Os eclipses de Rui Vitória
O Benfica aproxima-se da reta final da temporada com um alinhamento bem diferente daquele com que planeara começar a época. Após a venda de quatro pilares da equipa (Ederson, Nélson Semedo, Lindelof e Mitroglou), a política do clube passava por acentuar a necessidade de integrar os produtos da formação. Contudo, nem isso foi uma solução imediata. Basta recuar até à altura de setembro para tirar algumas conclusões.
Voltar atrás no tempo, a solucionar com os mais experientes como se a idade fosse um posto…
Com maior ou menor admiração, a temporada começou com a insistência na velha dupla Jardel-Luisão. Os problemas físicos, aliados ao cada vez mais questionável rendimento global dos dois defesas, fizeram prever o que viria a ser uma realidade: esta dupla já fez o seu “milagre” há duas temporadas atrás. Rui Vitória começara a introduzir o nome de Ruben Dias como “uma certeza” a curto prazo.
Demorou até que Rúben pudesse mostrar o seu valor, mas cumpriu nos testes a que o sujeitaram. Ainda assim, Rui Vitória seguia inseguro com a titularidade do jovem central. As dúvidas dissiparam-se da pior forma, com a tragédia de Basileia, que é o espelhar de toda esta tentativa aflita do treinador se aguentar com três pilares… da sua primeira época no Benfica. Nesse jogo, saltou à vista aquilo que todos já viam: Júlio César, 37 anos, já não tinha capacidade física para a exigência da equipa.
Luisão, 36 anos, mestre da organização defensiva, fazia contrastar a mestria com que liderava a subida da defesa em bloco, com as debilidades evidentes assim que se deparava no 1 para 1 defensivo, em que qualquer jogador minimamente veloz o driblava facilmente. Jardel, que nos dias de hoje enverga a braçadeira, tentara recuperar o tempo perdido à pressa enquanto afugentava as lesões, mas tardava em consegui-lo. Ainda assim, com 32 anos acabou por fazer mostrar que não estava tão acabado, pois apesar da faixa dos 30, sao 5 anos de diferença para Luisão.
As lesões foram intercalando entre os dois centrais brasileiros, com Rúben Dias a aproveitar a ausência de Jardel para se afirmar. Contudo, Rúben é mais competente a central pela direita, coisa que com Luisão estará sempre exclusiva ao velho capitão. Com a lesão de Luisão e a recuperação de Jardel, os problemas da zona central defensiva reduziram-se abruptamente, pois Jardel atua como central pela esquerda e permite assim a Rúben voltar à sua melhor posição. Aos 20 anos, é o prodígio da formação o defensor mais imponente do quarteto titular encarnado.
O miolo bem roído pela insistência no que se revelara inútil
A grande revolução de processos nos encarnados dá-se com a introdução do 4-3-3. Com a saída de Mitroglou e esgotado o “hype” de Seferovic no arranque da temporada, o 4-4-2 perdeu força até que Rui Vitória começara a transição para o seu modelo de eleição: 4-3-3, com um trinco e dois médios interiores, entregando a frente a um só homem, neste caso, o inevitável Jonas. Até aqui, ninguém podia contestar a mudança, perante os resultados negativos, Rui Vitória procurava revolucionar o sistema à sua maneira, pela maior solidez agora reforçada no meio campo.
O problema? As opções. Se a quebra de rendimento de Pizzi, homem anteriormente forçado a ligar os setores sozinho, podia amenizar, o parceiro tardava em saber ocupar o seu espaço e a entender-se com o português. Insistentemente, o treinador confiara a tarefa a Filipe Augusto, que jamais entusiasmou.
O brasileiro jamais conseguiu livrar-se do rótulo de “ativo de Jorge Mendes”, falhou na assimilação de processos, mostrando que não era por acaso que já vinha decaindo na carreira quando chegou à Luz.
