O despontar de Kamilla Cardoso

Lucas PachecoSetembro 5, 20246min0

O despontar de Kamilla Cardoso

Lucas PachecoSetembro 5, 20246min0
Continua a crescer, dominar e a deslumbrar e o seu nome é... Kamilla Cardoso! Lucas Pacheco analisa o actual momento da brasileira na WNBA

A temporada da WNBA chegou ao ponto de não retorno, com as equipes classificadas aos playoffs praticamente definidas. Connecticut Sun e Minnesota Lynx brigam pela vice-liderança, enquanto Las Vegas Aces e Seattle Storm disputam o mando de quadra na primeira rodada, cujo confronto deve envolver ambas as equipes.

O Indiana Fever pegou o elevador após a parada para as olimpíadas e, de candidata à loteria do draft, estabeleceu-se como time mais quente do momento. Depois do retorno, a campanha impressiona, com 7 vitórias e apenas 1 derrota. A cada partida, Caitlin Clark se solta mais e cria entrosamento com sua equipe; o jogo de dupla com Aliyah Boston tem sido mortal e aniquila qualquer estratégia defensiva das adversárias. Vai dobrar em Clark? Boston receberá na cabeça do garrafão, com sua inteligência e visão de quadra para achar o melhor arremesso em situação de 4×3. Vai defender em drop, com a pivô fechando a infiltração? Ela aciona o modo Curry e aplica o step back three.

Poucas alternativas conseguem diminuir o ritmo do Indiana, o terceiro maior pace da liga. A (justificada) ênfase em Clark e Boston abre espaço para a talentosíssima Kelsey Mitchell, produzindo as melhores estatísticas de sua carreira; com menos tempo de posse da bola, ela otimizou seu aproveitamento. Adicione a jovem pivô NaLyssa Smith, força nos rebotes, e Lexie Hull na linha de três e a receita para o sucesso está pronta. Trata-se de uma equipe jovem, que precisa evoluir muito – a penúltima defesa não deixa margem para dúvidas.

O Indiana ultrapassou o Phoenix Mercury na classificação e hoje é favorita à sexta posição. Fecha a tabela a luta pela última vaga no playoff: embora todas tenham chance, a disputa no momento concentra-se entre Chicago Sky e Atlanta Dream. Washington Mystics e Dallas Wings têm chances e a desvantagem é mínima. O Dallas possui o elenco mais qualificado dentre as concorrentes e o retorno de Satou Sabally acrescenta um ingrediente inexistente na primeira parte do torneio. O tempo, porém, é curto e a equipe não pode se dar ao luxo de perder nas sete partidas finais.

Atlanta encontra-se em situação similar a Dallas e a eliminação precoce não traria benefício algum (ambos os times não possuem suas escolhas de primeira rodada, logo nem o draft premiaria a campanhas decepcionantes). Já para o Chicago Sky a vaga deveria ser extremamente comemorada. Vindo em reconstrução, após o título em 2021 e a subsequente debandada do elenco, a campanha é melhor do que esperado. O antigo técnico e general manager (GM) James Wade rifou escolhas futuras, em boas classes de calouras, em nome de resultados imediatos – e saiu no meio da temporada passada, deixando suas estranhas negociações para a próxima gestão.

Dentro das possibilidades, o GM atual (Jeff Pagliocca) e a técnica Teresa Weatherspoon fazem um trabalho sólido, ainda nos primórdios da reconstrução da franquia. O time sofre com a ausência de chutadoras especialistas, afetando o espaçamento em quadra (figura na última posição em tentativas de três pontos, com menos da metade de arremessos da primeira colocada); do elenco atual, claramente raras peças fazem parte dos planos de longa duração. Ainda assim, vemos uma equipe competitiva, com limitações compensadas por defesa pressionada e muita vontade. Um time que tem a cara de sua técnica.

No draft antes da temporada, o staff optou pelos blocos fundadores de sua futura equipe e selecionou a dupla de pivôs Kamilla Cardoso e Angel Reese. Se, por um lado, elas lutam contra um elenco pouco adequado a suas carcaterísticas, por outro, elas acham jeito de produzir. Reese, que recebia claras dúvidas quanto à transposição de seu basquete à WNBA, é a líder em rebotes da temporada e uma força no garrafão. Sem se intimidar com as estrelas da liga, ela bate de frente contra qualquer uma, chegando a provocar a máquina Alyssa Thomas em partida recente.

Ela precisa desenvolver o arremesso de média distância, assim como sua companheira caloura, a brasileira Kamilla Cardoso, outra a despontar após a interrupção olímpica, outra que despertava ressalvas em boa parte dos analistas do universitário. Dominante próxima ao aro, Kamilla era apontada como pouco comprometida, com alcance limitado e vista como perigo na defesa de perímetro. Seus pontos fortes eram valorizadíssimos, mas suas deficiências poderiam ser exploradas na WNBA, onde se exige um basquete mais completo.

O começo de temporada chegou junto de uma contusão, que a afastou das primeiras partidas do Chicago Sky. Ao retornar, deparou-se com a natural adaptação, bem como com o excesso de pivôs em sua equipe. Aos poucos, ganhou tempo de quadra, assumiu a titularidade e passou a receber maior protagonismo. O intervalo no meio da temporada mostrou-se benéfico para Kamilla, que expandiu ainda mais seu jogo.

Suas médias após a parada são de 12,7 pontos (9,6 na temporada) e 8,1 rebotes por jogo. Sem contar os flashes de algumas partidas, quando sua visão de quadra deu as caras e ela assistiu 11 vezes na sequência de duas partidas consecutivas. Cada vez mais atenta em quadra, ela se notabilizou por bloquear 5x a futura tri-MVP A’ja Wilson, além de subir os roubos de bola e se apresentar cada vez mais rápida na transição ofensiva.

Suas passadas deixam o espectador embasbacado e ela começou a ocupar espaço no garrafão logo no início das posses. Ao subir a intensidade, ela demanda mais bolas e suas companheiras falham em achá-la em situações favoráveis. Nada  espantoso para um time novo. Kamilla refinou o jogo de costas pra cestas, na mesma medida em que sua técnica passou a desenhar mais movimentações para a pivô. Ela já possuía um bom jogo de pés, cada vez mais aprimorado. A pivô leva cortes quando precisa defender no perímetro, mas compensa pela velocidade na recuperação e no uso extraordinário de sua altura e envergadura; muitos dos tocos surgem em situações de corte pra cesta.

A contusão da armadora Chennedy Carter deixou a classificação mais distante, já que ela vinha sendo o principal desafogo ofensivo do perímetro, a única capaz de controlar a bola e produzir arremessos por conta própria. Além do mais, vinha explorando e desenvolvendo o jogo de dupla com Kamilla, por meio de pick and roll.

Mais que a vaga nos playoffs, o importante para Kamilla é seguir evoluindo, assumindo o protagonismo condizente com seu talento. Em poucos meses, seu jogo é outro em relação àquele praticado na Universidade de South Carolina, muito mais ativa e dinâmica. Kamilla, junto de sua parceira Angel Reese, parecem cartas marcadas no quinteto de calouras da temporada; a experiência da pós-temporada pode ser adiada em favor de mais peças ao seu redor. Hoje, o Chicago Sky alcançou ao menos uma certeza: seu futuro deve ser moldado em torno de suas pivôs estreantes.


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