A queda (e o fim?) de Sérgio Conceição em três passos

Francisco IsaacJaneiro 28, 202013min0

A queda (e o fim?) de Sérgio Conceição em três passos

Francisco IsaacJaneiro 28, 202013min0
Mais uma competição perdida e com o tempo a escassear, Sérgio Conceição parece ter os dias contados no FC Porto. Mas será que a queda do treinador é justificada?

Este artigo foi escrito pré-paragem devido ao SARS-CoV-2. Lançado no dia 28 de Janeiro, entre essa data e 7 de Março – data do último encontro oficial antes da paragem forçada – decorreram 12 jogos, com o FC Porto a conquistar sete vitórias, três derrotas e dois empate, entre as quais conta-se uma vitória por 3-2 na recepção ao SL Benfica e uma dupla derrota frente ao Leverkusen que resultou na eliminação precoce na Liga Europa. 21 golos marcados e 13 sofridos desde o dia 28 de Janeiro, demonstra que a defesa azul-e-branca deixou de ser uma referência de excelência da estratégia de Ségio Conceição, para além de um ataque cada vez mais inconsequente e insipido.

Os três jogadores mais analisados de perto neste artigo somaram as seguintes estatísticas: Otávio titular em 8 jogos (suspenso em outros dois e não utilizado nas duas mãos da Taça de Portugal) dos dez com zero golos e três assistências; Tiquinho Soares titular em 8 jogos (suplente em outros dois, suspenso num e não convocado noutro) com um golo e zero assistências; Manafá foi titular em 7 encontros (suplente não utilizado em três e suplente utilizado em dois), zero golos e uma assistência. O FC Porto perdeu em Famalicão e praticamente entregou a liderança ao SL Benfica que apresenta um calendário mais suave, quando faltam só 8 jornadas para terminar a Liga NOS 2019/2020.

Passemos à releitura da análise que se segue lembrando um pouco como eram os “tempos” pré-pandemia, percebendo se tudo está igual no FC Porto de Sérgio Conceição.

Terceira final perdida consecutiva para o Futebol Clube do Porto de Sérgio Conceição, mas desta vez a rubricar uma exibição cinzenta, anárquica e que expôs o desequilibrio táctico e a falta de ideias, dois pormenores cada vez mais predominantes nesta temporada. O timoneiro dos azuis-e-brancos está cada vez mais isolado, mas por culpa própria ou por responsabilidades de outrém? Uma análise ao desempenho actual do treinador e o seu hipotético futuro no emblema da Invicta.

INSISTÊNCIA NO MEDIANISMO: OTÁVIO, MANAFÁ E SOARES

É o plantel dos azuis-e-brancos frágil ou não? Tem falta de soluções? Ou existe um mau aproveitamento da boa matéria-prima que subsiste? No momento actual é difícil de dizer qual é o espectro correcto, mas a contínua aposta de Sérgio Conceição em alguns jogadores tem determinado a qualidade exibicional da equipa no decorrer dos jogos, sendo a aposta em Manafá o caso mais gritante. O lateral-direito é um atleta longe de estar à altura das exigências de um clube como o FC Porto, pautando-se por visíveis fragilidades na hora de contra-reagir à perda de bola ou no saber como e quando pressionar devidamente adversários tecnicamente mais evoluídos, sendo que só o seu poder de velocidade e explosão merecem elogios ou atenção.

O ex-Portimonense tem no entanto todas as características que o treinador dos dragões aprecia como a raça, fisicalidade e intensidade, qualidades essenciais para a estratégia idílica das equipas de Sérgio Conceição… mas não chega quando se disputam jogos de outro patamar como aconteceu contra o Feyenoord, Rangers ou mesmo Gil Vicente, três exibições fracas do lateral-direito – que ainda não marcou ou assistiu para qualquer golo nas 27 participações realizadas neste época.

Saravia teve responsabilidades acrescidas na derrota em casa frente ao Krasnodar e pagou caro por essa prestação, sendo completamente arredado das escolhas do ainda treinador do FC Porto. Todavia, Manafá tem outro estatuto e mesmo depois de ter realizado contínuas más exibições, vai merecendo uma e outra nova oportunidade por parte do staff técnico. Dois pesos e duas medidas, não afectarão a união dentro do clube?

Otávio vive também na mesma “bolha” de proteccionismo, sendo a imagem perfeita do típico jogador que Sérgio Conceição aprecia mas que em termos de rendimentos absolutos fica completamente aquém dos seus rivais de posição de outros clubes. O médio brasileiro tem cerca de 1 golo e 7 assistências num total de 2320 minutos, ou seja, 31 jogos, mostrando números minimamente desapontantes para quem está encarregue de criar um elo de ligação entre o meio-campo defensivo e as operações de ataque.

