A despedida de Candace Parker

Lucas PachecoMaio 2, 20247min0

A despedida de Candace Parker

Lucas PachecoMaio 2, 20247min0
Uma lenda da WNBA e um exemplo para várias atletas jovens, Candace Parker despediu-se das quadras e Lucas Pacheco conta a sua história

A temporada da WNBA mal começou e já sofremos a primeira perda, esta definitiva: Candace Parker aposentou-se do basquete, conforme anunciado em sua rede social no último domingo. Renovada com o Las Vegas Aces, onde disputou apenas parte da vitoriosa campanha de 2023, a pivô voltou atrás e optou pela aposentadoria; a notícia não poderia ser em outro estilo que não aquele de Candace – repentino, sem alarde, impactante e já traçando os próximos passos de sua carreira, que seguirá fora das quadras de basquete.

A tristeza pela aposentadoria passou logo, ao relembrarmos cada um dos muitos momentos de glória, dedicação e entrega à bola laranja. As redes sociais foram inundadas com homenagens, memórias e trechos de uma das melhores jogadoras da história do esporte. Candace apresenta e comenta um programa sobre basquete nos Estados Unidos e planeja investir na modalidade, dando sequência ao inestimável trabalho para o basquete feminino.

Uma estrela ainda no high school (ensino médio, fase anterior à universitária), Candace logo foi alçada ao estrelato ao escolher a prestigiosa universidade de Tennessee. O destino cumpriu sua trajetória e mostrou o acerto da decisão; hoje, é impossível falar de Candace sem mencionar sua grande inspiração e tutora, a lendária técnica Pat Summitt. Não à toa, o texto de despedida de Candace cita nominalmente sua técnica na universidade, única pessoa mencionada.

Candace marcou a fase derradeira de Summitt à frente da universidade de Tennessee, como a protagonista dos dois últimos títulos nacionais da universidade, em 2007 e 2008. Ela encontrou na técnica não somente uma mestra da tática e dos pormenores da quadra de basquete, sua influência abarcou a vida pessoal e os projetos coletivos de uma geração, simbolizado nas constantes homenagens de Candace a Summitt. Em toda conquista, em toda provação, era à sua técnica universitária que remetiam as declarações. Candace Parker honrou suas predecessoras e levou adiante o bastão do basquete feminino.

Em Tennessee, muitos feitos e muitos recordes quebrados por Parker, protótipo novo da pivô moderna, que sem abrir mão da fisicalidade e tamanho soube desenvolver outras áreas do basquete. Sua carreira universitária produziu highlights aos montes, como os vídeos de suas enterradas, fundamento usado para diminuir o basquete feminino; tão impressionantes como lances isolados eram sua inteligência e liderança. Até então, era raro uma pivô produzir tantas assistências, conduzir a transição ofensiva e posicionar o time.

2008 marcou o fim de sua carreira universitária, abrindo mão do ano como senior para entrar no draft da WNBA. Na primeira escolha, Parker foi selecionada pelo Los Angeles Sparks, onde formou o ‘garrafão dos sonhos’ com Lisa Leslie, outra figura histórica do esporte. Embora a derrota para o San Antonio Silver Stars na final da conferência oeste tenha tirado a chance do título, Candace Parker acumulou os prêmios de ROY (caloura/rookie do ano) e MVP (most valuable player/melhor jogadora da temporada), feito inédito e único na liga. Ela ainda teve fôlego para faturar o ouro olímpico em Pequim, dando mostras de seu talento no primeiro ano entre profissionais.

O ouro olímpico seria repetido 4 anos depois, em Londres, período durante o qual Candace Parker manteve sua carreira dividida entre WNBA (em Los Angeles) e Europa. Outros tempos, nos quais a WNBA patinou em possibilitar dedicação integral às suas estrelas, obrigando-as a completar o calendário na Europa, onde eram muito melhor remuneradas. Também em solo europeu, em uma escola diversa de basquete, Parker se destacou, permenecendo no clube russo UMMC Ekaterimburgo por cinco temporadas, resultando no título da Euroliga em 2013. Ela ainda passou pelo turco Fenerbahçe e cumpriu duas temporadas na China, mercado ascendente no basquete feminino.