Também Samaris foi solução imediata, intercalando com o brasileiro. Ao grego, por muito que se lhe possa reconhecer a entrega ao clube, isso revelou-se insuficiente. É neste momento um bocado de músculo que Rui Vitória gosta de lançar no jogo, que com a saída de Filipe Augusto em janeiro se tornou no médio mais desvalorizado no plantel ativo.
A assistir a este ping pong de Rui Vitória estava, no Seixal, um jovem croata, figura maior do espantoso Rio Ave da temporada anterior. Embora uma lesão tenha atrasado a sua afirmação, Krovinovic estivera apto tempo suficiente para ver Filipe Augusto ocupar a sua vaga na lista para a Liga dos Campeões. A viagem à Rússia para defrontar o CSKA acabou por refrescar as ideias do treinador, que assistiu ao culminar da inutilidade do brasileiro no plantel nesse jogo.
Novo jogo memorável para a avaliação das opções do treinador, que seguia insistindo em Diogo Gonçalves na ala esquerda e Salvio na direita. Como consequência, na bancada iam alternando Cervi, Zivkovic e Rafa. Pasme-se agora, porque já sabe como acaba a história.
O melhor Benfica de hoje e do amanhã
A retrospectiva torna quase incrédula a revolução que trouxe o 4-3-3, potenciando jogadores que até então iam eclipsando no plantel encarnado. Rúben Dias é o mais esclarecido na defesa, a par de Grimaldo, pelo que se algo tiver de mudar não será por nenhum destes.
A meio campo, onde manda Fejsa, surgiu à sua frente o pequeno génio sérvio Zivkovic, que nesta altura, sem Jonas, é o elemento mais desequilibrador dos encarnados a par de Rafa, com um drible impressionante e uma altíssima capacidade de passe, quer curto quer em profundidade, em ruptura ou variação de flanco pelo ar.
Para melhorar, a fatia esquerda do alinhamento encarnado tornou-se intocável, com as triangulações entre Grimaldo, Zivkovic e o melhor Cervi de regresso. A outra metade continua claramente em construção, mas com uma certeza maior – Rafa Silva, o homem que tantas vezes estacionou a mota no camarote do estádio na primeira metade da temporada. Rafa é imparável quando lhe dão espaço, ataca a profundidade como ninguém e só peca na finalização, onde teima em falhar vários golos cantados. Com a largura que Rafa proporciona, até Pizzi pode melhorar o seu jogo, apoiado na sua capacidade de passe, agora facilitada pelo compatriota.
No entanto, o melhor Pizzi teima em não voltar e aproxima-se concorrência da pesada – com Zivkovic a explodir, o regresso de Krovinovic pode ameaçar muito mais o lugar de Pizzi, que ainda por cima é destro como o croata, numa posição onde muito provavelmente Krovinovic conseguirá ser ainda melhor do que era pela esquerda. Na frente, é urgente encontrar um backup para Jonas, o artilheiro maior da equipa – Jimenez tem sido eficaz mas não tem o posicionamento e a capacidade de distribuição do brasileiro, sendo que a única coisa em que o supera é na agressividade na pressão aos centrais e na capacidade física.
Aquilo que é o Benfica de hoje pouco ou nada se aproxima daquilo que era, ou que Rui Vitória procurava que fosse, nos primeiros meses da temporada. Longe da ingratidão pelos méritos alcançados pelo treinador, foi o quadro clínico do clube que acabou por tomar as melhores decisões para o plantel e seu rendimento na presente época desportiva. Com o título cada vez mais difícil de alcançar, será tempo de rever a forma desastrosa como foi planeada inicialmente a temporada.
O clube não se deve refugiar nos louros que coincidiram essencialmente com as lesões das opções mais apetecidas de Rui Vitória. É tempo de fazer da pré-época uma ocasião de deixar desde logo esclarecido quais os atletas capazes de acarretar com as exigências de um clube da dimensão dos encarnados em Portugal.