O despontar de Kamilla Cardoso
A temporada da WNBA chegou ao ponto de não retorno, com as equipes classificadas aos playoffs praticamente definidas. Connecticut Sun e Minnesota Lynx brigam pela vice-liderança, enquanto Las Vegas Aces e Seattle Storm disputam o mando de quadra na primeira rodada, cujo confronto deve envolver ambas as equipes.
O Indiana Fever pegou o elevador após a parada para as olimpíadas e, de candidata à loteria do draft, estabeleceu-se como time mais quente do momento. Depois do retorno, a campanha impressiona, com 7 vitórias e apenas 1 derrota. A cada partida, Caitlin Clark se solta mais e cria entrosamento com sua equipe; o jogo de dupla com Aliyah Boston tem sido mortal e aniquila qualquer estratégia defensiva das adversárias. Vai dobrar em Clark? Boston receberá na cabeça do garrafão, com sua inteligência e visão de quadra para achar o melhor arremesso em situação de 4×3. Vai defender em drop, com a pivô fechando a infiltração? Ela aciona o modo Curry e aplica o step back three.
Poucas alternativas conseguem diminuir o ritmo do Indiana, o terceiro maior pace da liga. A (justificada) ênfase em Clark e Boston abre espaço para a talentosíssima Kelsey Mitchell, produzindo as melhores estatísticas de sua carreira; com menos tempo de posse da bola, ela otimizou seu aproveitamento. Adicione a jovem pivô NaLyssa Smith, força nos rebotes, e Lexie Hull na linha de três e a receita para o sucesso está pronta. Trata-se de uma equipe jovem, que precisa evoluir muito – a penúltima defesa não deixa margem para dúvidas.
Take the time and understand how insane a Euro Step into an Assist is
This is literally a move from a VIDEO GAME and Chennedy Carter DOES IT BEAUTIFULLY giving the assist to Kamilla Cardoso
— Chennedy Report 🏃♀️🏁 (@HollywoodChenn) September 5, 2024
O Indiana ultrapassou o Phoenix Mercury na classificação e hoje é favorita à sexta posição. Fecha a tabela a luta pela última vaga no playoff: embora todas tenham chance, a disputa no momento concentra-se entre Chicago Sky e Atlanta Dream. Washington Mystics e Dallas Wings têm chances e a desvantagem é mínima. O Dallas possui o elenco mais qualificado dentre as concorrentes e o retorno de Satou Sabally acrescenta um ingrediente inexistente na primeira parte do torneio. O tempo, porém, é curto e a equipe não pode se dar ao luxo de perder nas sete partidas finais.
Atlanta encontra-se em situação similar a Dallas e a eliminação precoce não traria benefício algum (ambos os times não possuem suas escolhas de primeira rodada, logo nem o draft premiaria a campanhas decepcionantes). Já para o Chicago Sky a vaga deveria ser extremamente comemorada. Vindo em reconstrução, após o título em 2021 e a subsequente debandada do elenco, a campanha é melhor do que esperado. O antigo técnico e general manager (GM) James Wade rifou escolhas futuras, em boas classes de calouras, em nome de resultados imediatos – e saiu no meio da temporada passada, deixando suas estranhas negociações para a próxima gestão.
Dentro das possibilidades, o GM atual (Jeff Pagliocca) e a técnica Teresa Weatherspoon fazem um trabalho sólido, ainda nos primórdios da reconstrução da franquia. O time sofre com a ausência de chutadoras especialistas, afetando o espaçamento em quadra (figura na última posição em tentativas de três pontos, com menos da metade de arremessos da primeira colocada); do elenco atual, claramente raras peças fazem parte dos planos de longa duração. Ainda assim, vemos uma equipe competitiva, com limitações compensadas por defesa pressionada e muita vontade. Um time que tem a cara de sua técnica.
