O Baú de “Mister’s”: Gérard Houllier, o Chevalier de Liverpool pt.2

Francisco IsaacNovembro 3, 20216min0

O Baú de “Mister’s”: Gérard Houllier, o Chevalier de Liverpool pt.2

Francisco IsaacNovembro 3, 20216min0
Um treinador clássico que fez as hostes de Liverpool sorrir em várias ocasiões é relembrado em mais um episódio do Baú do Fair Play. A parte 2 da vida de Gérard Houllier no futebol

Depois de termos falado dos primeiros tempos de Houllier, passamos agora à fase do treinador à frente do Liverpool e o fim de carreira. Podes reler a primeira parte neste “Baú de Mister’s“. 

No início falámos do amor e a paixão despoletada naquele dia em que foi ver o Liverpool a Anfield Road, e agora chegamos a esse momento especial: o dia em que embarca numa viagem para Inglaterra. Sai do seu trabalho como responsável técnico na Federação Francesa de Futebol em 1997, passa uns quantos meses sem aceitar qualquer convite e, de repente, a direcção do emblema inglês avança para a sua contratação, fazendo parelha com o então treinador-principal, Roy Evans, que só tinha conquistado um troféu nos últimos quatro anos, a Taça da Liga.

Esta relação simbiótica não começou da melhor forma, pois Evans, um antigo jogador do Liverpool, recusava proceder a uma revolução de plantel, desejada por Gérard Houllier, pois o treinador francês via a necessidade imperiosa de reformular totalmente o clube, e para isso era necessário remover antigas referências e dar palco a possíveis outras. Discussões, debate ardente e… demissão de Evans logo em Novembro de 1998, deixando o treinador francês sozinho no comando da equipa principal. Resultado? Eliminação de todas as competições, incluindo a Taça UEFA, 7º lugar na Premier League e a contínua desilusão por não se dar a hora do ‘Pool ressurgir.

Mas, no meio desta decepção, Houllier percebeu que tinha aqui a oportunidade para moldar o Liverpool há sua maneira, da mesma forma que o fez no Paris Saint-Germain e passava por três elementos: fazer uma autêntica limpeza de balneário; apresentar um plano táctico e técnico diferente, mais ambicioso e crente nos processos de comunicação; e reformatar o clube para o sentimento de conquista. No Verão de 1999 são 13 os jogadores a abandonar o clube, como o espectacular Steve McManaman (a custo-zero), David James, Sean Dundee, Paul Ince (a saída que mais abalou o clube na altura), Oyvind Leonhardsen, Karl-Heinz Riedle, contando-se ainda a saída de 5 pessoas do staff da equipa principal, e mais 3 da formação, com isto a significar uma total rotura com o passado e um olhar para adiante, mesmo que isso representasse um risco estupendo de estratégia. Para atenuar estas saídas, a direcção do clube decidiu avançar para grandes despesas e trouxe aqueles que seriam peças-chave para o regressar às conquistas: Sami Hyypia (3M€), Stéphane Henchoz (4M€), Vladimir Smicer (4,6M€), Dietmar Hamann (9,5M€) e, a contratação mais cara deste defeso, Emile Heskey, que saiu do Leicester City por quase 13M€).

E, isto valeu de algo logo na época 1999/2000? Bem, não houve direito a troféus (eliminado precocemente tanto na Taça de Inglaterra como da Liga), mas sentiu-se uma mudança interessante na capacidade de entusiasmar não só os adeptos, como os jogadores, com o Liverpool a ter outra agressividade no ataque, a gerir melhor a defesa (2ª melhor dessa temporada) e a ter outra presença no geral, algo que tinha quase desaparecido por completo nos últimos 6 anos.

Chegamos finalmente a 2000/2001 e de nenhum troféu entre 1997 e 2000, os Reds passam para três, somando a Taça da Liga Inglesa (derrotaram o Birminham City), Taça de Inglaterra (conquista sobre o Arsenal em Cardiff) e a Taça UEFA frente ao Alavés por 5-4, numa das finais mais emotivas de sempre da antiga competição europeia de clubes, isto sem esquecer o 3º lugar na Premier League e apuramento para a Liga dos Campeões do ano seguinte. Até à saída do clube inglês no fim de 2004, Houllier levantou mais dois troféus, enriqueceu o plantel com diversos nomes que viriam a singrar e a serem nota de destaque da vitória na Liga dos Campeões de 2005, deixando um legado enorme num dos maiores emblemas do Mundo do futebol.

Lembrar ainda que esteve alguns meses de baixa quando foi operado de emergência por causa de um problema cardíaco, isto nos idos de 2001, levantando preocupação sobre o seu estado de saúde, voltando em grande passado pouco tempo e com um sorriso estampado quando o seu Anfield estalou em aplausos quando saiu do corredor de acesso aos balneários.

No fim de carreira ainda foi capaz de levantar a liga francesa por mais três ocasiões, agora pelo super Olympique de Lyon, fechando a sua história no futebol com uma época mediana pelo Aston Villa. Todavia, talvez dos momentos mais emotivos da história deste professor, aluno, jogador, treinador, formador e apaixonado não foram os títulos ou as grandes equipas, os estádios enormes ou as extraordinárias estrelas, mas sim a inauguração do estádio de um dos seus primeiros clubes de futebol o Le Touquet, como contada pela voz de Cédric Ryssen, empresário que chegou à liderança do clube no século XXI,

“Quando inaugurámos o estádio, ele ficou emocionado e quase chorou quando viu que 15 pessoas tinham vindo de Liverpool. Eles vieram só para ver o Gérard [Houllier] a inaugurar o campo. Ele estava orgulhoso em mostrar-lhes a sua “casa”, que estava tão orgulhoso como se tivesse em Anfield. O sorriso dele era de uma criança, contente, e que ficou na memória de todos para sempre.”

Gérard Houllier um aprendiz que viu o Liverpool jogar décadas antes de assumir o lugar de treinador, que aceitou voltar ao Le Touquet já nos últimos de vida para dar uma ajuda e aconselhar como poderiam evoluir, que teve os seus momentos de maior irritação e agressividade (a acusação que David Ginola foi o único culpado da não ida da França ao Mundial de 1994, é um exemplo claro), felicidade imensa, dúvidas perenes, de elevação imortal e de carinho constante para um desporto, que era para si mais do que um trabalho, pois era uma filosofia e paixão.

Houllier no Le Touquet em 2017 (Foto: Liverpool Echo)

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