Cova da Piedade: Será o investimento financeiro uma bênção?

Daniel CarvalhoAbril 18, 20185min0

Cova da Piedade: Será o investimento financeiro uma bênção?

Daniel CarvalhoAbril 18, 20185min0
O Fair Play partiu para a análise do caso do Cova da Piedade e de como o investimento financeiro num clube com as suas dimensões pode ser (ou não) positivo. Não percas!

A temporada de 2015/2016 ficou marcada pelo regresso, em muitos anos, de uma equipa da margem sul do Tejo aos escalões profissionais do futebol português. O CD Cova da Piedade sagra-se campeão do Campeonato Nacional de Seniores e com o título chegaram as ambições. A equipa, na altura, orientada por Sérgio Bóris começa a época com um dos orçamentos mais baixos da III liga, sendo, na altura, quase impossível imaginar-se o desfecho que acabaria por se concretizar. Com a taça já na margem sul, começa a ser preparado o projeto de futebol profissional exigido pela liga a qualquer equipa que ingresse na II liga.

É assim criada a SAD do clube, detendo a direção apenas 10% da mesma. A quem pertencem os outros 90%? Exato, ao investidor chinês. À entrada para a temporada de 2016/2017, é anunciado o orçamento de quase 1 milhão de euros com vista a uma manutenção tranquila, a qual permitisse criar as bases necessárias para atacar a subida à primeira liga a médio prazo.

CNS 2015/2016 – Cova da Piedade é campeão nacional

A revolução

Muito se ouve a frase “dinheiro não é tudo na vida”, mas a verdade é que em muitas situações pode ser a resolução de muitos problemas, o Cova da Piedade que o diga! Com nome do clube na boca das pessoas da cidade, as mudanças estruturais começaram a aparecer a olhos vistos.

O plantel foi o primeiro a sofrer com sucesso do clube, com 90% dos jogadores da época 2015/2016 a não transitarem para o segundo escalão do futebol português. A nível de infraestruturas, o investimento ocorre com a substituição do velhinho relvado sintético pelo relvado natural e dos bancos corridos em pedra à antiga pelas cadeiras individuais. Todo o interior do estádio José Martins Vieira passa a pertencer exclusivamente ao plantel principal, algo que não acontecia, visto que era utilizado por todos os escalões de formação. Num estalar de dedos, o clube passa de equipa distrital a estrutura profissional. Dado isto, falamos de uma equipa recheada de bons jogadores, através de uma combinação de juventude com experiência, com desafogo financeiro e com uma estrutura sólida que permite dar aos jogadores todas as condições necessárias para exercerem a sua profissão.

Bom, se tudo isto é verdade, então quem sai a perder no final de tudo isto? O futebol!

Todos nós sabemos que o investimento no futebol não é uma ação de caridade, mas sim uma injeção de dinheiro que se espera que gere lucro no futuro. Significa isto que quem investe não necessita de morrer de amores pelo clube onde deposita o seu dinheiro, mas sim que o clube obtenha resultados desportivos que permitam o retorno. Por norma, este retorno apenas é possível a nível sénior. Desta forma, eliminamos substancialmente o peso que a formação representa pelo clube e as consequências são visivelmente notáveis.

A nível de formação, ações simples como o facto de nenhum escalão de formação utilizar o estádio seja para treinar e até mesmo jogar passam a ser uma realidade na Piedade. Que sentido faz os miúdos vestirem a camisola do clube senão é possível utilizar a sua “casa” para fazer aquilo que de mais gostam?

Estamos assim perante uma situação de desequilíbrio entre o futebol sénior e o futebol de formação, sendo que um deles é obrigatoriamente sacrificado em benefício do outro. Se o objetivo máximo do futebol de formação é formar atletas para o futuro e se todos os recursos de um clube são canalizados para o topo da cadeia, será que faz sentido existir escalões jovens nesta situação?

Outra consequência do investimento é precisamente a mística do clube. Este é o dedo que muitas vezes é apontado a clubes como PSG ou Man City, quando os mais críticos do futebol afirmam que o propósito do mesmo não é os clubes poderem ter a liberdade de contratarem quem querem quando querem, retirando-lhe automaticamente toda a sua identidade. Em clubes locais, acontece o mesmo. Aquela típica mística de clube “pequeno”, caraterizado pelo bom ambiente e pela camaradagem, é inevitavelmente abatida com a chegada de investimento financeiro. Os jogadores passam a chegar de todo o lado do mapa, significando isto que o amor à camisola é substituído pelos objetivos pessoais de cada profissional, que aceitam o desafio por acreditarem que se trata de um bom passo para a sua carreira naquele momento e nada mais.

A relação entre adeptos e clube fica naturalmente mais fria. Os adeptos que são maioritariamente provenientes da região deixam, de forma repentina, de ter contacto com os jogadores e com a direção e isso afeta a maneira com que lidam com o clube. Ocorre assim uma “profissionalização” em todos os campos que acaba por desvanecer os pequenos detalhes que constituem a essência do clube, neste caso, o Cova da Piedade.

Dado isto, estamos perante um processo de mudança drástica naquilo que são as bases do clube. Será essa mudança inteiramente um fator positivo? A resposta é não. Trata-se de um momento que pode acabar a qualquer altura caso os resultados desportivos não correspondam e o retorno não seja visível. Nesta altura, o momento é de total sacrifício de toda a envolvente do clube em prol de uma equipa sénior que terá a todo custo de apresentar resultados. Mas e se esses resultados não aparecerem?

Plantel do Cova da Piedade no momento em que elimina o Marítimo da Taça de Portugal

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