Poderíamos aceitar que há médios que fazem todo um serviço fundamental que não é explicado em números, mas no caso de Otávio a qualidade das suas prestações é na maioria das ocasiões insuficiente, apesar de toda a entrega e garra patenteada no seu futebol. O padrão nos dois casos é similar e o rendimento é também parecido, com o médio-ofensivo brasileiro a registar uma melhoria em comparação a Manafá.

Por fim, Tiquinho Soares, sendo talvez a entrada mais polémica na secção da insistência errada de Sérgio Conceição. O brasileiro regista 15 golos em 29 jogos, melhorando por completo os seus números em relação ao início de época, altura em que foi preterido em favor da dupla Marega-Zé Luís. Porém, e mesmo que se tenha afirmado como o homem-golo de Sérgio Conceição, Soares continua a revelar profundos problemas na finalização (ambos jogos com o SC Braga ficou bem demonstrado esse inconsistência na frente de ataque) e no conseguir trabalhar com exactidão com os colegas das alas, estando no sítio certo mas com a postura errada em diversos momentos. O avançado entrega-se ao jogo, tem um espírito combativo e não desiste da maioria dos lances, mas está longe de merecer destaque na galeria dos melhores pontas-de-lança dos dragões dos últimos 20 anos.

Como tudo o que define o treinador do FC Porto, é interessante ver que comete erros crassos ao continuar a insistir em Otávio ou Manafá mas que ao mesmo tempo tomou uma decisão inteligente ao recolocar Jesus Corona como lateral-direito, posição onde tem retirado excelentes dividendos.

ILUSÃO QUE UM FUTEBOL REPETITIVO GANHA

2017/2018, o FC Porto é campeão com uma estratégia que está assente nos principios de uma entrega física dominante, na imposição de velocidade e lançamentos em profundidade nas alas, no muscular de uma defesa impenetrável e impregnável e no aproveitamento máximo das oportunidades conquistadas no ataque. Uma receita simples mas que devolveu aquele estilo de alto domínio e de impor autoritarismo e respeito que forçava ao adversário recuar no terreno e aguentar as investidas ou arriscar na subida das linhas mas expor por completo a retaguarda. Podemos dizer que Sérgio Conceição chegou, viu e venceu, numa temporada em que o FC Porto praticamente dominou toda a Liga NOS, apesar do tropeção dado no Restelo em vésperas de visitar a Luz onde iria conquistar a liderança de novo.

Contudo, esta história fantástica não se repetiu em 2018/2019 onde a estratégia do treinador funcionou até sensivelmente Janeiro, abrindo-se contínuas brechas e problemas, alguns esperados e outros nem tanto. Os adversários começaram a adaptar-se ao músculo ritmado do “miolo” de jogo dos dragões e foram impondo sérias dificuldades, aproveitando a ausência de Danilo Pereira (lesão) e a instabilidade exibicional quer de Otávio, Óliver e Herrera, tornando estéril a maioria das situações de saída para o ataque; por outro lado, o castigo imposto a Eder Militão e a entrada forçada de Pepe no eixo-defensivo criou um desequilíbrio constante até ao último jogo da temporada, expondo assim as fragilidades da mentalidade de Sérgio Conceição enquanto treinador-principal.

Com o fim dramático de época em 2019, esperava-se que o ex-internacional por Portugal alterasse a forma de jogar do FC Porto, até porque o mercado forçaria a tal com as saídas de Hector Herrera, Yacine Brahimi (que foi perdendo qualidade de uma época para outra, principalmente por ter optado seguir pelo individualismo em exagero na sua última temporada em Portugal), Felipe, Éder Militão, Iker Casillas (o guardião faz mais falta do que a maioria poderá pensar, principalmente na gestão de jogo e na comunicação fora da área) e Óliver Torres. O espanhol saiu a preço de saldo do Dragão quando poderia ter sido a referência absoluta na construção de jogo para a nova época, mas possivelmente sentiu que as suas qualidades não seriam novamente essenciais para o esquema de jogo. E verdade seja dita, o espanhol terá tomado a decisão correcta porque nada mudaria/mudou nos azuis-e-brancos para a nova época.

Ainda houve alguns vislumbres de mudança quando Romário Baró foi introduzido no onze titular, bem observável na vitória por 2-0 na visita ao campo do actual campeão, o SL Benfica. O FC Porto procurou outro tipo de lógica de jogo Matheus Uribe e o jovem internacional português a criarem uma parelha de criação-gestão inteligente e articulada, facilitando os processos ofensivos de Luiz Dias e Moussa Marega, algo também propiciado pelo excelente trabalho de Zé Luis, especialmente na movimentação e procura de infligir roturas ao bloco defensivo dos encarnados.

Contudo, a confiança de Sérgio Conceição neste refinamento do seu pensamento em termos estratégicos para a equipa acabou por desaparecer quando apareceram as primeiras lesões (Baró e Zé Luís) e precalços (exibição menos conseguida na recepção ao Young Boys), regressando ao estado anterior de maior fisicalidade, mais raça do que inteligência e que levariam uma estagnação na qualidade exibicional.

