Bruno Lage, vítima e culpado de um estranho “adeus”
Em jeito de nota pessoal e preâmbulo, é importante referir que nunca fui fã de Bruno Lage como treinador e senti que se começou a atribuir uma qualidade excessiva a um técnico que tinha assumido o lugar mais importante da estrutura desportiva do SL Benfica em poucos meses. Sim, Bruno Lage foi campeão no seu ano de estreia conseguindo mesmo derrubar o FC Porto no Estádio do Dragão e a aplicar algumas excelentes exibições pelo caminho até à recuperação do título de campeão nacional, lançando pelo caminho alguns jovens da cantera dos encarnados, contudo é impensável e inaceitável que no espaço de alguns meses a imprensa – e adeptos – tenham-no colocado no mesmo patamar que Paulo Fonseca, José Mourinho, Luís Castro, adjetivando como um treinador fadado a chegar ao mais alto nível do futebol europeu e mundial.
Mas faz parte do código de “conduta” da imprensa portuguesa actualmente este factor da hiperbolização de um jogador/treinador de futebol, seja com Renato Sanches – foi apelidado do novo “Eusébio” e que iria seguir a mesma linha de sucesso que Cristiano Ronaldo -, João Félix – uma e outra vez os jornais nacionais tentaram vender a ideia de que o jogador do Atlético de Madrid era superior a Cristiano Ronaldo na sua idade – ou, neste caso, Bruno Lage, construindo uma narrativa distorcida para conseguir vender mais jornais ou garantir cliques.
O problema é quando surgem constantes reveses e essa estória acaba por cair num “poço” sem fundo, impelindo as personagens principais para um holofote de que a sua queda se deveu a factores extra-futebol (comportamentos pouco dignos de um profissional deste desporto) ou por serem alvos de uma quase conspiração contra si próprios que nada podem fazer contra, como aconteceu com João Félix e Diego Simeone. Regressando ao tema quente, Bruno Lage teve um final atípico como técnico de um dos maiores clubes em Portugal? Não há dúvidas disso, até pela incongruência de informações dadas pelo próprio e por Luís Filipe Vieira após a derrota com o CS Marítimo como podemos ver,
Bruno Lage, “Tenho de assumir total responsabilidade do que tem sido feito, jogadores estão comigo e estamos todos no mesmo barco, tenho sentido o apoio de toda a gente desde a primeira hora até sempre. Sinto apoio de todos e todos querem que tenha sucesso. Desde o presidente a toda estrutura.”
e, Luís Filipe Vieira, “O nosso treinador dirigiu-se a mim no final do jogo e disse com grande elevação: “presidente, tenho o lugar à sua disposição, porque entendo que as coisas não são boas para o Benfica. Não quer dizer que não tenha qualidade, nem capacidade para dar a volta, mas neste momento não há condições, porque parece que toda a gente quer que me vá embora. A partir de amanhã [hoje] não serei treinador do Benfica.”
Como é que tudo mudou numa questão de minutos? Há explicação para o facto de ambos os intervenientes terem tocado quase nas mesmas palavras mas com um conjugação de ideias diferente? Se Bruno Lage garantiu que tinha o apoio de todos, incluído os jogadores e inclusivé não deitava ao chão a toalha, o presidente do clube e SAD do SL Benfica, que falou em nome do seu funcionário, explicou que não estavam reunidas as condições mínimas para se manter no cargo, avançando já para a sua saída.
