O Diário do Treinador – Paulo Meneses com os campeões europeus de 2012
O Paulo Meneses vai aqui contar as razões que o levaram a ficar em Madrid e como surgiu o convite de Javier Miñano (Adjunto de Vicente Del Bosque).
Também, irá contar a sua trajectória como treinador em Espanha nos tempos em que trabalhava com Javier Miñano, em projectos da Seleção Espanhola nos Sub 21 de Julen Lopetegui, e depois na Seleção A (Taça das Confederações Brasil 2013, Campeonato do Mundo Brasil 2014, e Europeu de França 2016).
A VIAGEM ATÉ AO MUNDO DOS CAMPEÕES DO MUNDO
Estávamos em Maio, final do ano lectivo no INEF – Madrid. A minha trajectória como aluno de Erasmus no Master de Fútbol de Alto Rendimiento tinha sido fantástica (pelo que aprendi, e pelo desempenho que tive).
O Professor Javier Miñano, reuniu-se com cada aluno da turma, individualmente. Eramos 43 alunos. 41 de Nacionalidade Espanhola, 1 Italiano e eu.
Quando chegou a minha vez de falar com Javier Miñano, ele perguntou-me o que é que eu iria fazer no futuro próximo. Disse-lhe que possivelmente iria voltar a Portugal (se não surgisse nenhuma oportunidade para treinar fora do país).
Perguntei-lhe a razão de me estar a perguntar as minhas intenções e os meus planos para o futuro – respondeu:
“Porque me gustaría que quedases aqui en Madrid para trabajar conmigo.”
O convite dele foi uma agradável surpresa. Não estava à espera. Mas, passado algum tempo, concluo que, aquele convite foi o resultado de muita dedicação, de muito estudo, e de muito trabalho da minha parte reconhecidos pelo Javier Miñano.
O convite surgiu antes do Europeu 2012. Como o Javier estava a preparar o Europeu 2012 (venceram essa competição), convidava-me para ir à Ciudad del Fútbol en Las Rozas observar os seus treinos na Seleção Espanhola. No fim, aproximava-se da bancada e vinha falar comigo, e às vezes convidava-me para ir para a zona dos balneários.
Depois do Europeu 2012, começamos a trabalhar em vários projectos.
No inicio do Ano Lectivo, comecei a trabalhar com ele nas aulas do Master de Fútbol Alto Rendimiento no INEF – Madrid. Ali, assistia às aulas 2 vezes por semana, umas teóricas, outras práticas no relvado. Ajudava-o durante as aulas, com algumas intervenções por iniciativa própria ou questionado pelo Javier.
Também tinha a iniciativa de pesquisar mais sobre os temas que eu achava pertinente (temas esses para ajudar o Javier a ficar Melhor preparado perante os seus alunos, e/ou temas que eu achava que poderiam servir a mim, para dar a minha opinião mais elaborada quando era solicitado).
Alguns dos temas abordados nas aulas:
- elaboração de exercícios segundo alguns parâmetros:
- o objetivo pretendido (Momento do Jogo, Fase do Jogo, Estratégia e Táctica para o próximo jogo)
- o dia de treino do Micro Ciclo
- segundo uma perspetiva da Complexidade e Dificuldade na elaboração dos exercícios de treino
- A questão da fadiga Emocional vinda da carga da competição (e sua recuperação), e da carga Emocional vinda da Dificuldade e Complexidade dos exercícios de treino (e sua gestão).
- Motivação e Emoção
- Liderança Emocional
- O papel da Intuição na Tomada de Decisão (na execução – Ação) e como modelar estes temas na prática
- Periodização Táctica VS outras Metodologias
- Etc.
Também tratávamos de temas relacionados com a Inteligência Emocional: Auto Controle Emocional do Treinador, Controlo Emocional do Grupo de Trabalho (Jogadores, Staff Técnico e Staff de Apoio), Gestão Emocional do Plantel, Gestão emocional dos Jogadores menos utilizados e dos jogadores lesionados, Gestão emocional dos jogadores mais jovens.
Algum dos temas, também, tratados nas aulas e com grande relevância: Coesão Grupal, Espírito de Equipa, Trabalho Colectivo, etc.
Além de eu ser um colaborador do Javier, não me limitava a essa função. Estava sempre atento, para aprender mais (melhor), para reflexionar sobre os temas tratados, e sempre pesquisava mais sobre os temas para poder satisfazer as minhas próprias duvidas, e também para poder contribuir mais (melhor) nas aulas, ajudando-o a ele indirectamente.
De referir que, ainda hoje, quando não tenho clube, continuo a colaborar com o Javier nas aulas do Master de Fútbol de Alto Rendimiento no INEF – Madrid, numa perspectiva de aquisição de conhecimento continuo, e também para continuar a reflexão diária a que esta actividade nos exige (pelo menos na minha opinião).
No que toca aos trabalhos com Javier na Selecção Espanhola, foram vários os projectos onde colaborei.
