Pode o Rayo sair de Vallecas?

Ricardo LopesMarço 2, 20247min0

Pode o Rayo sair de Vallecas?

Ricardo LopesMarço 2, 20247min0
Sirenes a tocar e pergunta no ar: Pode o Rayo sair de Vallecas? Ricardo Lopes olhara para uma situação crítica do histórico espanhol

Vallecas é um dos bairros mais conhecidos de Madrid. Longe de ser uma zona nobre, as ruas respiram os ideais de esquerda e a tradição obreira sente-se a cada esquina. Trata-se de uma zona bem afastada do centro, com um certo ar residencial. Porém, também é a casa do Rayo Vallecano, equipa que faz questão de representar o lugar onde vive, sendo que os habitantes de Vallecas geralmente apoiam este clube, apesar de Real Madrid e Atlético de Madrid marcarem presença na cidade.

O Estádio de Vallecas, construído em 1976, tem estado em destaques nas últimas semanas. As suas condições são miseráveis, necessita de obras urgentes, mesmo em pontos básicos. O Rayo Vallecano já viu o seu terreno ser interditado por falta de condições mínimas. É um problema assumido por direção e adeptos. No entanto, o campo é propriedade da Comunidad de Madrid, sendo que o Rayo Vallecano apenas o explora. A ideia de uma mudança de “casa” tem estado em aberto, mas a mesma tem gerado muitos problemas.

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Não há espaço em Vallecas para se contruir um novo estádio de futebol. A única solução seria levar o campo para fora de Madrid, como fez o Atlético de Madrid com o Cívitas Metropolitano. Esta ideia não agrada aos adeptos da instituição. O Rayo Vallecano leva Vallecas no nome, é sentido pelo bairro inteiro e na visão dos aficionados não faz sentido nenhum pensar sequer nesta hipótese. É como retirar o coração do peito e coloca-lo nos pés. Os entusiastas são bairristas e sentem orgulho de tal conceito, não sentindo a necessidade de transformar o emblema num monumento nacional. Andoni Iraola, antigo treinador da equipa, falou sobre o tema, ao As:

«A solução ideal, e o que todos gostariam, é que o estádio existente pudesse ser remodelado e melhorado. Está numa localização privilegiada, no coração do bairro, e para mim é um luxo poder ter estádios mesmo ao lado do sítio onde se bebe a cerveja e que a vida do bairro se faça à volta do estádio. É uma pena (que queiram deslocalizá-lo). Compreendo que, do ponto de vista logístico e arquitetónico, será complicado, mas o ideal seria dar uma reviravolta. Tentar ganhar metros de espaço no relvado, não onde estão as casas, mas do outro lado. Temos de encontrar uma forma de manter a localização porque, para mim, é uma maravilha ter um campo onde está o campo do Vallecas neste momento».

O problema é que a voz dos habitantes de Vallecas vale pouco. O Partido Popular, que lidera a cidade de Madrid, votou contra a manutenção do estádio no bairro, não desejando que se façam reformas no histórico recinto, mas sim construir um muito mais moderno, mas sem qualquer tipo de identidade. A esquerda política deseja o mesmo que os aficionados, mas não tem qualquer tipo de manobra na tomada de decisão.

María Caso, conselheira do PSOE afirmou o seguinte:

«O Rayo Vallecano e todas as pessoas que vestem a sua camisola com orgulho, estes adeptos que deram tudo nos piores momentos, não merecem ficar calados. Perante os anúncios a que estamos habituados diariamente de novos sonhos olímpicos, só enviam ao povo de Vallecano uma mensagem, a de que um dos seus três símbolos, aquele que construiu a história da sua identidade como bairro, pode ser eliminado. Mudar a localização do estádio não seria apenas um insulto, seria também um erro pelo seu valor simbólico, que mostra que o Rayo é muito mais do que futebol, pelo seu valor histórico, que recorda com memória que milhares de pessoas foram internadas no campo de concentração franquista em que foi construído, e pelo seu valor social, com mais de 80 equipas que aí jogam e com os programas de integração comunitária que aí se realizam».

Estas palavras representam o sentimento da população de Vallecas, que já prepara uma serie de manifestações para chamar a atenção mundial para a situação, num tema que já transpôs o futebol há muito tempo. Neste momento, há mais política nesta história do que qualquer outra coisa. Futebol então, há zero. Não se fala de bola nem de jogadores, mas sim de metros quadrados e orçamentos.

Nos últimos anos, inclusivamente no futebol espanhol, vimos vários emblemas a mudar os seus estádios para fora da cidade, com construções mais modernas, apesar de isoladas. É raro acontecer o movimento inverso.

Porém, estamos a falar de uma questão de identidade, de um pilar para a instituição. O Rayo Vallecano jamais seguirá igual caso se transporte o estádio para o outro lado de Madrid. Para isso, mais vale mudar o nome do clube. O Estádio de Vallecas é possivelmente o pior terreno da La Liga ou até mesmo dos dois principais escalões do desporto rei castelhano. Mas há pessoas que o sentem como um lar, como algo que também lhes pertence e onde passaram grandes momentos. As pessoas de Vallecas não querem cadeiras almofadadas ou bancadas repletas de camarotes. Querem manter-se onde faz sentido estarem. No centro do bairro do proletariado, onde o vermelho e o branco dominam e não é por causa do Atlético de Madrid.

Há que aceitar a ideia que Vallecas está lotado. Não há margem para construir um prédio, quanto mais um estádio. Tudo o que se pode fazer é reabilitar e colocar o antigo Teresa Rivero com as condições mínimas.

«Penso que o clube tem de crescer. Vallecas é Vallecas, mas se não pudermos, como estádio, crescer em Vallecas, teremos de procurar outra zona onde o clube possa crescer em termos de infra-estruturas. Um novo estádio? Acho que pode haver melhorias no nosso estádio e não sair da zona onde ele está. Se for feita uma reforma, como se faz em qualquer prédio, em qualquer estrutura, poderíamos ficar lá. O problema é que eles querem, neste caso, todas as competências. Também compreendo que os adeptos, os raianos, defendam que o seu estádio é o Vallecas. Eu também vejo as coisas assim. Mas o clube tem que crescer de uma forma ou de outra. Não sei se é reformando ou, neste caso, mudando a localização do estádio. Do meu ponto de vista, penso que tanto a Junta Diretiva como a Comunidade de Madrid deveriam concordar em reformar o estádio, que é um estádio de um clube centenário. Com melhores acessos, com melhores bancadas. Maior, mais capacidade, muitas mais coisas. É verdade que se a alternativa de espaço é construir um noutra zona, tem de ser em Vallecas. É a identidade do clube, porque este clube chama-se Rayo Vallecano. Não é outra pessoa. É Vallecas, exatamente. Tem de estar em Vallecas. Não é difícil melhorá-lo um pouco, não é? Se todos fizermos a nossa parte, neste caso, pode ser feito», afirmou Isi Palazón ao Relevo.

Analisando a situação, é quase certo que o Rayo Vallecano mude de casa, para longe dos seus aficionados. Porém, os mesmos vão dar luta para que a situação caia a seu favor. Os seus adeptos são fieis e leais, como poucos, ligando mais às causas e menos aos resultados. Contudo, coloquemo-nos na posição dos mesmos: quem não lutaria assim por um dos lugares fundamentais das suas vidas? Afinal, o Estádio de Vallecas é a segunda casa para todos eles…


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