É o FC Porto um bom ou mau clube para a formação?
O artigo começa com uma questão pertinente e, no mínimo, corrosiva: é o FC Porto um bom ou mau clube para a formação?
O leitor pode concordar ou discordar, caso se tratasse de uma afirmação… no entanto, apresentamos a dúvida e vamos mencionar os factos para lançar uma reflexão bem argumentada e que possa responder à pergunta, ou pelo menos parte dela.
A equipa que defende o Estádio do Dragão (desde 2003), lançou em 2002 o Centro de Treinos e Formação Desportiva PortoGaia, a sua “casa” em termos de preparação para os jogos, rentabilização de formação e base de operações diária.
Desde então até 2017, algumas das pérolas da formação do FC Porto deram passos bem interessantes quer na equipa principal ou a nível internacional. Contudo, foram raros os que realmente pisaram os relvados com a camisola azul e branca, algo que deveria preocupar os adeptos. Rúben Neves e André Silva são duas das maiores referências do Universo portista, mas pouco se sabe ou se conhece das outras.
Durante os últimos três anos muito se falou de Francisco Ramos, Tomás Podstawski, Ivo Rodrigues, Mikel Agu, Chidozie, Rui Pedro, João Graça, Gonçalo Paciência, Rafa Soares ou Tozé, mas nenhum conseguiu, efectivamente, agarrar o lugar. Oportunidades foram dadas, mas o pouco tempo de jogo dado, a paciência limitada e a fraca confiança dispensada nestes nomes, levou a que todos abandonassem o reduto do Dragão.
Ou seja, nas últimas quatro temporadas foram raros os jogadores da formação que tiveram direito de entrar no balneário e assumirem-se como jogadores do FC Porto. Haverá algum problema no momento de darem o salto para o patamar mais alto do futebol português? Tem a estrutura do FC Porto algum problema com a aposta da formação, vendo-a como um grande risco? Ou poderá ter algo a ver com as comissões e valores de transferência?
Analisemos cada questão com algumas respostas para esboçar o quadro final.
SAIR DO OVO PARA GANHAR ASAS
Já mencionámos os casos de Ramos, Podstawski, Rodrigues, Graça ou Paciência, que foram todos produtos da formação e que nunca conseguiram afirmar-se no onze ou plantel da equipa portista. Entraram naquilo que se chama o Ciclo Vicioso dos Empréstimos, ou seja, irem de empréstimo em empréstimo até rescindirem o contrato e encontrarem uma solução profissional.
Se Francisco Ramos demorou a “aquecer” (as lesões em 2016 forçaram-no a regressar ao FC Porto, após um empréstimo falhado em Chaves), já Gonçalo Paciência começou a ganhar “raízes” no Setúbal de José Couceiro, assumindo algum peso na manobra ofensiva dos sadinos. Não é um jogador excessivamente completo, mas talvez fosse útil no banco dos Dragões de Sérgio Conceição.
A saída de Rafa Soares foi, no mínimo, recebida com estranheza, uma vez que o lateral tem apresentado um bom nível pelos empréstimos por onde passou, onde a sua capacidade para centrar, recuperar a linha de defesa, manobrar a bola e sair a jogar ganhou destaque entre os adeptos, treinadores e imprensa. Ainda é mais estranho quando vemos que a única solução viável para a esquerda é… Alex Telles. Miguel Layún tem jogado especialmente à direita (Maxi Pereira parece não contar) ou meio-campo. Por isso, uma aposta para o futuro que vai mantendo a rodagem?
Já Tozé e Tomás Podstawski são dois nomes que merecem atenção muito pela qualidade de jogo que apresentam, apesar das flutuações preocupantes no caso do médio mais avançado. Tozé tem “raça”, é trabalhador, tem bom controle de bola mas peca na visão de jogo e, por vezes, na hora de decidir. Passa rapidamente de Herói a Vilão, muito porque as suas boas exibições são notórias, mas os seus desempenhos mais fracos atingem níveis altos de insatisfação.
Já o trinco/médio-centro tem sido importante para o Vitória de Setúbal, com uma bela leitura de jogo, trabalho de “formiga” no centro do terreno, capacidade de choque e excelente reacção à perda de bola, chaves para um bom desempenho do meio-campo sadino. Contudo, a forte concorrência e a titularidade incontestada de Danilo Pereira, forçaram o médio a dizer “adeus” ao Universo portista.
São diversos casos, com cada vez mais casos e que metem um “travão” na ideia de que o Porto sabe dar a Vitamina Senior, quando efectivamente não o consegue dar. Contudo, há que notar alguns casos interessantes: Josué, Sérgio Oliveira e André André.
