A desigualdade futebolística geográfica de Portugal e Espanha pt.2

Ricardo LopesMarço 8, 20238min0

A desigualdade futebolística geográfica de Portugal e Espanha pt.2

Ricardo LopesMarço 8, 20238min0
Depois de olharmos para Portugal, agora é altura de Ricardo Lopes explicar a desigualdade geográfica em Espanha nesta 2ª parte

Em Espanha vemos um mapa muito mais equilibrado, no entanto longe de não ter falhas. Assim como o nosso país é dividido por distritos e regiões, os nossos vizinhos possuem Comunidades Autónomas. Como podemos verificar, existem vários espaços vazios. 12 clubes situam-se na zona costeira (ou muito próxima dela), além do RCD Mallorca que está situado nas Baleares. Outras quatro equipas estão em Madrid e arredores. Sobram três: duas em Sevilha, uma das cidades mais importantes da nação e a outra em Valladolid, em Castela e Leão, que conta com um investidor, Ronaldo Nazário.

Comunidades Autónomas em Espanha mais relevantes que outras, no mundo do futebol. Catalunha (que não tem representantes na segunda divisão, esta época), Andaluzia, Comunidad de Madrid, Comunitat Valenciana e País Vasco são as mais importantes, centrando-se aqui a maioria dos clubes que estão nas primeiras divisões.

Foto: Google Maps

Na LaLiga2, novamente existem falhas graves. Vemos o Norte muito preenchido e o Sul (principalmente na zona Interior) muito vazio. Ainda que exista uma ausência total da Catalunha e parcial da Comunidad de Madrid (somente com o CD Leganés), são as regiões costeiras possuem de novo muitas equipas. Há de facto uma carência total ou quase total de grandes Comunidades Autónomas nas duas primeiras divisões.

A região de Espanha, Castela e Leão tem uma série de cidades importantes além de um território muito vasto e apenas consegue colocar o Real Valladolid FC na Primeira Divisão. Na Segunda Divisão estão o Burgos CF, SD Ponferradina e CD Mirandés, mas nenhum tem um projeto sustentável para subir esta época, pelo menos de forma direta, ainda que a equipa de Julián Calero esteja a surpreender. O caso de Castilla la Mancha é mais grave, com somente o Albacete Balompié na Segunda Liga, embora com um projeto muito mais sustentável que certos clubes na mesma divisão e que estão em cidades mais populosas. É a terceira Comunidade Autónoma mais extensa do país, ocupando uma área importante, com cidades históricas, além de proximidade com outros territórios que vivem intensamente o mundo do futebol. Já a Extremadura não possui qualquer equipa nas duas primeiras divisões, trazendo-nos à memória o Alentejo, que se situa ao lado.

A divisão das seguintes divisões é semelhante à portuguesa. A 1º RFEF está dividida por uma linha diagonal, o que permite que formações do Norte possam defrontar algumas do Sul. A divisão aproxima-se mais de um este-oeste. Ainda assim o Grupo 1, é muito mais forte que o outro, contando com RC Deportivo, AD Alcorcón, Racing Ferrol entre outros. O Grupo 2 tem como principal contrariedade a presença da maioria das equipas B, porém possui boas equipas como O Real Murcia, o CD Castellón, o CD Eldense entre outras, que faz com que seja igualmente uma série mais equilibrada, a comparar com a que está mais próxima de Portugal, que contém dois/três claros favoritos e um desequilíbrio maior entre as turmas presentes. Existem projetos com potencial em ambas os grupos, com potencial de conseguir uma promoção e uma estabilização nas divisões superiores, algo que pode ser explorado em outro artigo.

Foto: REEF

A 2º RFEF também é dividida por regiões de Espanha, neste caso são cinco. A maior parte das províncias está representada nesta divisão, mesmo as que não têm qualquer representante nas ligas acima, o que permite um mapa muito mais completo que os anteriores e menos concentrado em cidades e poucas regiões, um pouco como o Campeonato de Portugal.

