Como a premiação de MVP ilustra a história da WNBA

Lucas PachecoSetembro 27, 20239min0

Como a premiação de MVP ilustra a história da WNBA

Lucas PachecoSetembro 27, 20239min0
Breanna Stewart e oturas atletas lutaram pela premiação de MVP que ilustra a história da WNBA como conta Lucas Pacheco

Finalmente um dos maiores enigmas da temporada 2023 da WNBA veio a público, com a escolha de Breanna Stewart (New York Liberty) como MVP. Foi uma disputa histórica, com três concorrentes praticamente empatadas, cada uma armazenando recordes próprios. Alyssa Thomas (Connecticut Sun) empilhou triplos-duplos e liderou sua equipe a mais uma semi-final, após perder 3 titulares do ano passado e a troca de técnico – a power forward fechou a corrida em segundo lugar.

A’ja Wilson foi a melhor jogadora da melhor equipe, com uma campanha histórica. Âncora defensiva, maior média de pontos na carreira e líder das atuais campeãs, a pivô acabou preterida para a terceira colocação. De certa forma, a polarização entre New York Liberty e Las Vegas Aces, os dois ‘super times’, reverberou na corrida de MVP. Breanna, assim, foi coroada e venceu o troféu pela segunda vez na carreira, igualando a sua ‘arqui-rival’ A’ja.

A segunda votação para MVP mais apertada da história evidencia a temporada inigualável das três super craques, cuja competição se encerra somente com a definição da equipe campeã. As três estão na semi-final (Aces 1 x 0 sobre o Dallas Wings, enquanto o Sun de Alyssa Thomas vence o Liberty de Breanna, por 1 x 0) e almejam o troféu de campeãs. Breanna Stewart iguala-se a A’ja, Elena Delle Donne, Candace Parker e Cynthia Cooper, com dois troféus cada, atrás apenas do trio Sheryl Swoopes, Lauren Jackson e Lisa Leslie.

Devemos ver a disputa entre A’ja e Breanna por bons anos. Em 2020, ano do primeiro troféu de A’ja, muitos reivindicaram que Breanna era a grande merecedora, assim como no segundo troféu de A’ja, em 2022; por sua vez, o outro lado falará a mesma coisa da atual campanha. E, sendo imparcial, ambas poderiam colecionar 3 troféus individuais cada uma, dado o predomínio de ambas nos últimos 4, 5 anos.

Embora a narrativa dos ‘super times’ tenha surgido este ano, um olhar mais cuidadoso mostrará que a WNBA sempre presenciou elencos  formidáveis e grandes estrelas. A excelência no basquete feminino atravessa a curta história da liga, com matizes diferentes. Quem dominou a liga em seus primórdios foi a ala Cynthia Cooper, MVP das duas temporadas iniciais, em 1997 e 98, além de quatro títulos consecutivos. Cooper construiu sua carreira em uma era sem basquete profissional nos Estados Unidos e a migração para a WNBA deu-se em momento tardio de sua carreira.

Logo atrás da ala, aguardando a mínima brecha para assumir a coroa, sua companheira de Houston Comets, a ala Sheryl Swoopes, e a rival, pivô do Los Angeles Sparks, Lisa Leslie. Diferente de Cooper, suas carreiras coincidem com a criação da liga e pudemos ver quase toda suas carreiras nas quadras. Swoopes compôs a dinastia de Houston, assumindo o protagonismo assim que Cooper começou sua queda; exímia defensora, boa arremessadora e um dínamo no ataque. Já Leslie catapultou o Sparks a dois títulos, logo após o tetracampeonato de Houston; ela estava apenas aguardando sua chance e não deixou passar.

Lisa Leslie disputava com Swoopes, mas sua rivalidade prevalecia contra a pivô australiana Lauren Jackson. Na mesma posição, elas batiam de frente na liga e também por suas seleções, criando uma rivalidade que beirou a animosidade. Se Leslie levou o MVP em 2001, Jackson deu o troco em 2003; Leslie então abriu vantagem em 2004 e 2006, sendo alcançada por Jackson em 2007 e 2010.

Fato curioso, que demonstra a importância e a vitalidade das competições universitárias na conformação do basquete feminino nos EUA: tanto Cooper quanto Leslie, as duas líderes das equipes vencedoras das seis primeiras temporadas da WNBA (ambas faturando inclusive os 6 MVPs das Finais), são egressas da USC (University fo South California). Somente com o título do Detroit Shock, em 2003, chegou ao fim a hegemonia da universidade, momento em que outra rivalidade originada nas universidades começa a emergir na WNBA.