O trio, formado nas escolas do FC Porto, voltou ao FC Porto após dois ou três anos afastados do seu reduto… não foram emprestados, todos saíram em definitivo e voltaram depois como contratação oficial. Josué já não consta no plantel, mas no ano em que esteve ao serviço foi, de longe, dos melhores jogadores da equipa de Paulo Fonseca e Luís Castro em 2013/2014.
Já André André é um jogador que tem tido boas exibições, recheada de uma grande raça, capacidade de luta e organização territorial assim como falhar em momentos cruciais ou ver a sua forma cair a pique a partir dos 60 minutos. E que dizer de Sérgio Oliveira, que do nada voltou a contar para Sérgio Conceição, tendo assumido a titularidade nos jogos ante o Mónaco e Sporting CP, com duas prestações completas e cativantes?
Oliveira regressou com 23 anos, assim como Josué, sendo que André André voltou aos 25/26 para o Dragão. Rotatividade, liberdade de movimentos e capacidade de se soltarem das amarras do Porto, foram, talvez, os segredos para os regressos.
Mas, e que podemos ver só pelos últimos quatro anos, a percentagem de jogadores que foram formados, que passaram pela equipa B e deram o salto para a equipa principal é muito baixa e preocupante.
FORMAR PARA PERDER… OU FORMAR PARA APRENDER?
Curiosamente, no ano de 2017/2018, o FC Porto voltou a apresentar uma boa forma competitiva, ganhou 8 dos 10 jogos que disputou, apresenta outro domínio no relvado com uma agressividade superior e mais clara, com bons índices ofensivos que, por coincidência, não tem qualquer jogador da formação no onze inicial ou no banco de forma consistente (Diogo Dalot só foi chamado por duas vezes ao banco de suplentes).
Isto pode significar que as apostas em André Silva e Ruben Neves foram revistas pela direcção como riscos demasiado “agressivos” no que concerne à luta por títulos e campeonatos. Ambos foram vendidos, e neste preciso momento, não há novos jogadores da formação a despontar. De portugueses só subsistem André André, Sérgio Oliveira (os únicos formandos no actual plantel), Danilo Pereira, João Costa, Hernâni, Ricardo Pereira e Diogo Dalot.
No onze actual três portugueses agarraram o lugar, ficando pouco atrás do Sporting CP (cinco) e quase equiparado ao SL Benfica (só Pizzi e André Almeida). São eles Danilo Pereira, Sérgio Oliveira e Ricardo Pereira. Os “Pereiras” tornaram-se peças indispensáveis para a estratégia de jogo do treinador dos portistas, sendo que Oliveira ganhou, de repente, um lugar no onze, quando não tinha feito sequer um minuto em todos os outros encontros.
Dos três, os “Pereiras” poderão significar transferências “chorudas” no final da temporada, uma vez que ambos têm qualidades acima da média do campeonato português. Mas nenhum conta como formado no FC Porto e, mais uma vez, reside o problema de que a formação não ocupa um lugar “especial” na SAD portista.
Os últimos anos foram, sem dúvida, de provação e de saber lidar com problemas a nível financeiro e competitivo, sendo que na temporada passada o declínio ofensivo do Porto encontrou um responsável para os adeptos: André Silva. O agora artilheiro do AC Milan, fraquejou a partir de Janeiro, quando Soares chegou ao Dragão. A dupla nunca funcionou e a forma como Nuno Espírito Santo lidou e liderou com a situação foi sempre insuficiente.
Olhando para os dados estatísticos, André Silva terminou a temporada com 21 golos e 10 assistências, com Soares a finalizá-la com 20 remates certeiros e 6 passes para golo. A presença de Silva foi sempre mais “cativante” e especial do que Soares, com o avançado luso a conseguir dar outra magnitude ao jogo geral do FC Porto… usando uma expressão da gíria futebolística: enchia o campo.
Mas, perante alguns falhanços mais preocupantes, os adeptos foram rapidamente gritar por Soares, que em 2017/2018 não tem qualquer golo somado e a lesão atirou-o, com violência, para o banco de suplentes com Moussa Marega a dar algo mais do que o avançado brasileiro dava.
A lógica da SAD é que o produto internacional como Aboubakar, Soares ou Marega é bem mais rentável e vendável que o produto das escolas, que pouco são promovidas como um centro de excelência. E isso é notório porque as grandes referências da selecção Nacional são formadas no Sporting CP como Cristiano Ronaldo, Rui Patrício, Nani, Quaresma ou Adrien.
No Europeu de 2016, quatro foram os futebolistas que passaram pelo menos dois anos ao serviço dos portistas (seja como infantis, iniciados, juvenis ou juniores): Bruno Alves (toda a formação no FC Porto), Ricardo Carvalho (dois anos como junior), Vieirinha (chegou como juvenil) e André Gomes (seis anos nos azuis e brancos, antes de seguir para o Boavista e depois o SL Benfica).