Derrotas como as que foram registadas na visita ao Gil Vicente, o empate no Restelo frente a um Belenenses SAD frágil e a derrota caseira ante o SC Braga, mostraram lapsos e lacunas no sistema de jogo de um plantel que não é tão fraco como alguns querem fazer parecer. Porém, o discurso de Sérgio Conceição também contaminou a disponibilidade mental dos jogadores (são atletas profissionais e não máquinas sem emoção) que cedem com alguma facilidade quando encontram certos obstáculos no caminho.

UM DISCURSO DE AGRESSÃO MAS QUE NÃO ASSUSTA NINGUÉM

A constante agressividade do discurso de Sérgio Conceição tem vindo a decair em comparação com a primeira época, não há dúvidas, mas o teor das declarações do treinador pioraram como foi o caso da sua presença na flash interview após a derrota na Allianz Cup 2020. Recordamos as palavras,

“É difícil trabalhar em determinadas condições. No primeiro ano, sem reforços e sem dinheiro. No segundo, falta de verdade desportiva. E, neste ano, sem união dentro do clube. Fica difícil… Neste momento o meu lugar está à disposição do presidente”

É verdade que tinha acabado de consentir uma derrota no último minuto de jogo, quando tudo parecia estar a empurrar para as fatidicas grandes penalidades (um aspecto que tem causado angústia nos adeptos do FC Porto), depois de uns últimos 7 dias intensos. Todavia, um treinador da suposta craveira de Sérgio Conceição não poderia/pode simplesmente arranjar desculpas fáceis e apontar o dedo à estrutura dos azuis-e-brancos, apesar de ter toda a razão na questão de falta de união dentro do clube. A actual SAD presidida por Jorge Nuno Pinto da Costa é a grande responsável pelos últimos maus anos vividos no emblema da Invicta e por mais que se queira esconder ou impor esse facto, é impossível silenciar a larga falange de adeptos que está contra a gestão do departamento de futebol.

A entrada da troika da UEFA (Fernando Gomes, director financeiro da SAD, teve a ousadia de apontar o dedo a Nuno Espírito Santo por este percalço na história do FC Porto, mostrando a total ausência de responsabilização por parte da direcção do clube), os reforços fracos e sem qualquer explicação, os relatório e contas com vários pontos de interrogação e a postura dos membros da direcção em diversos momentos da época, mostram que o FC Porto está bem longe do que foi nos últimos 30/40 anos.

Regressando a Sérgio Conceição, o treinador também revela problemas não só no não assumir culpas nos maus resultados na maioria das ocasiões como procura apresentar um discurso agressivo de modo a dissuadir os jornalistas, críticos e afins de discutir consigo. Veja-se a resposta que deu quando os adeptos do FC Porto pediam melhor futebol na época passada (Inverno de 2018/2019),

“Se querem espetáculo vão ao Coliseu, que amanhã tem o grande espetáculo da gala dos 125 anos do FC Porto, ou então vão ao Sá da Bandeira, que tem uma peças engraçadas”

E quando questionado sobre os lenços brancos após a derrota na recepção ao SC Braga, não só desmereceu as críticas como tentou colocar-se num pedestal de exigência devido aos insucessos do passado,

“Eu não tenho de comentar críticas dos adeptos. Não comento até porque, quando cheguei aqui tinha quatro anos em que não ganhei nada e normalmente as expetativas são baixas, a exigência acaba por baixar. Quando se consegue levantar o FC Porto, acabar com a hegemonia do Benfica, quando se ganha um campeonato a exigência começa a aumentar. Como eu sou um homem do futebol, gosto da pressão, gosto disto, não tenho de comentar as críticas dos adeptos. Se eu vou comentar essas opiniões todas não me foco no mais importante que é fazer com que os adeptos voltarem a não criticar. Quando ganho batem palmas, quando perco assobiam e mostram lenços. Os lenços brancos, utilizo-os para me assoar ou para limpar o suor. Isso não me pode condicionar no trabalho”.

A dureza do discurso, a postura dominante na sala de conferência e a falta de poder de encaixe de críticas têm sido pechas claras de um treinador que parece ter atingido o seu limite no Dragão. Perante os factos apresentados, o problema da época actual mora única e exclusivamente na acção de Sérgio Conceição ou a SAD tem responsabilidades máximas nos fracassos constantes no futebol de um clube que já perdeu o seu aspecto de domínio claro em Portugal.

Contudo, será que Sérgio Conceição vai fazer valer o que prometeu em Abril de 2019 após um empate desmoralizante em Vila do Conde caso venham-se a registar mais maus resultados, ou vai aguentar ao leme do barco até Maio de 2020?

“Se querem assobiar, que me assobiem a mim. Vou embora no final da época, não há problema. Sou eu que treino os jogadores, se há algo negativo a acontecer é o treinador que paga, tenho de assumir a responsabilidade. Se não fizer bem o meu trabalho, pego nas minhas malas e vou embora, não há problema absolutamente nenhum!”


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