O fim da linha para Sérgio Conceição?
Eliminação na Liga dos Campeões frente ao Krasnodar, derrota contra o Feynoord e Rangers na Liga Europa, empates contra um Marítimo “adoentado” e mais um frente a um Rangers anárquico, para além dos três pontos perdidos em Barcelos foram alguns dos reveses deste FC Porto 2019/2020, deixando o plantel, Sérgio Conceição e a SAD dos dragões numa situação desconfortável e minimamente perigosa em termos de cumprir ou não os objectivos da temporada.
Contudo, o que os adeptos não têm conseguido perdoar – e incrivelmente ultrapassaram as derrotas de Barcelos e a eliminação da Liga dos Campeões de uma forma rápida – é o futebol pobre, desprovido de inteligência, desconexo e que parece não querer se adaptar aos actores que o treinador azul-e-branco tem à sua disposição.
Contra o CD Aves, o último classificado da Liga NOS, os vice-campeões nacionais somaram uma vitória por apenas um golo, num encontro marcado por constantes erros na transição defesa-ataque, como na falta de boa execução por parte de Otávio (tem baixado o nível de época para época), Jesus Corona, Bruno Costa ou Tiquinho Soares no que toca às triangulações e combinações, ficando exposto a falta de química e entendimento entre os diferentes sectores.
Elementos como coesão, eficácia ofensiva, adaptação ao sistema de jogo contrário e eficácia no remate desaparecem de forma recorrente, criando sérios problemas no objectivo semanal de uma equipa do nível e patamar do FC Porto: ganhar.
Não há dúvidas que a equipa portista ainda não perdeu nada (à parte dos milhões da Liga dos Campeões) e está a dois pontos de um SL Benfica que não tem conseguido mostrar também as suas melhores tonalidades neste primeiro trecho da temporada, com falta de categoria para a maior prova europeia de futebol ou alguns problemas frente a adversários que anulem com o seu jogo a meio-campo (caso do FC Porto).
Porém, é exactamente pelo facto dos rivais não estarem totalmente bem que o FC Porto podia ter aproveitado e tomado controlo da liderança da Liga NOS, impondo uma certa pressão ameaçadora nos campeões nacionais e no SC Braga, Sporting CP e, até ver, FC Famalicão. Mas o problema está em Sérgio Conceição? Ou os problemas são uma soma de vários pormenores que juntos quebram por completo com o plantel, que não é assim tão mediano como alguns adeptos querem fazer passar?
NÚMEROS… É O QUE ELES DIZEM?
Comecemos pelo básico… a forma de jogar actual do FC Porto, é ou não inferior ao potencial do plantel? Pelos resultados somados até ao momento totaliza 3 derrotas, 2 empates e 12 vitórias, com 33 golos marcados e 9 sofridos. Em comparação com os arranques das duas primeiras temporadas com Sérgio Conceição ao leme é algo similar… 2017/2018 começou com o registo de 12 vitórias, 2 empates e 2 derrotas, 40 golos marcados e 10 sofridos (derrotas com o Besiktas e Leipzig), e só com um derrape (empate) na Primeira Liga na casa do Sporting CP; em 2018/2019 12 vitórias, 2 empates e 2 derrotas, 37 golos marcados e 11 sofridos.
Ou seja, está na linha dos últimos dois anos, apesar da aparente queda no poder de fogo (-7 e -4) que poderá passar pela ausência de uma estratégia mais coerente com as unidades que possui e, por outro lado, que os adversários já sabem como anular o jogo em profundidade, excessivamente lateralizado e de imposição física, imagens de marca da era Conceição no clube da Invicta.
A ausência de algo novo pode ser uma das razões da pouco sucesso ofensivo actual, que já forçou uma série de testes e trocas que trazem melhorias significativas no momento mas conseguir dar resposta a médio-longo prazo. Tiquinho Soares assumiu o ataque nos últimos três jogos e tem sido uma completa desilusão (já tínhamos mencionado a falta de qualidade do brasileiro para sustentar o ataque do FC Porto por si só), não se percebendo bem o porquê de relegar Zé Luís para o banco de suplentes, algo que também se estende à decisão de prescindir Uribe (de longe o médio mais lúcido e inteligente) quando claramente o ataque azul-e-branco necessita.