QUAL RENDE MAIS: EDUCAR O JOGADOR SÉNIOR OU FORMAR O JOGADOR JOVEM?
Só Carvalho e Alves renderam bons milhões de euros, que deveriam ter despertado o interesse da SAD em manter a aposta. Também é verdade que Carvalho demorou a ganhar o seu espaço e Bruno Alves apareceu no momento ideal para se afirmar no onze de Jesualdo Ferreira. Juntos renderam quase 50M€ aos “cofres”, com o clube a deter quase 100% de ambos os passes… Mangala, central do Manchester City, foi vendido para os ingleses por exactamente esse quantia e é aí que pode subsistir o problema.
Tornou-se mais rentável ao Porto, nos últimos dez anos, vender jogadores estrangeiros a um preço alto (acima do mercado, entre o algo e o super inflacionados) do que formar, dar tempo e espaço e vender os jovens das “escolas” do clube. É mais fácil, é menos arriscado e é menos custoso… até há uns anos atrás. O FC Porto detém agora quase 100% dos passes de Aboubakar, Óliver, Marega e Felipe, quatro jogadores que podem render alguns milhões de euros no final da época… assim como Yacine Brahimi, que poderá também ficar 100% Dragão, com a aposta da SAD em comprar a totalidade do passe à Doyen.
Por isso, há um confronto entre jogadores estrangeiros e portugueses, algo que foi sempre comum no seio da SAD dos Dragões. Nos últimos 20 anos, o Futebol Clube do Porto teve grandes jogadores portugueses a sair da sua formação como Vitor Baía, Hélder Postiga, Domingos Paciência, Bruno Alves, Ricardo Carvalho, Rui Barros, Fernando Couto, Jorge Costa e o próprio Sérgio Conceição, sendo excelentes exemplos de como a formação no Porto funciona.
E, curiosamente, todos eles detêm certas características comuns: garra, raça, luta e criatividade. São marcas da produção do FC Porto que ainda está algo parada.
Poderíamos falar de outro tipo de formação que o Porto detém e que é superior (ainda, com o SL Benfica cada vez mais perto de ultrapassar os números dos portistas) em Portugal e também na Europa: contratar jovens desconhecidos ou jogadores que não conseguiram dar o salto, “educá-los”, potenciá-los e vende-los.
Casos de Hulk, Falcao, James Rodriguez, Fernando, Jackson Martínez, Paulo Ferreira, Deco,, Alex Sandro, Derlei, Álvaro Pereira, Guarín, Otamendi, Raúl Meireles, Cissoko, Mangala, Lucho Gonzalez, Bosingwa, Paulo Ferreira, Lisandro Lopez, Ricardo Quaresma, Pepe, Anderson e Danilo são só alguns nomes que renderam vários M€ aos cofres do FC Porto.
Com isto é “normal” que a SAD portista tenha optado por atirar a formação para um segundo ou terceiro plano, continuando a apostar no mercado estrangeiro para rentabilizar os activos que chegam já em idade sénior (salvo raras excepções como Bosingwa, Meireles, Paulo Ferreira, Fernando, James Rodriguez ou Anderson) e obter outro tipo de lucros.
Mencionámos os nomes de Rui Pedro, Diogo Dalot, Francisco Ramos, Tomás Podstawski, Ivo Rodrigues, Mikel Agu, Chidozie que parecem, em 2017, não ter futuro no FC Porto. Como Candeias, Paulo Machado (que ainda chegou à Selecção Nacional), Bruno Gama, Ventura, Bruno Vale, Ricardo Ferreira, Rui Pedro (o primeiro, que passou pelo futebol romeno), Nuno Coelho ou Joca, que cada um, na sua altura, foram olhados como os novos “diamantes” do FC Porto e nunca conseguiram, efectivamente, chegar ao relvado azul e branco. Dalot, Ramos, Rodrigues, Agu ou Graça podem nunca passar de promessas e de jogadores de equipas medianas.
Durante o “reinado” de André Villas-Boas no Dragão ainda houve uma tentativa de aposta em duas das coqueluches da formação do Porto… Ukra e Castro. No entanto, já não tiveram direito a minutos de jogo com Vítor Pereira, que os dispensou e arremessou para longe do Dragão, com selo de aprovação da SAD. Casto é, neste momento, um dos melhores jogadores do campeonato turco e Ukra foi sempre um jogador rentável no Rio Ave.
Olhando e analisando tudo o que dissemos, a reflexão séria a fazer é notar que o FC Porto é um dos melhores clubes formadores, seja em idade tenra ou sénior, mas não é o clube ideal para permitir aos seus jovens ganhar destaque e assumirem um lugar no onze ou plantel azul e branco. O FC Porto “B” ainda dá espaço na segunda Liga para os jogadores crescerem mas falta algo mais para chegar à Liga NOS, à Europa e à confiança das equipas técnicas e dirigentes.