Desde dessa conferência de imprensa nunca mais se ouviu a voz de Bruno Lage, com os jornais a não terem espaço – ou oportunidade – para conversarem ou retirarem o seu lado da história, ficando só pela conjectura dos trâmites da saída e de quem são os possíveis nomes para assumir o lugar de treinador. Do nada, a fantástica história do “novo” Mourinho acabou de uma forma insólita, em que nem houve espaço para tragédia ou dramatismo, nem uma despedida minimamente digna de alguém que tem o seu nome inscrito no hall de campeões nacionais em Portugal, com a Newsletter dos encarnados a deixar esta menção ao percurso de Bruno Lage no clube,
“A derrota, ontem, no Funchal, acentuou a crise de resultados nesta segunda volta do campeonato num percurso inaceitável e inadmissível para as exigências e ambições de quem aspirava a renovar o título de campeão nacional. Quem poderia prever esta situação de uma equipa que, ainda recentemente, batia todos os recordes de resultados positivos e invencibilidade e que, inclusive, levava a que se questionasse o equilíbrio existente no futebol português? (…) O momento é de reflexão e análise e a decisão do jovem treinador Bruno Lage demonstra um elevado sentido de responsabilidade de alguém que, importa realçar, conduziu a equipa a uma reconquista brilhante no último campeonato. Sobre o qual somos gratos e ficará para sempre na memória de todos os benfiquistas.”
O que isto significa? Em poucas palavras, que os resultados somados na temporada actual eram inadmissíveis perante a dimensão de um SL Benfica que supostamente detém uma hegemonia nacional (uma ideia no mínimo debatível) e jogava um futebol total (a construção de uma narrativa falsa e que tenta desmerecer o sucesso de Jorge Jesus, mais uma vez), de que Bruno Lage é um dos culpados da situação, reconhecendo a sua importância para a conquista do título de 2018/2019.
Foi este o “adeus” que Bruno Lage recebeu após ter sido o homem que defendeu o projecto de Luís Filipe Vieira de uma forma responsável e humilde, aceitando as decisões da SAD em relação a reforços sendo quase forçado a aceitar e a lançar jogadores jovens que não estavam prontos para assumir o salto de uma forma tão agressiva como foi – observe-se que Ferro, Nuno Tavares ou Tomás Tavares têm sofrido bastante com esta imposição -, acabando por ser igualmente vítima da gestão da direcção do clube e de não estar preparado para tomar as rédeas da equipa sénior de um clube em que se exige sucesso não só em cada época, mas em cada jogo.
O cerne da questão vai para o pormenor de que Bruno Lage foi afastado sem ter podido se manifestar, de que o máximo responsável do SL Benfica ter ocupado uma conferência de imprensa para fazer uma estranha campanha eleitoral de forma a se defender e afastar-se do insucesso actual da equipa principal, dando pouca importância ao papel do treinador durante este processo de reconduzir as “águias” em direcção a outro patamar, a nível das competições europeias.
Sem dúvidas que Bruno Lage tinha/tem qualidade, mas a verdade é que cometeu diversos e demasiados erros durante os 19 meses como treinador-principal do clube da Luz, sejam os problemas tácticos, como por exemplo quando optou por (des)revolucionar um meio-campo que já dava garantias e provas de estabilidade – Samaris passou de uma titularidade que foi essencial para o título para ser um suplente quase nunca utilizado na temporada actual -, de aceitar reforços tudo menos para a defesa, um problema crónico dentro da equipa (imposição da direcção que queria valorizar Ferro e os restantes jogadores da formação?) ou dos erros nas convocatórias ou nas substituições realizadas durante a sua segunda temporada.
Houve uma crescente cisão entre treinador e alguns jogadores, entre a forma como Bruno Lage queria ver o “seu” Benfica a jogar e como na realidade conseguiam jogar, abrindo-se demasiadas brechas numa equipa que foi esticada até ao limite e que registou uma das piores sequências de resultados na história do clube, provando que a “culpa” não começa nem acaba na acção da direcção do emblema lisboeta.
Mas, e como tem provado a história recente, os factos são de aço e mesmo contra um dos piores FC Porto dos últimos 20 anos, Bruno Lage sucumbiu por duas vezes de forma expressiva (os 0-2 sofridos na Luz desmontaram totalmente a visão estratégia do treinador) contra um dos seus principais rivais, provando que estava longe do patamar que alguns meios da comunicação social portuguesa o colocavam, sendo agora uma breve nota-de-rodapé na História do futebol português – em caso de justificarem as duas derrotas lembrando que Jorge Jesus perdeu para o FC Porto de André Villas-Boas de forma humilhante, é preciso ver que a diferença de qualidade e categoria entre plantéis.