Lucas PachecoBasquete brasileiro: o encontro do inacreditável com o impensável
Todo brasileiro já usou, em algum momento da vida, o dito de que ‘Deus é brasileiro’. Assim, enchemos as divindades de promessas e pedidos, contando com a benevolência divina na recompensa futura; acreditamos que em situações de equilíbrio a justiça dos céus irá pender para o nosso lado. Ele (ou ela, ou eles, conforme a orientação religiosa) sempre nos atende. Esquecemos, porém, as consequências dessa crença: se as divindades são brasileiras, com certeza eles estariam curtindo o Carnaval e relegariam o cumprimento dos acordos para a quarta-feira de cinzas. Somente isso pode explicar as derrotas brasileiras no pré-olímpico de basquete feminino brasileiro, disputado em Belém, de quinta a domingo passado.
Desde que a primeira bola ao alto foi lançada, absolutamente tudo deu errado para a seleção brasileira, anfitriã de um dos quadrangulares que valiam vaga para as Olimpíadas de Paris. Bastava uma vitória – que não veio – e a quarta posição, com três derrotas apertadas, deixou o Brasil fora dos Jogos pela segunda edição consecutiva.
29 de eficiência, cestinha (com metade dos arremessos da Satou) e marcou a principal adversária
MONSTRA
— lucas (@filetlpf) February 8, 2024
A começar pelo resultado da primeira partida, a vitória da Alemanha sobre a Sérvia por 73 x 66. Embora um grupo equilibrado, o leve favoritismo recaía sobre as sérvias, acostumadas às grandes competições; as alemãs não deram nenhuma chance e trataram de abrir vantagem cedo na partida. Com ótima defesa de Leonie Fiebich sobre Yvonne Anderson (3/14), o maior desafogo sérvio foi bloqueado e o time emperrou. Um respiro no quarto final, (puxado por Jovana Nogic) aproximou o placar, insuficiente perante a agressividade das irmãs Sabally (16 lances livres tentados pela dupla), seja nos rebotes (Nyara finalizou com duplo-duplo de 14pts e 17 reb), seja no volume ofensivo (Satou teve 18pts, 9reb e 5ast). Àquela altura, o destino deva seus primeiros sinais, invisíveis ao público brasileiro que lotou os ginásios nos três dias de torneio.
Na sequência, um jogo equilibrado e nervoso entre Brasil e Austrália, partida de muita defesa e lapsos ofensivos longos, dos dois lados. Enquanto a Austrália começou na frente e foi ao intervalo com 10 de vantagem, o Brasil reduziu para 2 ao final do terceiro quarto, impusionado pelas boas contribuições das jogadoras de perímetro, que compensaram a forte marcação em nossas pivôs. As australianas penaram contra a defesa zona do Brasil, que passou a alternar a liderança. Até que aos 5 min do quarto decisivo, o destino resolve aprontar mais uma: a mesa que contabiliza os pontos simplesmente computou 1 ponto extra à Austrália, sem que ninguém do Brasil (comissão técnica, jogadoras, dirigentes) reclamasse. A partida foi decidida nos minutos finais e a experiência austaliana pesou no momento crítico; Ezi Magbegor bloqueou nossas duas principais jogadoras, com um toco sobre Damiris e outro sobre Kamilla. Resultado final: Brasil 55 x 60 Austrália.
Reveja o lance em que a australiana mata bola de dois pontos, o árbitro assinala os dois pontos e a mesa e o placar marcam 3pts. Erro seguiu até o fim e inclusive na súmula. pic.twitter.com/O25gPnr0lY
— Basquete Brasil – CBB (@basquetebrasil) February 9, 2024
Contemporizamos mais uma vez, afinal de contas, era claro o favoritismo.
O segundo dia do quadrangular teve início com o passeio australiano sobre a Alemanha, com mais de 30pts na frente e o carimbo da vaga olímpica. As irmãs Sabally não jogaram, aparentando contusão e criando dúvida sobre a torcida – seria estratégia para poupar as estrelas para o duelo contra as brasileiras? De qualquer forma, a vaga da Austrália criava as condições para a classificação olímpica brasileira com um triunfo sobre a Sérvia, se vencesse garantia a tão sonhada vaga.