Uma estratégia completamente igual em comparação com épocas anteriores, mas que esgotou por completo nesta temporada, ficando assente que piora totalmente quando Alex Telles e Moussa Marega não estão fisicamente na melhor forma, revelando ainda que nem Manafá ou Jesus Corona são a resposta necessária para substituir estas duas unidades. Não há dúvidas que o avançado maliano tem claros problemas na colocação de remate, contudo é de longe o extremo direito mais perigoso (quando em forma) e complicado de parar, em oposição ao excesso de dribles e fintas de Corona, que estava bem como lateral-direito.
Mas uma pré-época pouco positiva e um pico de excesso de jogos foram fatais para o internacional do Mali, que tem ficado de fora dos últimos jogos e sentiu-se desde logo falta daquela agressividade e imposição física no ataque, algo partilhado só com Luis Diaz, um dos melhores reforços para esta época.
A lesão de Romário Baró também não ajudou em nada no estabilizar do processo de criação de jogo, tendo feito até à data da sua lesão boas exibições para além de uma boa combinação com Matheus Uribe, com Otávio a fracassar na maioria das ocasiões… o brasileiro só teve nota francamente acima da média contra o Famalicão nos últimos 5 jogos, mostrando uma falta de inércia na hora de decidir e estabelecer o último passe ou linha de combinação.
ESTRATÉGIA, CASTIGOS E MONOTONIA… A REPETIÇÃO DE 2018/2019?
Há também uma crescente preocupação com os problemas a nível de passe por parte de Danilo Pereira, não se mostrando tão forte na assistência ao ataque como no passado ou estável no ser o elo de ligação no processo defensivo, algo que já levou a problemas graves como contra o Krasnodar, Gil Vicente, Marítimo e até contra o Desportivo das Aves, que conseguiram dominar largos minutos na 2ª parte o meio-campo azul-e-branco.
Existem problemas claros com a estratégia, assim como existem dúvidas totais em relação com as opções para o 11 titular… Ivan Marcano não tem a capacidade física para amparar contrata-ataques rápidos e foi um dos responsáveis por alguns dos contra-tempos nesta temporada, o que poderia abrir oportunidade a Mbemba, o congolês que conseguiu conquistar um lugar na faixa direita defensiva no entretanto.
Matheus Uribe e Zé Luís no banco de suplentes por troca com Bruno Costa e Tiquinho Soares não só não resulta, como a equipa sai inferiorizada quando o tempo de jogo começa a avançar… se o jovem médio português carece de certas características para imperar calmamente no “miolo” (o poder de antecipação e capacidade física), já o avançado brasileiro é uma decepção completa quando lhe é entregue o papel de ponta-de-lança com apenas 4 golos em 14 jogos. Mas o mais preocupante é a falta de poder de eficácia e capacidade de imprevisibilidade, sendo uma presa fácil de duplas defensivas experientes e fisicamente dotadas, isto é, o normal do que se encontra na Liga NOS.
Então porquê relegar Zé Luis, Uribe, Alex Telles, Moussa Marega ou Shoya Nakajima para o banco de suplentes, quando a equipa necessita claramente de uma mentalidade criativa, mais de risco e de velocidade? Poderá ser por uma questão comportamental dos jogadores, ao exemplo do que aconteceu em outras temporadas, relembrando a situação com Iker Casillas, Moussa Marega, Éder Militão, entre outros, que ao ferirem os valores e princípios de equipa foram castigados com exclusão dos jogos, não se importando Sérgio Conceição que esse acto pudesse ter consequências em termos dos objectivos imediatos e de temporada? Se Marega explica-se pelos problemas físicos e Nakajima por derrapar no apoio ao processo defensivo, os restantes não têm uma razão explicável e intelegível.