Comecei por receber convites do Javier, para ir observar os treinos da Selecção Espanhola à Ciudad de Fútbol em Las Rozas – Madrid. Nesse momento, a Selecção Espanhola estava a preparar o Campeonato da Europa Polónia – Ucrânia 2012 (que acabaram por ganhar). Eu dirigia-me à Ciudad de Fútbol, observava o treino, tirava as minhas notas, e no fim do treino, o Javier aproximava-se de mim, e perguntava a minha opinião – com toda a humildade que o caracteriza.
Outras vezes, depois do treino terminar, convidava-me para entrar no recinto dos balneários, para trocarmos impressões – Isto repetiu-se nos anos seguintes, aquando as preparações da Taça de Confederações Brasil 2013 e do Campeonato do Mundo Brasil 2014.
Durante o Campeonato da Europa Polónia – Ucrânia 2012, eu tomava a iniciativa de fazer algumas observações dos adversários da Selecção Espanhola, e enviar ao Javier.
Este tipo de observações, estendeu-se à Taça de Confederações Brasil 2013 e ao Campeonato do Mundo Brasil 2014, mas eram observações de jogadores espanhóis espalhados pelos vários clubes Europeus (de possíveis convocados para a Seleção Espanhola “A”), e não tanto de observações de adversários.
Depois do Campeonato da Europa 2012, comecei a minha colaboração com o Javier nas aulas de Fútbol de Alto Rendimiento do Master no INEF – Madrid, como Professor colaborador.
Pouco depois, começamos com alguns projectos na Selecção Sub 21 (de J. Lopetegui). Alguns dos estudos realizados nas selecções mais jovens, servem para testar o que se pretende nos jogadores mais jovens, para depois levar-se à Selecção principal e aplicar-se nos jogadores da Selecção “A”.
A primeira vez que o Javier me convidou para ir à Ciudad de Fútbol, apresentou-me a toda a gente que estava por ali (pessoas da estrutura da Federação Espanhola, Seleccionadores da Selecções jovens, ex-jogadores que estavam por ali, etc). Este facto, foi muito importante para mim, não só pelo acto em si de conhecer gente do mundo do Futebol (factor muito importante – conhecer pessoas da nossa área) , mas também porque me fez sentir que eu era algo importante para ele.
De referir que, o facto de um Português poder estar dentro da Ciudad de Fútbol, conhecer todos os departamentos, ser apresentado a toda a estrutura, ir almoçar às vezes com Javier e com essas pessoas da estrutura, estar dentro dos escritórios com eles (às vezes manhãs, tardes ou dias inteiros) a trabalhar com Javier, é um autêntico orgulho.
Javier sempre me apresenta a toda a gente (Vicente Del Bosque incluído) como sendo eu um Treinador com muito valor, “um crack“ (como Javier costuma dizer) e um treinador com um futuro risonho. De referir, que me deixa sempre “envergonhado”, porque sempre digo aos seus amigos, que não é verdade, que Javier está a exagerar.
Para mim, o maior elogio que um treinador pode receber, não é das suas competências como treinador, mas sim como pessoa (na minha opinião). Até porque, defendo que para ser bom Treinador, é necessário primeiro ser-se boa pessoa (ou possuir certas e determinadas características pessoais que marquem a diferença no meio dos demais).
Nesse sentido, o maior elogio que Javier me possa ter feito (no meio de tantos ao longo destes anos), foi uma frase que ele disse à frente de vários colegas:
“Lo que más me sorprendió en Paulo… es una persona sabe estar, que sabe cuando hablar, sabe cuando intervenir, y que sabe cuando debe estar callado y escuchar”.
Claro que isto para para mim, foi uma total surpresa, porque não estava à espera. Já sabia o que ele pensava sobre mim, enquanto treinador, já sabia o apreço que tinha sobre mim enquanto pessoa, mas não esperava essa ideia que ele tinha de mim. Para mim, esse elogio, foi mais importante que qualquer outro elogio como Treinador que ele possa ter algum dia feito em relação a mim.
De todas as pessoas que Javier já me apresentou, quero destacar que a apresentação que o Javier fez de mim a Antolin Gonzalo (Scouting nesse momento da Equipa Técnica de Vicente Del Bosque – E actual treinador adjunto de J. Lopetegui na Selecção Espanhola).
Destaco Antolin, porque fizemos alguns projectos juntos. Colaborei com Antolin em alguns projectos para a Seleção Espanhola “A” nas 3 competições que já referi, assim como em Seleções Jovens. Foi também muito interessante, as muitas “charlas” que tivemos na Ciudad de Fútbol, a convite de Antolin para me reunir com ele – simplesmente para falar de Futebol, trocar pontos de vista, experiências e impressões.
O ponto mais alto, foi a participação na preparação e planificação da Taça de Confederações Brasil 2013 que “perdemos” na final com o país organizador – Brasil, e também a participação na preparação e planificação do Campeonato do Mundo Brasil 2014. No Campeonato Europeu de França 2016, já só tive uma participação (à distância) com o Scouting da Selecção Espanhola (Antolin Gonzalo).