A 3º RFEF é dividida pelas Comunidades Autónomas de Espanha, permitindo a participação de muitas equipas de cada Comunidade. A grandeza do país vizinho permite que existam estas competições de nível nacional. Portugal sendo mais pequeno não justifica a criação de uma “3ºRFEF”, sendo que a mesma equivale às primeiras divisões distritais. As distritais são equivalentes às divisões provinciais, que já não são tuteladas por um órgão nacional, mas sim regional.
Em certos casos, uma Comunidade Autónoma pequena possui mais clubes que outra que seja uma das maiores do país, revelando que certas cidades históricas não possuem a capacidade de colocar um clube nas principais divisões do futebol espanhol, devido á perda de importância de respetivas regiões, um pouco como vemos em Portugal. Madrid consegue ter muitas equipas relevantes à sua volta como o Getafe FC, o Leganés, o Rayo Vallecano de Madrid ou o Alcorcón (neste caso mais pelos anos anteriores, embora a possibilidade de regressar à Liga Smartbank em 2023/24 seja elevada), já que a sua zona metropolitana está a ficar cada vez maior e com mais densidade populacional.

Zonas residenciais e industriais que conseguem sustentar uma equipa capaz de chegar á elite do futebol espanhol. Estes clubes conseguem crescer sem muitos problemas, ultrapassando clubes de cidades grandes como o Racing Santander, Real Zaragoza ou Real Murcia, que já não figuram na elite do futebol nacional há alguns anos, quando aparentavam ter condições para tal.

O que se pode fazer para alterar o panorama?

Os adeptos não poderão fazer muito. O máximo será “apoiar a equipa da terra”, mas com uma população cada vez mais reduzida torna-se complicado crescer o suficiente, sendo impossível, em certos casos, encher as bancadas. Mesmo que o fenómeno dos “Três Grandes” desaparecesse (porque o desequilíbrio em Portugal é muito maior do que em Espanha, onde o culto ao clube da cidade/vila/aldeia é muito superior), certas equipas continuariam sem sócios suficientes, embora fosse um futebol muito mais equilibrado. Terão que existir mais apoios dos responsáveis da cidade no futebol local, com apoio financeiro e certas facilidades, como transporte, acesso a campos desportivos, além de investimentos privados.

O Moreirense FC é um bom exemplo, contando com Vítor Magalhães como seu presidente e principal promotor, que permitiu que a equipa de Moreira de Cónegos se tornasse relevante no panorama nacional. Rui Nabeiro fez algo semelhante com o SC Campomaiorense, embora seja um clube modelo da desertificação do Interior, fechando inclusivamente a sua atividade sénior. Deverão existir mais empresários capazes de incentivar o clube local, isto descontando a presença de investidores internacionais, que normalmente se interessam mais por clubes de cidades maiores.

No fundo acaba por ser uma questão que vai mais além do futebol. As pessoas são atraídas por boas condições e oportunidades. As mesmas estão cada vez mais a centrar-se nas grandes cidades e em zonas costeiras, principalmente porque o setor terciário (e em parte do secundário) se está a localizar cada vez mais nesse local. Há uma vida para além do futebol e os jogadores querem garantir estabilidade, porque são poucos os totalmente profissionais. Os empresários querem retirar lucro dos seus investimentos, algo que será muito difícil de acontecer numa equipa do Interior que cada vez tem menos adeptos e a tendência é para continuar a perder importância.

A estrutura do futebol português e espanhol não está mal desenhada (é muito recente e superior à que existia anteriormente), a grande problemática neste ponto são os play-offs que misturam zonas, o que leva a que instituições de certos lugares ganhem favoritismo e possam alcançar a vaga de acesso a patamares superiores. Já é complexo vermos equipas do Interior de ambos os países chegar á fase de subida. Mais difícil se torna a missão quando se defrontam com formações melhor organizadas e com mais capacidades, que geralmente estão na Costa ou próximos de zonas importantes.

Infelizmente assistimos a esta tendência de uma centralização de todas as equipas em dois ou três lugares, tanto em Portugal como em Espanha, embora o fenómeno português esteja a acontecer mais rápido. A probabilidade de a situação piorar é muito elevada, no entanto este fenómeno não é exclusivo ao desporto-rei, porque este consegue transmitir praticamente na perfeição o que se passa nos países, onde cada vez mais zonas importam cada vez menos e não é fomentado o seu desenvolvimento.


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