O profissionalismo do futebol amador

Fair PlayJunho 13, 20204min0

O profissionalismo do futebol amador

Fair PlayJunho 13, 20204min0
Pode o futebol amador se aproximar do profissionalismo sem comprometer a sua integridade seja económica ou de valores? Guilherme Catarino propõe uma reflexo aos tempos actuais nas divisões distritais portuguesas

Artigo de opinião de Guilherme Catarino

O futebol distrital (assim como aqueles que o rodeiam) essencialmente em Portugal, sofreu profusas alterações nos últimos anos. Com o avançar dos mercados e da indústria da modalidade, vasto foi o número de estrangeiros e o investimento nestes feito. Tal levou a um decorrente menor aproveitamento dos miúdos da formação, e como consequência, e em contrariedade a uma padrão de longa data, as equipas seniores destes clubes amadores acabam por “imitar” os clubes profissionais, ao serem constituídas essencialmente por jogadores forâneos.

Tratar-se-á de algo benéfico mais do que prejudicial? Essa é uma grande questão, que poucos até hoje debateram ou pouco interesse revelaram em o fazer. Vejamos: muitos afirmam que é no futebol distrital que reside o “futebol puro”; o da paixão e da dedicação de quem trabalha intensamente longas horas durante o dia e é obrigado a levantar de madrugada, e mesmo assim vai treinar ao final de tarde, na esperança de uma querida convocatória para aquele esperado jogo de Domingo; aquele que não olha a preços nem a preocupações alheias e onde qualquer lesão poderá invalidar mais do que o “simples” desporto, como os recursos financeiros e das famílias cujos têm de alimentar.

Porém, tal utopia parece pouco presente atualmente. O futebol dos escalões distritais (felizmente até!) galgou muito terreno nos últimos dez anos e são cada vez mais os profissionais a ocuparem os departamentos que por lá militam. Sejam os treinadores, os preparadores físicos, ou até alguns jogadores. Quase todos com formação académica (algo naturalmente de relevar) e que tentam roçar a perfeição naquilo que fazem, quer ao nível do treino ou do dia de jogo. Os próprios jogadores assumem um nível de cultura tática acima da esperada e, desta forma, novos dados surgem sob a égide deste novo futebol: maior qualidade nos jogos distritais e inesperados, mas verdadeiros, espetáculos culturais nos campos de vilas, freguesias ou aldeias, por esse Portugal fora. Este é o lado benéfico, deste novo mundo distrital. Vejamos o contraste.

O mercado distrital foge em muito ao mercado profissional. Não existe como negá-lo, mas a verdade é que, alguns entes, o tentam “abafar”. Foque-se o exemplo seguinte, e porventura o mais preocupante no futuro próximo: a “profissionalização de estruturas distritais”, da parte de empresários ou jogadores de futebol profissional. Estes últimos, inúmeras vezes, em tentativas de rentabilizar os milhões de euros que auferiram durante a sua carreira.

Estes indivíduos veem oportunidades de negócio a curto-médio prazo em áreas onde, porém, a história insiste em comprovar que mais de negativo emerge do que de positivo. Ilustramos até com alguma facilidade este silogismo, através de casos públicos de clubes que caíram na bancarrota ou que comportam, ainda hoje, dívidas insuportáveis perante a realidade em que estão (ou estavam…) inseridos: veja-se onde militam o Estrela da Amadora ou a Naval 1º de Maio, clubes históricos do futebol nacional.

Através da aquisição dos clubes, estas sociedades aproveitam ainda para trazer consigo jogadores – alguns conhecidos outros desconhecidos, usualmente estrangeiros – que assumem os futuros lugares dos jovens que, desde tenra idade treinam por tal chance de jogar na equipa sénior da sua terra, com as famílias nas bancadas para o testemunhar, e, quem sabe, mais tarde recordar.

Tive oportunidade de dissertar sobre o Varziela 1982 num recente texto, e que belo exemplo traz este clube. Cuja direção é constituída por jovens da terra, que decidiram arrear as mangas e renascer a chama do futebol nesta pequena freguesia do concelho de Felgueiras.

Em conclusão, são alguns os pros e contras que formatam a questão em debate. Por um lado, sente-se a necessidade deste amadorismo inerente ao futebol distrital: o recorte de um dia atarefado com empregos de 8h e treino ao final da tarde, na ânsia de Domingo à tarde festejar com os colegas e familiares e no final do jogo poder comer uma bifana e um Compal oferecida pelo café local, em preparação para mais uma semana de trabalho. Noutro polo, aparece o investimento estrangeiro que essencialmente melhora a qualidade do jogo e, muitas vezes, traz estabilidade financeira aos clubes amadores, porém com as consequências naturais supra referidas.

Tradição ou profissionalismo? Compete a cada clube deliberar…


Entre na discussão


Quem somos

É com Fair Play que pretendemos trazer uma diversificada panóplia de assuntos e temas. A análise ao detalhe que definiu o jogo; a perspectiva histórica que faz sentido enquadrar; a equipa que tacticamente tem subjugado os seus concorrentes; a individualidade que teima em não deixar de brilhar – é tudo disso que é feito o Fair Play. Que o leitor poderá e deverá não só ler e acompanhar, mas dele participar, através do comentário, fomentando, assim, ainda mais o debate e a partilha.


CONTACTE-NOS