Seleção & Fernando Santos: Jogar bonito encantava (mais) adeptos, pragmatismo (tem) conquista(do) vitórias
O título do artigo é nosso mas as palavras que deram origem ao mesmo são de Fernando Santos. Quando chegou à seleção em 2014, referiu que com o grande talento que Portugal tem, aliado a um maior pragmatismo poderia ser a chave que faltava para conquistar troféus. Serve de mote para uma abordagem às críticas que a seleção tem sido alvo a nível exibicional mesmo com resultados muito positivos nestes últimos cinco anos. Mais uma vez, Portugal começou sem brilho e sem a eficácia esperada, mas (com mais ou menos brilho) os resultados voltaram a aparecer nesta dupla jornada.
Se é para o troféu todos os Santos ajudam?
Comecemos peço enquadramento desta cruzada lusa com um engenheiro ao leme, que foi sempre muito coerente no seu discurso.
“Sempre disse isto: acho que dificilmente alguém ganha a Portugal, mas também digo que não somos os melhores do mundo. E quando ninguém nos ganha, nós podemos ganhar” – Esta declaração é fácil corroborar. A seleção, em jogos oficiais apenas perdeu dois no tempo regulamentar, com a Suiça, o primeiro jogo de qualificação para o mundial (jogo oficial seguinte ao título europeu), e com Uruguai nos oitavos de final do 2018 que ditou a eliminação de Portugal.
Sensivelmente sete meses antes de Portugal se tornar Campeão da Europa, em 2016, Fernando Santos teve declarações que ajudam a explicar o que aí vinha “se Portugal for forte e pragmático a defender e souber tornar o seu jogo fluído e eficaz quando necessário, pode ganhar a qualquer equipa“. Acrescentando ainda “se formos para França convencidos de que nos é que somos bons, nós é que somos os melhores do mundo, não vamos a lado nenhum”.
Pouco mais de um mês depois da primeira grande conquista de Portugal no futebol sénior, as críticas à qualidade jogo continuaram a surgir, e o selecionador, no seu estilo muito próprio, deu o seu parecer,
“Uma coisa é jogar bem ou mal…não há nenhuma equipa que possa ganhar seja o que for se não jogar bem. Outra coisa é o conceito do bonito ou feio. Jogar bem pode ser bonito ou feio, mas é sempre jogar bem. Entre escolher driblar na defesa ou mandar um pontapé para fora, driblar para mim é jogar mal. A minha equipa vai sempre jogar bem, porque é a única forma que conheço de ganhar. Não me vou preocupar com a questão de jogar bonito ou feio”.
Ou seja, Fernando Santos nunca escondeu ao que vinha. Arriscamos a dizer que, quando pegou o leme da seleção, seria provavelmente o português-que-mais-acreditava-num-portugal-campeão. E essa confiança passou para os jogadores. O engenheiro tinha um plano que podia dar certo e os jogadores acreditaram nele, logo desde o jogo de estreia de Fernando Santos, no particular com a França, no mesmo estádio, onde menos de dois anos depois, se viriam (aliás, nos viríamos) a sagrar campeões europeus.
“Jogámos em Saint Dennis e traçámos um propósito na palestra, um compromisso, o de que dia 10 de julho de 2016 voltaríamos a Saint Denis. Sabíamos que era difícil, mas mantivemos o mesmo espírito, o de que jornada a jornada, íamos chegar lá. Os jogadores corresponderam ao apelo”.
“É altura de começar a dar méritos aos nossos e menos demérito aos outros”
Desta vez a frase é na íntegra de Fernando Santos. Sem tirar nem pôr. Já foi dita há alguns meses, mas continua a actual. E aqui concordamos. Vamos a factos. Portugal tinha até à sua chegada zero troféus no futebol sénior. Cinco anos depois tem dois. O magnífico Campeonato Europeu e a primeira edição da neo-competição denominada de Liga da Nações. Aqui é aquela parte em que os velhos (e novos) do Restelo dirão: “Ah mas essa competição tem pouco valor“. Tem tanto valor como qualquer outra competição quando criada. E, a continuar, certamente se tornará num troféu com mais… “glamour” para a generalidade dos adeptos. Por falar em adeptos, podemos fazer aqui uma espécie de paralelismo com a ‘nossa’ Taça da Liga, competição que muitos desvalorizam, mas na prática ninguém a quer perder. A final four do última época foi um bom exemplo disso. Para todos. Sem excepção.
Voltando à seleção e a Fernando Santos. Neste percurso foram conquistados 50% por centro dos troféus, ficou em terceiro na Taça das Confederações, onde perdeu nas meias finais com o Chile no desempate por grandes penalidades, e no Mundial 2018, numa das duas únicas derrotas (já referidas) no consulado do engenheiro em jogos oficiais.
É verdade que, entre as poucas derrotas, se contam muitos empates. Mas também é verdade que a grande maioria desses empates foram suficientes para levar Portugal em frente nas competições. E cada um pode dar importância que quiser, mas fica mais um facto. Na actualidade é a seleção europeia com mais jogos consecutivos sem conhecer o sabor amargo da derrota: 12 jogos.
