Uma enorme crise económica e política na região dos Balcãs foi o catalisador de uma das guerras mais sangrentas de sempre em solo Europeu onde acabou por nascer a dissolução de uma das potências mundiais desportivas até ao momento. A título de exemplo, a ex-Jugoslávia era conotada como sendo a terceira melhor nação basquetebolística do mundo, só atrás da ex-União Soviética e dos Estados Unidos da América, a nível de medalhas obtidas em Campeonatos do Mundo.
O início da prosperidade do basquetebol na ex-Jugoslávia data de 1970, onde grandes referências mundiais da modalidade como Damir Solman, Kresimir Kosic, Drazen Dalipagic, entre outros, despoletaram, tornando-se lendas vivas da modalidade. Nesta altura, o domínio no Campeonato Mundial de Basquetebol por parte da ex-Jugoslávia era evidente, aproveitando também o estatuto amador/profissional que condicionava algumas das nações mais fortes em relação aos seus melhores jogadores.
Petrovic, o melhor do basquete europeu
Na década de 80 temos, porém, a aparição daquela que, muito provavelmente, será a maior lenda do basquetebol europeu: Drazen Petrovic. Nascido em 1964 em Sibelnik, de pai sérvio e mãe croata, Petrovic é um dos maiores exemplos da capacidade de produção de talentos natos nesta região, podendo-se mesmo afirmar que estaria a um nível superior de outras referências desportivas como Boban, Prosinecki, etc.
Apesar da sua morte precoce num acidente de viação na Alemanha em 1993, Petrovic é um dos jogadores mais galardoados de sempre que o basquetebol mundial já teve, quer a nível individual quer a nível coletivo. Desde o seu início no basquetebol profissional, aos 15 anos, no Sibenka, passando por todos os títulos que ganhou pelo Cibona Zagreb (sendo um dos melhores marcadores de sempre nas competições europeias), pela sua passagem pelo Real Madrid (onde dominou a Europa por completo) e culminando na NBA, principal liga de basquetebol do mundo.
Contudo, a década de 80 não é só de Drazen Petrovic. É também de Vlade Divac, um dos seus melhores amigos até problemas político/nacionalistas os separarem. Divac era um acérrimo apoiante do nacionalismo sérvio, ao passo que Petrovic defendia a Croácia (esta história está severamente explicitada no documentário “Once Brothers“, produzido pela cadeia desportiva ESPN). Os anos 80 são também dominados por jogadores como Aleksandar Djordjevic, Dejan Bodiroga, Pedrag Danilovic, entre outros, que apesar de menos notórios para o comum fã são de enorme importância para a modalidade. Esta década de ouro iniciou-se, de resto, com o único título olímpico da ex-Jugoslávia no basquetebol, em 1980, em Moscovo.
O fim dessa prosperidade desportiva onde arrecadaram vários títulos desportivos estaria próximo com o início da década de 90, e acontecimentos como o infortúnio rasgar de uma bandeira croata por Divac na celebração de um dos títulos conquistados, seria um fósforo para atear a fogueira da polémica do patriotismo dentro das próprias seleções de distintas modalidades, não fosse este um país em que o basquetebol, o polo aquático, o andebol e o voleibol são desportos muito populares.
A dissolução desta potência mundial não foi de todo pacífica, como o conflito armado na Bósnia, que deixou marcas profundas numa sociedade que ainda está em reconstrução, o comprova. Sérvia, Croácia, Bósnia e Herzegovina, Eslovénia, Macedónia, Montenegro e Kosovo tornaram-se independentes nações independentes e a potência desportiva “dissolveu-se”, por assim dizer.
Na atualidade, existem mais de 70 jogadores de basquetebol com ligações a ex-Jugoslávia que fazem ou fizeram parte da melhor liga do mundial, a NBA. A sinergia perfeita que neste momento a NBA e a FIBA vivem através de cooperações de carência social como a NBA Cares, da Jr. NBA e de todas as iniciativas conjuntas de jogos de pré época entre equipas das duas competições tem moldado as relações internacionais em vários aspetos e cada vez mais levado os melhores talentos da região dos Balcãs (e não só) a dar o salto, muitos deles depois de carreiras sólidas na Europa.
Doncic, o melhor rookie da NBA?
Luka Doncic é o espelho desta relação internacional entre as duas entidades. Formado no Olimpija de Ljubljana, rumou aos 13 anos para Madrid onde se tornou um dos jogadores mais influentes do Real Madrid, da Liga Espanhola e da EuroLiga. Com apenas 19 anos foi escolhido no draft da NBA deste verão pelos Atlanta Hawks e trocado para os Dallas Mavericks. O base esloveno poderia muito bem ter representado outras nações – a Sérvia devido às suas ligações familiares remotas, a Espanha por ter sido formado nesse país –, mas acabou por escolher a Eslovénia (o país onde pelo qual o pai foi internacional) e o seu patriotismo falou mais alto.
E a escolha revelou-se acertada. A seleção eslovena alcançou o seu maior feito no verão passado ao garantir o título europeu de basquetebol pela primeira vez na sua história (a sua independência foi reconhecida em 1992), aos ombros de dois jogadores que atuarão na NBA na próxima temporada (Doncic e Goran Dragic), ambos formados na escola do atual Petrol Olimpija Ljubljana.
Dragic, em declarações pós título no flash interview para a televisão nacional eslovena afirmou que “o amor” que nutre pelo seu país “foi o maior fator” catalisador das suas performances, que o levaram a ser escolhido o MVP da competição.
Para além da Eslovénia, a Sérvia é a atual vice-campeã olímpica com jogadores de luxo como Nikola Jokic, Milos Teodosic e Bogdan Bogdanovic. A Croácia possui uma das seleções mais promissoras na próxima década com Mario Hezonja, Dragan Bender, Bojan Bogdanovic e talentos a emergir como Luka Samanic e Roko Prkacin. Pela Macedónia temos ainda Pero Antic em atividade, o primeiro macedónio a chegar a NBA, bem secundado pelos irmãos Stojanovic. Já na Bósnia, Dzanan Musa (que jogará nos Brooklyn Nets na próxima temporada) é o maior talento da atualidade, aguardando-se ainda notícias sobre as condições de saúde do melhor jogador bósnio da última década, Mirza Teletovic. Montenegro tem Nikola Vucevic (jogador dos Orlando Magic) como o seu porta estandarte basquetebolístico, ao passo que o Kosovo, apesar da independência recente, dá já mostras de franca evolução na modalidade.
Qual a razão do sucesso?
Como consegue uma região com cerca de 22 milhões de pessoas, com condições que não são de topo para a prática de modalidades e com graves problemas estruturais que são destroços do passado, ser tão proeminente na produção de talento desportivo?
Não existe resposta certa. Há quem diga que é uma questão cultural, outros afirmam ser uma questão de trabalho compulsivo, muitos dizem ser talento puro. Ainda assim, arriscamos dizer que talvez o patriotismo seja o combustível que os incendeia por dentro, talvez o desejo incessante de competição para com os outros países (sejam eles ex-Jugoslávia ou não) os motive, e, acima de tudo, a possibilidade de elevação do seu país depois de tudo o que sofreram no passado seja também a resposta para que o talento nato possa ter sucesso.