Um dos projectos em que colaboro com Javier desde a 1ª edição, é um projecto que fazemos todos os Verões em Cehegin – Múrcia (de onde Javier é natural – e onde a sua família vive). Trata-se do Campus de Fútbol Javier Miñano. É um projecto para jovens e crianças dessa zona de Espanha. Este campus realiza-se sempre depois das grandes competições de Futebol de Seleções (Mundiais e Europeus), uma vez que Javier esteve sempre presente em ambos, antes com a Selecção Espanhola e agora com a Seleção da Coreia do Sul (Vai participar no Mundial de Rússia 2018). Desta forma, Javier pode estar sempre presente no Campus.
Todos os Verões, 15 treinadores de Madrid, deslocamo-nos para essa zona Sul de Espanha, onde durante uma semana damos treinos de Futebol a essa juventude. São 14 treinadores Espanhóis e eu – Português. De destacar o carinho e o apreço que essa gente tem conosco. É uma semana muito especial, para a comunidade, para os pais dos miúdos, para os miúdos, para a familia de Javier, e sobretudo para nós.
Há dois anos atrás, a Final do Europeu em França 2016, vi-a na companhia de Javier. Isto porque a Final jogou-se no dia em que íamos começar o Campus Javier Miñano 2016.
A selecção Espanhola já estava em casa. Tinha sido eliminada mais cedo do que era esperado. Então, Javier já estava conosco para começar o Campus. Não me esqueço das palavras de Javier, quando Éder marcou o golo. “Me gostaria que ganara Portugal, por ti. Por la amistad que tengo contigo”. Respondi-lhe:
“No te digo esto porque lo que me acabas de decir, y lo sabes… En las competiciones que yo sabia que Portugal no tenia opción de ganar… Yo siempre he querido que España ganara todas las competiciones donde ha participado, principalmente por ti !!! Me he quedado triste quando no has ganado, e me he quedado muchísimo contento cuando has tenido éxito en la Selección. Y esto no es por el trabajo que he tenido contigo en la Selección, sino por la amistad y el cariño que te tengo”.
Deu-me um abraço sentido e respondeu: “Muchas gracias Paulo”.
Penso que é importante destacar a grande capacidade de Javier distinguir rivalidades e amizade ….fruto de um grande sentido de desportivismo e de um FAIR PLAY ímpares que reconheço em Javier Miñano.
Isto demonstra de facto, todos os Princípios e Valores (que tanto se fala que Vicente Del Bosque trouxe e cultivou na/ para a Selecção Espanhola) que Javier aprendeu e desenvolveu durante todos estes anos, fruto da amizade, e da relação pessoal e profissional com Vicente Del Bosque.
No meu entender, as palavras de Javier têm um significado muito importante, porque depois de ter estado no Campeonato da Europa 2016 como um dos treinadores da Selecção Espanhola (eram um dos candidatos por ser detentor do titulo), depois de ter sido eliminado, quando poderia estar ali ele mesmo a disputar a Final do Europeu 2016 com a Selecção Espanhola…ter esse pormenor para comigo, demonstra de facto o Ser Humano que Javier é.
Por falar de Princípios e Valores. De facto, toda a experiência que Javier teve, ao serviço do Real Madrid, treinando a jogadores como Zidane, Figo, Casillas, Roberto Carlos, Ronaldo, Hierro, Raúl, entre muitos outros, depois na Turquia ao serviço do Besiktas, e nos últimos anos na Selecção Espanhola, treinando a Xavi, Iniesta, Torres, David Villa, Silva, Reina, De Gea, Ramos, Pique, Busquets, Diego Costa, e outros tantos talentos… toda essas vivência foram incríveis.
De toda a experiência PRÁTICA que Javier teve da relação profissional e pessoal com Vicente Del Bosque, aprendi muito com ele, é um facto.
Em termos de formação académica (com grande influência da parte PRÁTICA que Javier teve), os ensinamentos científicos, toda a informação em termos futebolísticos, que Javier me pôde ensinar durante todos estes anos foram realmente muito importantes…
… Mas, o que realmente foi MAIS importante para mim… foram os Princípios e Valores humanos que me fizeram crescer como Ser Humano e que creio, fizeram de mim melhor pessoa.
Acima de tudo, destaco os Princípios e Valores que aprendi, que confirmei, que desenvolvi durante todos estes anos com a relação profissional e de amizade com Javier.
Para mim, a humildade, a autenticidade, a pureza, honestidade, frontalidade, FAIR PLAY, o respeito pelo outro e pela humanidade e o saber estar, entre outras… são características imprescindíveis e deverão ser os pilares de um Treinador de Futebol.
Muchas Gracias Javi !!!
Recomendo a leitura do livro de Vicente Del Bosque “Ganar y Perder – La Fortaleza Emocional. El Esfuerzo y la Humildad. Claves del éxito en el Deporte y en la Vida”.
Nos próximos diários, apresentarei o resto da minha estadia em Madrid, a minha experiência como Treinador no AD Alcorcón e no ED Moratalaz.