No draft antes da temporada, o staff optou pelos blocos fundadores de sua futura equipe e selecionou a dupla de pivôs Kamilla Cardoso e Angel Reese. Se, por um lado, elas lutam contra um elenco pouco adequado a suas carcaterísticas, por outro, elas acham jeito de produzir. Reese, que recebia claras dúvidas quanto à transposição de seu basquete à WNBA, é a líder em rebotes da temporada e uma força no garrafão. Sem se intimidar com as estrelas da liga, ela bate de frente contra qualquer uma, chegando a provocar a máquina Alyssa Thomas em partida recente.
Ela precisa desenvolver o arremesso de média distância, assim como sua companheira caloura, a brasileira Kamilla Cardoso, outra a despontar após a interrupção olímpica, outra que despertava ressalvas em boa parte dos analistas do universitário. Dominante próxima ao aro, Kamilla era apontada como pouco comprometida, com alcance limitado e vista como perigo na defesa de perímetro. Seus pontos fortes eram valorizadíssimos, mas suas deficiências poderiam ser exploradas na WNBA, onde se exige um basquete mais completo.
Kamilla Cardoso has been operating EXACTLY as the Chicago Sky anticipated she would in her rookie campaign, post Olympic/All-Star Break
It's not just on her, as the team is learning how to best optimize her talents, but she's certainly turned corners in development + efficiency pic.twitter.com/2yQUbm22NP
— CHGO Sky (@CHGO_Sky) September 5, 2024
O começo de temporada chegou junto de uma contusão, que a afastou das primeiras partidas do Chicago Sky. Ao retornar, deparou-se com a natural adaptação, bem como com o excesso de pivôs em sua equipe. Aos poucos, ganhou tempo de quadra, assumiu a titularidade e passou a receber maior protagonismo. O intervalo no meio da temporada mostrou-se benéfico para Kamilla, que expandiu ainda mais seu jogo.
Suas médias após a parada são de 12,7 pontos (9,6 na temporada) e 8,1 rebotes por jogo. Sem contar os flashes de algumas partidas, quando sua visão de quadra deu as caras e ela assistiu 11 vezes na sequência de duas partidas consecutivas. Cada vez mais atenta em quadra, ela se notabilizou por bloquear 5x a futura tri-MVP A’ja Wilson, além de subir os roubos de bola e se apresentar cada vez mais rápida na transição ofensiva.
Suas passadas deixam o espectador embasbacado e ela começou a ocupar espaço no garrafão logo no início das posses. Ao subir a intensidade, ela demanda mais bolas e suas companheiras falham em achá-la em situações favoráveis. Nada espantoso para um time novo. Kamilla refinou o jogo de costas pra cestas, na mesma medida em que sua técnica passou a desenhar mais movimentações para a pivô. Ela já possuía um bom jogo de pés, cada vez mais aprimorado. A pivô leva cortes quando precisa defender no perímetro, mas compensa pela velocidade na recuperação e no uso extraordinário de sua altura e envergadura; muitos dos tocos surgem em situações de corte pra cesta.
A contusão da armadora Chennedy Carter deixou a classificação mais distante, já que ela vinha sendo o principal desafogo ofensivo do perímetro, a única capaz de controlar a bola e produzir arremessos por conta própria. Além do mais, vinha explorando e desenvolvendo o jogo de dupla com Kamilla, por meio de pick and roll.
Mais que a vaga nos playoffs, o importante para Kamilla é seguir evoluindo, assumindo o protagonismo condizente com seu talento. Em poucos meses, seu jogo é outro em relação àquele praticado na Universidade de South Carolina, muito mais ativa e dinâmica. Kamilla, junto de sua parceira Angel Reese, parecem cartas marcadas no quinteto de calouras da temporada; a experiência da pós-temporada pode ser adiada em favor de mais peças ao seu redor. Hoje, o Chicago Sky alcançou ao menos uma certeza: seu futuro deve ser moldado em torno de suas pivôs estreantes.