O primeiro título do Detroit, em 2003, marca uma dinâmica, válida até hoje, de pulverização e aumento da concorrência. Desde então, nenhuma equipe conseguiu ganhar a liga por dois anos consecutivos, nem mesmo o ‘super time’ do Minnesota Lynx. Detroit venceu contando com uma proposta bem coletiva, sem uma grande estrela a frente das demais, com o trio Deanna Nolan, Ruth Riley e Swin Cash, esta egressa da Universidade de Connecticut, a famosa Uconn. É a primeira grande estrela saída de Uconn, do comando de Geno Auriemma, a protagonizar um título na WNBA, fato que será recorrente nas décadas seguintes e que segue até os dias atuais (afinal, Breanna Stewart provem dessa linhagem).

É nesse momento que Seattle Storm, liderados pela dupla Lauren Jackson e Sue Bird, e Phoenix Mercury, time de Diana Taurasi, passam a ser contenders anos após ano. O primeiro MVP de temporada regular para uma jogadora de Uconn vem em 2009, com Taurasi, um ano após Candace Parker faturar o troféu em seu ano de caloura (inédito até hoje). Aqui, a rivalidade das universidades, polarizada por Uconn (e o técnico Auriemma) e Tennessee (e pela técnica Pat Summitt), transfere-se para a WNBA, tensão que perdura até os dias atuais.

Se Tamika Catchings forma a dupla de Tennessee junto com Candace, a Taurasi somou-se ninguém menos que Maya Moore. Rivais dentro de quadra, porém carregando toda a expectativa e a torcida forjadas nos duelos entre as duas universidades, as mais vitoriosas da história da NCAA. De certa forma, a base do basquete feminino norte-americano nasce no nível universitário.

Enquanto uma força motriz da liga decai, com o ocaso de Taurasi e Catchings, outra sobrepõe-se. Assim, o primeiro MVP de Breanna Stewart acontece em 2018, mantendo o poderio das jogadoras draftadas de Uconn; porém, as arqui-rivais de Tennessee saem dos holofotes após a aposentadoria forçada de Summitt. Se nenhuma força domina o espaço deixado pelas lady vols, será a emergente universidade de South Carolina a próxima a surgir no horizonte da liga. A’ja fatura o MVP em 2020 e repete em 2022, conquistando o título no ano passado; Aliyah Boston, a segunda grande estrela de South Carolina a adentrar na liga, concluiu uma temporada primorosa de caloura e poucos duvidam de que ela conquistará a liga em breve.

A história nunca é unilinear e o quadro histórico construído encontra suas fissuras em outras figuras lendárias da liga. Impossível não mencionar a dupla, campeã por Minnesota e egressa da LSU (Louisianna State University), Sylvia Fowles (MVP em 2017) e Seimone Augustus (MVP das Finais em 2011); tampouco podemos discorrer sobre o passado recente sem citar Elene Delle Donne, bi-MVP, e que provem de uma universidade menor, sem grande destaque, após ser recrutada por UConn e optar por permanecer próxima à família.

Por fim, outro eixo para contextualizar a história da liga, e o modo como as premiações desvelam forças motrizes da estrutura do basquete feminino, é a questão racial. Estruturante da sociedade norte-americana como um todo, a temática reverbera para o esporte e os embates entre as universidades ganham nova camada: Uconn dirigida por uma comissão técnica branca, cujos principais expoentes são brancas, oposta a South Carolina, comandada por Dawn Staley, privilegiando atletas negras.

Como grande parte do público é formado pelos confrontos universitários e as ídolas forjam-se nessa etapa, a questão perpassa à WNBA, linha de continuidade. Não à toa, a liga investe nas figuras públicas de Diana Taurasi, Sue Bird, Sabrina Ionescu e, logo mais, Caitlin Clark. Em uma liga maioritariamente negra, o paradoxo fica evidente. Nem sempre essa força é explorada e tampouco atua isoladamente. Porém, como tudo nos Estados Unidos, a cisão existe e tende a ser reforçada pela falta de investimento da liga em suas grandes estrelas e pela inércia da comunicação social hegemônica, cujos expoentes do basquete feminino são definidos a priori.

2023, para além da rivalidade entre Breanna e A’ja, testemunhou o surgimento de Alyssa Thomas, com características não vistas na WNBA até então. Ela não levou o troféu de MVP, mas segue na disputa pelo título – e para os próximos anos veremos se ela permanece no olimpo ou se se acomodará como terceira força da liga. As semi-finais continuam, e a escolha da MVP colocou ainda mais tempero na disputa entre os dois ‘super times’, sem contar o Connecticut Sun que corre por fora.


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