Entre falsas hegemonias e imprensa de cartilha
Em primeiro lugar, antes de arrancar para a parte central do artigo, importante explicar que a crítica é sempre bem-vinda e que este artigo não quer de forma alguma desmerecer essa particularidade do comportamento social humano. Nenhum interveniente é imune à crítica, desde que a mesma seja baseada em factos e não em crenças montadas por alicerces imaginários que não têm nem ponta que se lhe pegue. Posto isto, o que o futebol e desporto nacional têm sido banhados nos últimos 10 anos é que o SL Benfica impôs uma hegemonia temerária, praticamente incontestável e que não tem força opositora ao seu nível. Hegemonias foi uma palavra repetida constantemente. Porém, os factos demonstram que na Primeira Liga masculina de futebol ganharam oito títulos dos últimos 26 campeonatos, apenas três mais do que o Sporting Clube de Portugal, emblema que atravessou uma profunda crise de valores, económica e humana.
Novamente fazendo uso do ‘porém’, o que parece circular na praça mediática é que o FC Porto andou os últimos 20 anos a ver navios, e que foi o clube da Luz a levantar troféus atrás de troféus, quando a coisa não é bem assim. No final desta temporada do futebol masculino sénior, a conversa que circula na imprensa nacional desportiva é que o Sporting Clube de Portugal foi um mau e fraco vencedor, que Rui Borges é um treinador de décima nona categoria e que o SL Benfica de Bruno Lage perdeu o título por pormenores estilísticos. Sem querer retornar ao tema das tabernas e bagaços, a verdade é que a linguagem imposta por escritores de opinião e jornalistas foi ultrajante e que roçou níveis de rebaixamento social sem noção.
Voltemos ao tema das falsas hegemonias. Em que modalidade o SL Benfica teve total hegemonia? Basquetebol masculino e feminino? Sim, verdade. Futebol feminino? Mais ou menos, já que o clube que foi verdadeiramente hegemónico foi o 1º de Dezembro, conquistando 12 títulos dos últimos 26. Atletismo? Somente no masculino. Ou seja, se observarmos bem, em nenhuma modalidade houve verdadeiramente hegemonia encarnada, apesar de parecer essa a realidade.
Repito, a hegemonia que é tão badalada pela imprensa nacional parece ser tão real como um save qualquer do Football Manager. Contudo, quando se ouvem os jornalistas mais jovens a falar parece que todos os títulos e feitos de clubes que não o Sport Lisboa e Benfica não valem sequer metade da atenção, caindo no vazio e esquecimento. Parece que é ‘fixe’ estar do lado da tal cartilha, e que isso traz engajamento, atenção, gostos e, por conseguinte, emprego.
Impôs-se a conversa que a formação das águias ia dominar e levar Portugal a grandes feitos internacionais, quando na realidade foi raro o jogador saído do Seixal a ser consistente a nível internacional. Tirando-se Rúben Dias e Bernardo Silva, quem mais? João Cancelo teve um par de épocas brilhantes, mas… João Félix? Ivan Cavaleiro? Renato Sanches? Os etc. podem entrar aqui e é importante que se veja que não se está a querer menorizar o feito dos atletas, mas simplesmente observar que quem passou pelo Seixal ganha um cobertor de proteção ad eternum, enquanto outros são tratados como se fossem a razão pelo qual as Quinas não têm conseguido chegar a finais internacionais. Rodrigo Mora marcou dez golos na Primeira Liga e… raramente foi capa, à excepção do OJogo; Geovany Quenda foi peça-chave no Sporting CP e… raramente mereceu atenção, ganhando destaque na altura em que parecia que um par de jornais queria ‘expulsar’ o atleta de Portugal pela dimensão do risco que apresentava. Uma boa parte dos comentadores gosta de vender os made in Seixal por 100M€ depois de terem provado pouco ou nada, mas aqueles que levantaram títulos ou salvaram equipas de uma temporada dramática, têm de sair a troco de um par de moedas.
Pedro Gonçalves foi repetidamente o melhor jogador dos ‘leões’ e da Primeira Liga nos últimos anos, mas sempre que se falava em jogar na selecção nacional, surgia um autêntico coro a menorizar os feitos do criativo do Sporting CP. Já outros, que mal jogaram nos últimos cinco anos, têm de ser titulares de caras e sem grande espaço a contestação.
Mas depois existem também aqueles que dizem que o SL Benfica sofre de uma estrutura ‘amadora’ e que se fosse mais séria rapidamente se tornaria no FC Bayern de Munique, reduzindo tudo a cenários imaginários e fantasiosos. Se o FC Porto tivesse sido bem gerido nos últimos 10, talvez estaria agora com um novo penta? Ou o Sporting CP se não tivesse sido manipulado por diversas direções, podia ter encurtado o número de anos sem títulos na Primeira Liga masculina. A verdade é que os ‘ses’ podem se aplicar a todos os clubes, mas o que interessa é a realidade, e a realidade é que tempos um bicampeão justíssimo, que conquistou uma dobradinha em grande estilo e parece ter as condições necessárias para se manter no topo.
O ponto deste artigo de opinião é que se continuarmos a aplicar dois pesos e duas medidas, o desporto nacional vai ter dificuldades em se soltar de certos arquétipos montados por uns quantos que querem à força instalar ideias sem factualidade, muito na linha do que os protofascistas André Ventura e Donald Trump fazem. Factos regem a realidade. O facto é que o Sporting Clube de Portugal ganhou três títulos dos últimos cinco na Liga Portugal, que conquistou agora o bicampeonato no andebol masculino. Facto é que não existe qualquer hegemonia de nenhum emblema português e, talvez, é por isso que mesmo num país de 10 milhões de habitantes foi possível registar três Jogos Olímpicos históricos em termos de feitos e conquistas, sem falar do número de atletas.