É impossível não aceitar que esta tenha sido a temporada que o FC Porto melhor se reforçou, obedecendo aos desejos e desígnios do técnico, como ficou visto pela chegada de Zé Luis, Matheus Uribe, Luis Diaz, Agustín Marchesín ou Iván Marcano, existindo só a dúvida que Saravia e Nakajima tenham sido ou não pedidos expressos, ficando claro que este é um plantel construído com lógica e não só com a pressa de arrecadar milhões (há uma urgência de fazer o mínimo de 75M€ quando a temporada terminar, de modo a pôr fim à Troika da UEFA no clube).
Porém, e observando a lista de contratações de Sérgio Conceição desde que regressou à Invicta, vemos sérios erros de casting como Majeed Waris, Fernando Andrade, Yordan Osorio, Ewerton ou Paulinho, sem contar com João Pedro ou Saidy Janko, jogadores que parecem ter sido impostos pela SAD ao treinador.
Resumido, Sérgio Conceição tem as peças, o plantel tem qualidade mas parece que o técnico-principal deixou de procurar uma evolução do futebol dos dragões cismando com o mesmo modelo e estratégia de jogo, desmontada e tornada inútil por alguns adversários. Curiosamente, no jogo frente ao SL Benfica houve outra forma de jogar, surpreendendo por completo Bruno Lage, numa tarde em que os dragões só puderam queixar de si próprios na procura de um resultado mais dilatado, que poderiam tê-lo conseguido. Porquê voltar ao mesmo plano que tem criado problemas sérios na estabilidade da estrutura e na segurança defensiva?
ESTRUTURA E TREINADOR NA MESMA LINHA DE DISCURSO
A ajudar a perceber a instabilidade que o treinador vive neste momento, é o discurso. O antigo internacional português tem demonstrado uma postura pouco positiva nas conferências de imprensa, invocando alguma agressividade e falta de respeito para com a imprensa, ficando bem na retina as respostas duras no jogo pós-Marítimo ou CD Santa Clara. Não sendo necessário invocar as palavras, a postura, o discurso e a capacidade de responder de uma forma equilibrada são pormenores mais que suficientes para perceber que existe um certo esgotar emocional problemático, que não só não está a proteger o plantel como leva o clube para uma guerra desportiva desnecessária.
O discurso medíocre, agressivo e de constante ataque não está só intimamente ligado ao técnico do FC Porto, estendendo-se a outras partes da estrutura do clube como a Jorge Nuno Pinto da Costa (na larga maioria das ocasiões que o presidente da SAD e clube fala registam-se um mau resultado no jogo seguinte), Fernando Gomes (tem constantemente atacado os antigos treinadores como os únicos grandes responsáveis pela falha dos objectivos e os problemas de tesouraria que forçaram a UEFA a intervir na SAD) e outros elementos que têm criado um ambiente pouco positivo.
Os erros amontoam-se, o FC Porto tem-se apresentado cada vez mais pobre nas exibições (a última derrota com o Rangers não está contabilizada) e o futuro não parece todo positivo para um clube que tem tentado recuperar o seu estatuto do maior emblema português do século XXI.
Ao fim de 10 jornadas para a Liga NOS, quatro jornadas na Liga Europa e uma eliminação na Liga dos Campeões, questiona-se também se há realmente vontade de introduzir jovens formados em Gaia no plantel principal… Romário Baró está lesionado, Fábio Silva tem saído do banco e os restantes estão relegados para a equipa B, onde Rui Barros tem falhado redondamente (não teria sido preferível introduzir Mário Silva neste escalão?). Tomás Tavares, Diogo Leite, Diogo Queirós (será que regressa ao clube?), são alguns exemplos claros de que ainda existe pouco aproveitamento da formação do clube.
Será mesmo o fim da linha para Sérgio Conceição? Ou os erros e problemas aplicam-se a uma estrutura que não quer admitir que tem sido o problema e não a solução.
Será mesmo Fábio Silva o futuro do FC Porto?