O começo parecia confirmar nossa torcida e o Brasil largou com tudo, aproveitando o ímpeto das arquibancadas e abrindo vantagem, tirada pouco a pouco pelas sérvias. Novamente o lapso ofensivo brasileiro apareceu e a Sérvia passou a ditar o ritmo, com troca de passes e finalização em dupla de Yvonne Anderson com alguma pivô. O Brasil não teve resposta para a armadora, que explorou a cobertura defensiva recuada das pivôs brasileiras; após as dificuldades por ser defendida por uma ala com mobiidade e envergadura, contra o Brasil ela não teria dos desempenhos pifios seguidos. A reviravolta de Anderson desabou sobre nossas cabeças: 30pts e 69%.
o plus minus do time titular/ o plus minus do time reserva
😐 pic.twitter.com/bot6DHdy4z— eli (@spectaclaire) February 10, 2024
O Brasil voltou às suas carcaterísticas marcantes no ataque: as pivôs Damiris e Kamilla foram mais acionadas e os chutes de 3 voltaram com força. O problema foi o desempenho ruim na defesa, que não repetiu a boa execução da estreia, além dos 8 lances livres errados (57%). A proximidade da vaga obscureceu a inteligência e impediu o pragmatismo da equipe brasileira: com a derrota iminente, teríamos qur fazer contas de saldo. Entramos o minuto final perdendo por 4, finalizamos o jogo com derrota por 7: 65 x 72. Não só Deus esqueceu o jogo enquanto aproveitava a Sapucaí, como abandonou a comissão técnica que não orientou suas atletas a manteram a derrota menor possível.
Erro absurdo da comissão técnica ontem, de não instruir a equipe a segurar a derrota por 4 pontos, custou a classificação à Olimpíada. Brasil fez jogo parelho hoje contra a Alemanha, mas se desesperou ao buscar vitória por 8+. Se fosse vitória simples, era muito possível.
— Demétrio Vecchioli (@Olhar_Olimpico) February 12, 2024
O resultado deixava poucas e reduzidas alternativas: torcer por inesperado tirunfo sérvio sobre a Austrália, nos obrigando a vitória simples sobre a Alemanha; ou, caso o favoritismo fizesse seu papel, aumentaria a diferença no saldo e o Brasil precisaria vencer por 8pts no mínimo. Óbvio que a partida foi vencida pela Austrália; óbvio que por diferença pequena (75 x 73) e decidida no final. O destino não queria somente o fracasso brasileiro como imprimiru tons sádicos.
Brasil e Alemanha entraram em quadra com suas equipes completas, embora Satou Sabally sentisse seu ombro esquerdo (ela arremessou diversos lances livres com sua mão ruim). Jogo travado, provocado e tenso, do início ao fim. As alemãs mantiveram-se à frente no placar até a metade do quarto decisivo, quando o técnico José Neto aumentou a estatura do Brasil; empurrada pela torcida, a seleção brasileira passou na base do sufoco mas não logrou em abrir a vantagem mínima necessária. Conforme o tempo passava, o nervosismo subia e a vaga se afastava. Deus, fantasiado de anjinho, ria às largas.
Foi tudo tão estranho no final, cada equipe recorrendo às estratégias disponíveis. O Brasil queria prorrogar a partida em mais 5 minutos, enquanto a Alemanha preferia perder por pouco a correr risco da vaga, já em uma de suas mãos, escapar. Outro dado combrotório do duro fado brasileiro foi a arbitragem; na dúvida, a favor das alemãs (enquanto as brasileiras cobraram 24 lances livres no jogo, a Alemanha teve 41). No final, vitória europeia por 71 x 73 – as Olimpíadas verão uma estreia em Paris.
Germany’s National Women’s Basketball Team will be making their INAUGURAL Olympics appearance this summer 🏀💪 pic.twitter.com/Ft2OPUbfOj
— TOGETHXR (@togethxr) February 13, 2024
Nós, brasileiros, veremos mais um torneio do sofá de casa; o tão sonhado retorno vai demorar mais. Em um contexto que conspirava a nosso favor (estabilidade na comissão técnica, preparação prévia, sede do quadrangular, torcida em peso), esbarramos mais uma vez em nossas próprias deficiências. Erros de passe, dificuldade em acionar as pivôs no poste baixo, baixo aproveitamento da linha de 3 (24,4%), falta de ajuste durante as partidas, produção baixa do nosso perímetro, falta de variação tática, sobreposição das estrelas em uma posição; embora reinasse a esperança, os problemas estruturais do basquete brasileiro voltaram a aparecer. Some a essas questões de quadra, erros de arbitragem, erros da mesa e a inexperiência em grandes jogos. Competimos contra todas as adversárias e perdemos os três confrontos.
As promessas e pedidos foram em vão, não fomos agraciados pelo destino. Se há um elemento positivo no recente fracasso, foi a receptividade do público, o calor e o carinho emanados no ginásio em direção às jogadoras. Depois de 8 anos longe dos ginásios brasileiros, o reencontro não poderia ser mais acolhedor.
O Brasil cometeu graves pecados, só isso explica a sucessão de azar e acasos em Belém. A redenção ainda não chegou; por mais alguns anos, o basquete feminino brasileiro permanecerá na quarta-feira de cinzas.