O pioneirismo de Parker nem sempre foi compreendido por suas companheiras e sua liderança questionada em diversas passagens de sua carreira. Vinda de uma carreira universitária vitoriosa, com o melhor cartão de visitas de estreia na WNBA, Parker usou sua voz para elevar o patamar da modalidade, o que causou reações as mais diversas.

2016: outro ano marcante de sua carreira, para o bem e para o mal. Antes do falecimento de sua mentora, a técnica Pat Summitt, em junho, em decorrência do agravamento do mal de Parkinson, Parker foi excluída do elenco convocado para as Olimpíadas do Rio de Janeiro. Sem muitas explicações, ela foi preterida pelo técnico Geno Auriemma (maior rival de Summitt na universidade), que preferiu chamar sua comandada em Uconn, a então jovem Breanna Stewart. Um tratamento dispensado exclusivamente a Candace, uma vez que outras medalhonas seguiram com prestígio na seleção.

Candace não causou polêmica com declarações bombásticas e aceitou o desrespeitoso corte, mantendo sua compostura e elegância características. A resposta viria na quadra, alguns meses depois de lhe ser negada a terceira medalha de ouro olímpica: liderado por Parker, o Los Angeles Sparks enfim reconquistou o título da WNBA, o primeiro após a chegada de Candace. A final contra o Minnesota Lynx foi disputada até a última posse de bola, em uma série tida como uma das melhores da história da liga. O Sparks venceu por 3 a 2, após uma cesta de Nneka Ogwumike faltando 3 segundos para o fim.

Os números dela no jogo 5? 28 pontos e 12 rebotes, ganhando o prêmio de MVP das Finais. Ela não deixaria de exaltar Summitt na comemoração.

A atitude altiva manteve-se nos anos seguintes, mesmo quando questionada e menosprezada. Em 2019, em enquete junto às jogadoras da WNBA, ela foi apontada como a ‘mais superestimada’; naquele mesmo ano, o técnico do Sparks Derek Fisher manteve sua estrela no banco no jogo da eliminação. Novamente sua resposta viria em quadra, de forma silenciosa: após conduzir um time capenga às semis durante 2020, ela saiu de Los Angeles e migrou para a franquia de sua cidade natal, o Chicago Sky. A pivô mostrou-se maior que a própria franquia de Los Angeles, que conscientemente ficou do lado de Fisher, e conduziu sua nova equipe ao título inédito, o segundo de sua carreira.

Se o cenário mudou, sua liderança vocal permaneceu a mesma. Kahleah Copper mencionou a importância do estímulo de Parker para seu crescimento pessoal; James Wade construiu um time ao redor da inteligência de Candace e colheu os louros. De volta à casa, com um troféu na mala.

Infelizmente, o resultado esportivo não comoveu a direção para melhorar as condições do time e, sem necessidade de provar mais nada a ninguém, Candace se transferiu para Las Vegas, onde conquistou seu terceiro título em 2023, mesmo sem atuar em grande parte da temporada.

Com a aposentadoria de Candace Parker, o legado direto de Summitt encerra seu ciclo. Sua envergadura não se restringe ao tamanho dos braços, mas ao impacto que trouxe para o basquete feminino, seja fora das quadras (com suas enterradas), seja dentro de quadra (acrescentando novos fundamentos à posição de pivô). Poucas jogadoras negras no basquete conseguiram tanta repercussão e influência, abrindo portas para uma nova geração. Quando A’ja Wilson cita Parker como sua jogadora favorita, quando Aliyah Boston agradece pessoalmente Candace após o título da NCAA, é fruto de seu impacto inestimável e inesgotável.

Candace Parker uma vez disse, em face de uma das polêmicas às quais foi lançada, que nem sempre precisamos contar nossa própria história; os acontecimentos acabam falando por si e o devida importância emerge a despeito de nossas vontades. Nada sintetiza melhor a trajetória de Candace Parker, uma das maiores a pisar uma quadra de basquete.


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