Mundial de Futebol Feminino: uma nova era para uma luta centenária
1 bilião de pessoas, foram estes os números avançados pela FIFA e as cadeias de televisão em relação ao número de espectadores do Campeonato do Mundo Feminino 2019, atingindo pela primeira vez este patamar estratosférico, ultrapassando qualquer registo de competições de mulheres do passado.
O futebol feminino está em total crescendo e esse facto não é só observável pelo número de espectadores quer da televisão ou online (o streaming tem arrebatado recordes em termos de propagação e expansão dos jogos) mas também pelo número de pessoas presentes nos estádios ou o impacto em termos de marketing e comunicação.
Mas mais importante que os números de espectadores ou ganhos em marketing, é a mensagem forte que os actores que participaram neste Campeonato Mundo passaram durante toda a competição: o futebol feminino é uma das novas bandeiras do Desporto-Rei neste século XXI.
Não há forma de fugir a esta nova era e o futebol pode ganhar uma dimensão cada vez mais global, que não difere ou sonega qualquer dos géneros e luta cada vez mais por igualdade de importância, apesar dos prémios de jogo serem substancialmente inferiores aos que foram conferidos na final do Mundial de homens em 2018.
Este tema lançou uma troca de palavras entre Megan Rapinoe (para quem não está habituado aos nomes, a atleta dos EUA foi considerada como a Melhor Jogadora do Mundial 2019, com um futebol perfumado no toque de bola e de uma genialidade na condução de jogo que transforma qualquer equipa num caso-sério) e Gianni Infantino, questionando a norte-americana o facto de ainda se criarem estas diferenciações entre sexos.
Alguns leitores podem questionar que a dimensão de finais é incomparável e que perante esse factor é aceitável que exista uma diferença entre os ganhos monetários de homens e mulheres. Mas não será esse argumento não só redutor como um problema? Não será fundamental igualar, pelo menos, estes bónus pela vitória ou finalista-vencido entre géneros de forma a conferir a mesma importância, caminhando para uma paridade verdadeiramente justa e interessada na evolução/crescimento do futebol.
É real que o futebol feminino só começou a ser aceitável enquanto carreira profissional desde o início do século XXI, significando que durante largas décadas houve uma real luta para conseguir convencer mulheres de todas as faixas etárias a ter coragem para praticar a modalidade, uma luta que os atletas masculinos geralmente não conheceram e que talvez por isso não conheçam e reconheçam as dificuldades do género contrário.
Não significa isto que o futebol masculino não teve as suas batalhas, já que a transição do amadorismo para o profissionalismo “impediu” que pessoas de classes sociais mais privilegiadas não vissem com bons olhos incluir os seus filhos num desporto apelidado durante os anos 30 a 60 como de brutos, selvagens ou de pobres.
Mas aí reside logo o primeiro problema… todos homens tiveram a possibilidade de praticar futebol a qualquer altura da sua vida, enquanto que as mulheres estiveram impedidas oficialmente de fazer girar a redonda um pouco por todo o globo, por vezes décadas em certos países, com sérias punições para quem ousasse realizar um official match (podem ouvir podcast dos Fut-Historiadores sobre a origem do Futebol Feminino onde são explicado esses problemas e lutas).
Olhando para o que foi conquistado em tão pouco tempo e tendo o Campeonato do Mundo de 2019 como porta-estandarte, o futebol feminino é um caso de sucesso não só do desporto mundial mas também pela forma como as sociedades civilizadas têm abraçado e se apaixonado por esta nova era. Um bilião de pessoas assistiram a todo a competição, menos 2,5 biliões em comparação com o Campeonato do Mundo masculino de 2018, com o jogo mais visto a ser a final entre EUA e Holanda (400 milhões), destronando o Inglaterra-EUA das meias-finais (12 milhões de pessoas viram só na televisão). Nos EUA o jogo da final do Mundial feminino foi visto por 15 milhões de pessoas, enquanto que o Masculino (há claro o detalhe que os EUA não participaram na competição) teve cerca de 11 milhões a seguir em casa.
Novamente, há um aspecto interessante e que demonstra que o crescimento do futebol feminino tem sido como uma flecha: o primeiro Mundial feminino foi realizado apenas em 1991, enquanto que o masculino foi nos anos 30 também do século passado no Uruguai.
Em 28 anos o Campeonato do Mundo feminino passou de 100 milhões de espectadores na televisão e 500 milhões nas bancadas dos estádios chineses, para 1 bilião à frente do grande ecrã e 1 bilião no total dos 52 jogos realizados em França. São números assustadores e que têm apaixonado novos sponsors a apoiar o futebol feminino cada vez mais, não pela luta das igualdades (ou principalmente) mas sim porque representa um bom negócio com altos ganhos económicos a curto/médio/longo prazo, tanto de visibilidade de patrocínio (activação da marca) como pelo apoio à luta pelo crescimento do futebol feminino.
Lembrar ainda que ao contrário do que se passou em qualquer uma das últimas 10 finais de Campeonatos do Mundo masculinos, em que não decorreu mais qualquer outro jogo importante seja de que género for, a final do Mundial feminino em 2019 decorreu no mesmo dia que a finais da Copa América e Gold Cup (competição que reúne os melhores países da América Central e do Norte) e os quartos-de-final da CAN, perdendo assim algum do impacto e atenção que uma final de Mundial merece (mesmo não sendo a horas idênticas, é inegável que sonega parte do brilhantismo e importância).
A final que opôs a inesperada Holanda (o seu primeiro mundial foi em 2015, sendo um daqueles casos de crescimento auspicioso) e a suprema Estados Unidos da América foi de alto nível, principalmente na primeira-parte, no qual se registou uma igualdade a zero por força da exibição da guardiã Sari van Veenendaal. Protagonistas não faltaram, bom futebol também não e um estádio completamente extasiado conferiu um contraste especial ao jogo de todas as decisões, num jogo que confirmou o tetracampeonato às norte-americanas (foi a segunda selecção que mais golos marcou num Mundial, ficando a apenas a um de igualar a inesquecível Hungria de 1954).
São estas algumas das diferenças que limitam a mensagem e luta pela igualdade por parte das grandes instâncias da modalidade e por mais que as atletas, treinadores e dirigentes trabalhem profundamente nessa direcção será sempre inglório e limitador o seu esforço. O futebol feminino cresce em todas as medidas, em todos os continentes, em todas as faixas etárias e promete ser um game-changer não só para o desporto mundial mas também para a sociedade.