A situação lamentável nos Campeonatos do Mundo de Doha

João CamachoJunho 2, 20237min0

A situação lamentável nos Campeonatos do Mundo de Doha

João CamachoJunho 2, 20237min0
João Camacho revê tudo o que se passou nos Campeonatos do Mundo de Doha e de um final de prova que não há explicação possível para

Confesso que me esforcei para não cair na tentação de colocar um título populista, bombástico, polémico, mas a palavra mais suave que me ocorre para descrever o que se passou nos Campeonatos do Mundo de Doha é lamentável… e não pense o leitor que me estou a referi à prestação da Equipa Portuguesa, que ficou claramente aquém das expectativas, mas sim ao que considero o momento que marcará decisivamente este Mundial, que foi a final da categoria masculina dos +100Kg, entre o Francês Teddy Riner e o Russo Inal Tasoev.

Que conclusões há a tirar do Campeonato do Mundo de Doha?

Os Campeonatos do Mundo de Doha já estavam envolvidos em polémica, antes do inicio. A decisão da Federação Internacional de judo (FIJ) que permitiu a judocas russos participarem sob a bandeira dos atletas individuais e neutrais e que levou ao boicote da equipa ucraniana, já tinham feito correr muita “tinta”. No entanto, estes campeonatos ficarão na história pela pior razão: Adulteração da verdade desportiva! Uma desastrosa decisão da arbitragem, na final da categoria dos +100Kg, adulterou o resultado que deveria ter consagrado o russo Inal Tasoev como Campeão do Mundo desta categoria de peso.

Resumindo, na altura em que os dois judocas disputavam o Golden Score (ponto de ouro), um contra-ataque do russo, que lhe daria a vitória e o título mundial, foi avaliado como não elegível para vantagem, neste caso wazari. O árbitro espanhol Raul Camacho não deu a vantagem, passou (“delegou”) a decisão para o vídeo árbitro e para a comissão de supervisão liderada pelo alemão Daniel Lascau, que decidiu, após visionar as imagens do movimento técnico, manter a decisão (ou falta de decisão) do árbitro espanhol.

Na resposta, quase imediata, o francês Riner marca wazari e conquista o título mundial. Aos 34 anos de idade, Riner conquista o seu 11º título!

Num momento após a cerimónia protocolar, Lascau (recordo, o responsável máximo da arbitragem da FIJ), deu a explicação detalhada das razões pelas quais o movimento do russo não foi vantagem. De acordo com as suas palavras, as técnicas de ataque ou contra-ataque deverão ser técnicas reconhecidas e devem constar no grupo de técnicas de projeção reconhecido pela FIJ e pelo judo kodokan, e neste caso, foi entendimento da comissão que não foi aplicada “nenhuma” técnica de judo reconhecida…

Pasme-se o leitor: poucos dias depois do fim destes Campeonatos do Mundo, a Comissão de Arbitragem da FIJ publica uma comunicação em que considera que o contra-ataque do russo “poderia” ser considerado… . Ou seja, a verdade desportiva foi adulterada e, em minha opinião, mais valia a Comissão ter ficado em silêncio do que lançar tal comunicação sem que fossem assumidas as inerentes consequências, ou seja, a atribuição do título mundial ao judoca russo, pois a vantagem seria decisiva e final, bem como a responsabilização da Comissão de Arbitragem que tomou a decisão em conjunto de não atribuir vantagem, submetendo-a a uma renovação profunda, designadamente, assegurando que passasse a incluir árbitros experientes, em vez de ex-atletas sem qualquer experiência de arbitragem, questão pertinente, como já tive oportunidade de destacar num artigo anterior! Um momento negro para o judo mundial….

Portugal nos Campeonatos do Mundo de Doha

A prestação da Equipa Portuguesa ficou claramente aquém das expectativas e do potencial dos judocas que viajaram até Doha. Se é verdade que tivemos muitas surpresas, com campeões do mundo em título, e campeões olímpicos, a ficarem pelo caminho na fase das eliminatórias, o que evidencia o fortíssimo nível e o momento altamente competitivo do judo mundial, foi também evidente que os judocas portugueses terão de tirar ilações do que aconteceu em Doha.

Os últimos meses ficaram irremediavelmente marcados pelo diferendo, demasiado longo e penoso, entre a maioria dos principais atletas de elite do Judo Português e a Federação Portuguesa de Judo, no entanto, em minha opinião, tal não justifica na íntegra o desastroso resultado da equipa portuguesa que, recordo, nas últimas edições tinha conquistado diversos pódios e títulos mundiais. Tivemos judocas portugueses com um sorteio matreiro, como é o caso, por exemplo, de Rodrigo Lopes, mas foi visível alguma falta de concentração, por vezes apatia e, em alguns casos, alguma falta de condição física, que não foi exclusiva dos judocas portugueses.

Muitos judocas de topo de diversas seleções apresentaram uma deficiente condição física e, sinceramente, não sei se a causa foi a geografia onde decorreram estes campeonatos do mundo, onde já se sentem temperaturas exteriores superiores a 45graus centíigrados, ou a dificuldade de definir um planeamento que defendesse os judocas pois, recordo, estes campeonatos do mundo decorreram pouco mais de 6 meses após os Campeonatos do Mundo de Tashkent. A Federação Internacional de Judo deverá também refletir se este modelo, com campeonatos do mundo tão próximos, defende o espetáculo, a emoção, a competitividade, mas acima de tudo os judocas…

A exceção, e por isso destaco, foi a prestação da jovem de 20 anos Raquel Brito (48Kg), judoca do sport Algés e Dafundo, e da experiente, também jovem, judoca do Gualdim País, Patrícia Sampaio (78Kg). Ambas as judocas chegaram ao 9.º lugar, ficando à porta dos quartos-de-final, que as colocaria na luta pelas medalhas.

Se não há muito a dizer sobre a qualidade de Patrícia Sampaio, judoca com um vastíssimo currículo, desde a formação e já com uma presença olímpica, ficou claro que Raquel Brito assume, com a consistência que tem evidenciado (e não só nestes campeonatos do mundo), uma candidatura à qualificação para os Jogos de Los Angeles, agendados para o verão de 2028. Raquel Brito conta com um irrepreensível currículo na formação e a sua prestação, forma de combater, evidência muito compromisso e vontade de chegar cada vez mais longe nestas importantes competições.

Agora é continuar na luta, afincadamente, tendo sempre presente que a partir de junho os pontos amealhados nas etapas do circuito mundial passam a valer 100%. Tudo está em aberto, agora é a doer! Vamos com tudo!

Raquel Brito nos Campeonatos do Mundo de Doha (Foto: IJF)

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