Dupla jornada permite ‘grupo das tormentas’ virar ‘grupo da boa esperança’
Sérvia 2 – 4 Portugal
Fernando Santos nesta importante dupla jornada foi igual a si próprio, ou seja, jogou pelo seguro. Havia dúvidas quanto onze inicial, principalmente sobre a possível titularidade João Félix, mas o selecionador optou por fazer alinhar o mesma equipa que deu a vitória na final da Taça das Nações. Gonçalo Guedes actuou de início, Nélson Semedo ‘venceu’ o duelo com João Cancelo e José Fonte substitui o lesionado Pepe. Muitas vozes se levantaram ‘esperançosas’ na titularidade do estreante Ferro, até pelo excelente entendimento que tem Rúben Dias, mas o engenheiro, uma vez mais, foi coerente. Optou pela habitual terceira opção para o eixo defensivo ao invés de pela ‘quarta’ opção, pois o jovem central do Benfica só foi chamado após a confirmação do central portista, e mesmo Daniel Carriço já fazia parte da convocatória inicial. Parece-nos justo e fiel à gestão que Fernando Santos nos tem habituado.
Quanto ao futebol jogado, contrariamente ao esperado, entrou bem fechada tal como vez no empate conseguido em solo português. Foi uma primeira parte com pouca história, até ao aproveitamento do primeiro erro, já à beira do intervalo. E no primeiro remate enquadrado do jogo William Carvalho deu vantagem a Portugal. Na segunda parte, a seleção entrou mais forte, mas após um excelente golo de Gonçalo Guedes adormeceu, e com alguma desorganização após a lesão de Semedo (entrou Cancelo), sofreu golo num canto em que a marcação homem-a-homem lusa falhou, permitindo que o defesa Milenkovic ganhasse o duelo a Danilo.
A Sérvia voltava a acreditar e Fernando Santos lança João Félix. Portugal voltou aos poucos a pegar no jogo e aproveitar o maior balanceamento ofensivo dos sérvios. E numa recuperação de bola, ao invés de uma transição rápida como seria esperado, Félix trava o jogo, ‘obrigando’ os companheiros a seguir para o outro lado do terreno onde havia mais espaço.
A bola chega a Cancelo que descobre Bernardo Silva entre linhas. Depois diante 3 ou 4 adversários, a magia de Bernardo e Cristiano fez o resto. Excelente jogada colectiva de Portugal, daquelas que podem e devem servir para os treinadores mostrarem às suas equipas em muitas transições procurar logo a profundidade não é a melhor forma de deixar a equipa mais perto do golo. Pouco depois a Sérvia ainda voltou a assustar com um golo de Mitrovic, mas logo na jogada seguinte, Bernardo estabeleceu o resultado final a poucos minutos do final do encontro. A Sérvia não perdia um jogo oficial em casa desde 2015 (curiosamente diante de Portugal) e nunca tinha sofrido quatro golos em casa.
Lituânia 1 – 5 Portugal
O segundo encontro já representava um grau de dificuldade mais reduzido e todos esperavam um jogo tranquilo para as cores nacionais. Apenas três alterações no onze: desta vez Cancelo a titular no lugar do lesionado Semedo, Rúben Neves em vez do Danilo para dar mais saída de bola, e João Félix entre o lado esquerdo ofensivo e o centro, numa permuta constante com Cristiano Ronaldo, tal como já é habitual, quando a opção recai em Gonçalo Guedes. Isto em posse de bola, pois sem bola a equipa, tal como no encontro anterior, voltou a fechar em 4141, com Félix a ficar com responsabilidade de fechar o lado esquerdo, deixando Ronaldo mais adiante.
Costuma-se dizer que em confrontos com equipas mais pequenas o que custa é ‘entrar’ o primeiro golo. Mas não foi o caso. Portugal marcou cedo, através de um penalty convertido por Ronaldo, mas depois foi desperdiçando oportunidades (principalmente por Cristiano e Félix. muito também por mérito do guarda-redes adversário) e perdendo concentração.
O jogo ficou partido, e a Lituânia começou criar alguns pequenos sustos. Numa dessas jogadas ganha um canto. E, novamente de um lance de bola parada, Portugal volta a falhar na sua marcação homem-a-homem e desta vez foi Félix a deixar-se antecipar pelo defesa esquerdo lituano. E com este golo as equipas recolheram aos balneários com a Lituânia em festa. No regresso das cabines, cedo Fernando Santos troca o o mais cerebral Bruno Fernandes pelo extremo Rafa, de forma a dar mais rapidez e profundidade à equipa. Passou de um 443 para um 442. agora com Rafa à esquerda, e com Félix e Ronaldo mais junto no eixo. Bernardo continuou a partir da direita para dentro, enquanto o (agora) ‘todo-o-terreno’ William e Rúben Neves formavam o miolo, agora a dois. A equipa melhorou e em 15 minutos Ronaldo marca 3 golos,
o primeiro a passe de Rafa, os outros dois, uma vez mais, com o patrocínio do génio de Bernardo. Quanto a Ronaldo já faltam elogios para qualificar esta máquina aniquilação de recordes. 93(!) golos pela seleção, divididos por dois pokers, seis hat-tricks, 14 bis e 39 jogos em que abanou as redes por uma vez! Se continuar a este ritmo: “Ali Daei, tem cuidado – #JáSóFaltam16″. William fechou a contagem com o seu segundo consecutivo, o quarto pela seleção.
Agora a pergunta para 1 milhão de euros
Que todos desejamos que às vitórias se juntasse mais brilho exibicional? Sim, tão claro quanto óbvio. Mas se pudessem escolher uma das opções: ganhar a jogar assim, ou ser considerados a equipa que melhor joga e ‘morrer (sempre) na praia’?
Sim, porque antes éramos distinguidos pela qualidade do nosso jogo que não trazia resultados práticos. Fazendo uma espécie de ‘analogia monárquica’: éramos os príncipes da Europa que nunca (mais) chegavam a reis, agora somos os fieis cavaleiros que, mesmo sem grande glamour, estamos sempre prontos para assumir o trono.
Entrevista ao selecionador nacional no Telejornal da RTP, após mais um troféu para Portugal