Despedir treinadores na Primeira Liga virou moda. Faz sentido?

Ricardo LopesDezembro 4, 20246min0

Despedir treinadores na Primeira Liga virou moda. Faz sentido?

Ricardo LopesDezembro 4, 20246min0
Armando Evangelista foi o último treinador da Primeira Liga despedido e Ricardo Lopes faz uma reflexão sério a esta questão

Não é novidade que o público português critica o Brasileirão devido à enxurrada de despedimentos que ocorrem ao longo da temporada. Muitas equipas trocam de técnico mais do que uma vez, sendo que outros despedem o timoneiro ainda nos estaduais, ou seja, antes do arranque oficial do campeonato. É uma tendência que não deverá mudar nos próximos anos, devido à teimosia de certos dirigentes, que apostam mais na ‘chicotada psicológica’ do que em admitir que o plantel montado tem falta de qualidade. Contudo, este texto não é sobre o gigante sul americano, mas sim sobre Portugal.

A Primeira Liga é constituída por 18 emblemas, cuja maioria luta pela manutenção, com pouca noção da ideia do longo prazo. Apesar de estarmos no começo de dezembro, já existiram 10 clubes que trocaram de treinador e apenas o Sporting foi ‘obrigado’ a tal, com a mudança de Ruben Amorim para o Manchester United. Mais grave, não existe nenhum técnico na Primeira Liga 2024/25 que tenha estado no mesmo clube em 2023/24 (casos como o de Vítor Bruno não entram na contagem, já que era adjunto). A mais recente saída foi a de Armando Evangelista, que no espaço de poucas semanas passou de herói a descartado em Famalicão.

Nesta edição do campeonato tivemos uma substituição antes do pontapé inicial, com Tozé Marreco a deixar o Gil Vicente e Bruno Pinheiro a assumir a turma de Barcelos, depois do interino Carlos Cunha ter feito ainda uma jornada. Vamos ver a lista de entradas e saídas, ordenadas temporalmente:

  • Gil Vicente: Tozé Marreco – Bruno Pinheiro
  • Braga: Daniel Sousa – Carlos Carvalhal
  • Benfica: Roger Schmidt – Bruno Lage
  • Farense: José Mota – Tozé Marreco
  • Estrela da Amadora: Filipe Martins – José Faria
  • Arouca: Gonzalo García – Vasco Seabra
  • Rio Ave: Luís Freire – Petit
  • Sporting: Ruben Amorim – João Pereira
  • AVS SAD: Vítor Campelos – Daniel Ramos
  • Famalicão: Armando Evangelista – por definir

Olhando para esta longa lista, não podemos falar de muitos upgrades, sendo que a tendência é a ‘chicotada psicológica’ apresentar resultados imediatos positivos, com a propensão a piorar ao longo das semanas seguintes.

Alguns destes nomes saíram por diligência entre a equipa técnica e a direção, que cada vez mais procuram chamar até si o protagonismo, querendo inclusivamente mexer nas peças do tabuleiro (exemplo mais elucidativo é o de António Salvador, que necessita de um yes man, algo que Daniel Sousa nunca foi, possivelmente nunca será).

Claro que existem técnicos que já não estavam a render o mínimo exigido, como Roger Schmidt no Benfica ou José Mota no Farense, que se apresentaram em clara quebra e as equipas melhoraram com a entrada de novas ideias. Porém, será que Gonzalo García estava a fazer um trabalho tão negativo em Arouca? Ou que Filipe Martins era tão inferior a José Faria (que era diretor desportivo e tem a carreira marcada por um episódio machismo que pouco ou ninguém se recorda)?

Há cada vez menos paciência, querendo-se resultados para o agora, quando apenas existem cinco (no máximo seis) clubes que não luta pela despromoção. Nesta fase da Primeira Liga, na época passada, apenas cinco equipas tinham trocado de equipa técnica. O mesmo número em 2022/23. Não aconteceu nada de especial em 2024/25 para que esta situação tenha sofrido um aumento exponencial.

Vítor Bruno já está a ser contestado, mas tem sido segurado pela direção do FC Porto liderada por André Villas-Boas. Pela vontade de uma franja de adeptos, o antigo adjunto de Sérgio Conceição já estaria na lista apresentada acima. O que não se pode esquecer é que demitir uma equipa técnica custa muito dinheiro. Que o diga o Benfica, que até ‘teve razões’ em despedir Roger Schmidt, mas foi uma decisão que lhe afetou a conta bancária. As SAD’s cada vez refletem menos e tomam decisões a quente, olhando apenas para o hoje e para o amanhã, esquecendo que existem mais dias e um projeto pode estar destinado a resultar no longo prazo. Além de que não se pode ganhar sempre.

Neste sentido, há que elogiar Frederico Varandas e a sua insistência em Ruben Amorim. Agora é fácil referir que o antigo médio do Benfica era perfeito para o projeto e que entra nos anais do clube. Porém, quando a turma de Alvalade ficou em quarto lugar, nem todos pensavam assim. Veremos é se a direção terá a mesma paciência que João Pereira, que teve que assumir um posto que já seria seu, mais de meio ano antes do previsto.

Para terminar, verifiquemos se este fenómeno de despedimentos ‘desalmados’ acontece apenas em Portugal, comparando com as Big 5:

  • Inglaterra: dois clubes trocaram de técnico
  • Espanha: três clubes trocaram de técnico
  • Itália: três clubes trocaram de técnico
  • Alemanha: dois clubes mudaram de técnico
  • França: dois clubes mudaram de técnico

O tempo dado aos treinadores nestes campeonatos é outra loiça, por isso também estão à frente da Primeira Liga (existem centenas de outras razões). Mesmo na Eredivisie, com quem se compara tanto a competição portuguesa, viu-se somente um emblema a mudar de equipa técnica.

Esta é uma das razões para a Primeira Liga estar estagnada e não conseguir crescer em termos competitivos. Continuam a existir os ‘três do costume’ e mais dois emblemas que os acompanham. Como se quer que uma equipa deixe de lutar pela manutenção para sonhar com a Europa com regularidade, se nãos e dá tempo a quem dirige a orquestra? Neste sentido, Portugal tem muito a aprender com os demais e deixar de criticar quem está do outro lado do Atlântico. Porque estamos cada vez mais perto de sermos comparados com eles do que quem está acima de nós.

A Liga Portugal poderia colocar um travão nesta situação, com a implementação de alguma lei (permitir apenas uma vez a mudança de treinador por época, por exemplo), mas facilmente as instituições descobririam ‘cinzentos’ para contorná-la. Será que em 2025/26 a tendência é continuar neste registo? Logo veremos.


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