualquer seleção no mundo sentiria falta das craques aposentadas; porém, o time manteve o padrão de jogo, característico do basquete europeu, de cadência, ritmo lento, poucos desperdícios e ótimos fundamentos. A prancheta de Maljkovic segue a mesma e a ênfase coletiva aprofundou-se ainda mais com a saída dos principais nomes da geração dourada sérvia.

Sem Vasic, sem Brooks, a responsabilidade recaiu sobre os ombros da armadora naturalizada Yvonne Anderson (33 anos e 1,75m). Ela é o início e o fim de tudo na seleção: além de conduzir o time ao ataque, é ela quem quebra as jogadas e produz a partir do drible, com infiltração e primeiro passo explosivo rumo ao aro. Absolutamente tudo passa por ela; em uma proposta de rodízio intenso e ajustes nos quintetos titulares e na rotação a cada jogo (9 jogadoras acima dos 15 min de média por jogo), a armadora teve 30 min de quadra, em média, no Eurobasket deste ano.

Sua importância em quadra reflete-se, ainda, no volume de arremessos – enquanto ela teve média de 13,6 arremessos tentados por partida, a segunda jogadora não ultrapassou a marca de 9 (Jovana Nogic, ala de 26 anos e 1,81m, com 8,7 arremessos por jogo). Anderson, além de cestinha, liderou a equipe em assistências e sua colaboração estende-se à parte defensiva,  sendo a líder de roubos. Ela é a iniciadora das jogadas, agride a defesa e coloca pressão no aro, além de produzir bons arremessos de média distância. Por causa da quantidade de lances livres obtidos pela armadora, a Sérvia foi a segunda equipe no quesito no Eurobasket.

Embora a Sérvia assemelhe-se à Alemanha no ritmo de jogo, Yvonne Anderson traz um diferencial importante. A distribuição de arremessos entre as duas seleções que buscarão a vaga em Belém, tomando o europeu como parâmetro, diverge bastante: a Alemanha privilegia os arremessos de três, enquanto a Sérvia chuta muito pouco dessa distância (exceção a duas alas, Nogic e Sasa Cadjo), compensando pelo número de lances livres. Tampouco deve ser eficaz pressionar a bola contra as sérvias, que contam com armadoras capazes de segurar a bola e manter o drible vivo enquanto as demais se movimentam.

Apesar da importância de Yvonne Anderson, não reduzamos a Sérvia a apenas uma jogadora. Seu elenco possui poucas protagonistas em seus clubes, entretanto a maioria tem rodagem e experiência nas competições de maior nível na Europa. Todas com características bem definidas, capazes de preencher funções em um plano de jogo. Nogic é uma ala pouco explosiva, mas com muito recurso no pick and roll e no chute de média e longa distância; ela normalmente exerce a função de segunda pontuadora na seleção, desafogando a armadora principal.

A pivô Tina Krajisnik (32 anos e 1,90m) luta incessantemente por espaço próxima à cesta, além de ótima bloqueadora; atenção para os ganchos e ângulos de finalização, muito plásticos. Maljkovic explora o potencial da pivô em jogar de costas pra cesta. A outra pivô, Dragana Stankovic (28 anos e 1,95m), produz menos em isolamento, preferindo o jogo em dupla, além de trazer mais envergadura e proteção de aro. Nas alas, destaque para Aleksandra Crvendakic (27 anos e 1,87m), outra a usar muito bem o jogo no poste baixo e produzir em todos os aspectos do jogo.

A luta da Sérvia é para se manter na elite mundial e conta com histórico recente, padrão tático definido e assimilado pelo elenco, além da experiência. A geração atual caiu um degrau, porém carrega toda a ascensão vista na última década, que abriu portas nos principais clubes europeus. Sua técnica figura entre as principais da atualidade e ela manteve a seleção no prumo enquanto trocava de geração.

A Sérvia construiu seu portefólio e merece o status de favorita a conquistar a vaga em Paris (em um grupo com Alemanha e Brasil). Porém, a queda dos talentos individuais disponíveis ao ajeitado padrão tático pode trazer surpresas desagradáveis, resultados ainda não vistos na atual fase da seleção, pós Tóquio. Em geral, a seleção tem vencido os confrontos equilibrados e saído derrotada, sem contestação, para as seleções mais fortes. Com esse elenco, a Sérvia atingiu um patamar mediano nas competições mundiais – e para assegurar esse lugar, precisará ultrapassar o difícil quadrangular qualificatório para Paris.


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