Relações, percepções e sentimentos que nos desperta Pelé
O mundo parou para reverenciar o maior jogador de futebol da história. Edson Arantes do Nascimento nos deixou e, com certo atraso, muitos de nós prestamos nossas condolências para aquele que de fato colocou o esporte no olhar de cada um de nós, brasileiros. Sejamos aqueles que viram, ao vivo ou por vídeos gravados e recordados recentemente, ou mesmo aqueles que apenas escutam histórias dos mais velhos que se encantavam a cada vez que Pelé tocava a pelota. Diferentes gerações aprenderam a reverenciar o rei, de diversas formas, e para este especial que tenta, ainda que de forma singela, homenagear aquele que continuará colocando o Brasil em foco quando o assunto for futebol, nossos escritores relatam as relações, percepções e sentimentos que esta jóia eterna nos desperta.
Por Marcial Cortez:
O Pelé que me marcou quando criança
Quando Pelé marcou seu milésimo gol, eu tinha apenas oito dias de vida. Assim, sou uma das criancinhas que o Rei pediu para o Governo brasileiro cuidar. Mas isso não vem ao caso no momento. O maior jogador de todos os tempos encerrou a carreira em 1977. Eu tinha apenas sete anos e não me ligava em futebol. Lembro apenas que os jogos do Pelé eram diferentes dos jogos que eu via na televisão, porque o campo do Cosmos tinha uma espécie de paredão que separava a torcida do relvado.
Na minha pequena cabeça infantil, o futebol que se jogava no Brasil era uma coisa, e o que eu via o Pelé jogar na TV era outra. Eu não sabia quem era o Pelé, mas ouvia meu pai e meus tios comentarem que o cara era fera. Quando eu comecei a estudar, nós jogávamos uma espécie de futebol com tampinha de garrafa de refrigerante, ou com pedras, pois na escola não tinha quadra e muito menos uma bola. Jogávamos no pátio e eu lembro de comemorar os gols com um soco no ar, gritando “Peléééééé”.
Eu não sabia quem era Edson Arantes do Nascimento, mas já sofria a sua influência nos relvados do Desporto Rei. Não tenho muito o que falar sobre a sua carreira, pois eu não a vivi. Tudo que sei sobre o Rei eu li nos livros e jornais, ou vi na televisão naquele estranho esporte em que a torcida ficava sobre um paredão gigante na lateral do campo.
Por Rafa Ribeiro:
Mesmo sem relatos, vídeos ou adeptos por perto, conheci a grandeza de Vossa Majestade
Por conhecer adeptos mais velhos de Corinthians e Palmeiras, ouvia muitas histórias de Rivelino, Sócrates e Ademir da Guia. Cresci na década de noventa cercado por relatos de Romário levantando o tetra. Vi surgir, como adepto tricolor paulista, o reinado nacional de Rogério Ceni. Não acreditei na perseverança e na volta por cima de Ronaldo fenômeno, o maior que vi jogar, que fez acabar qualquer discussão sobre “9” após voltar de duas lesões absurdas. Isso sem contar inúmeros jogadores “acima da média” que sempre permeavam discussões entre jovens exaltados e mais velhos saudosistas do futebol que não volta mais.
Dito isso, absolutamente nenhum deles chegou perto de elucidar o que era o futebol, se comparado com o que Pelé fazia em campo. Mesmo que já tenham lido isso em algum lugar recentemente, é fato que tudo o que vimos, seja atualmente pela TV, ou nos estádios de futebol mundo afora, Pelé foi o precursor. Não por simplesmente jogar em outra época, mas por ser o melhor em qualquer época. Ao correr, carregar a bola, ao tocar a bola, ao chutar a bola, ao driblar, enganar, persuadir, marcar. O que posso dizer, mesmo não vivendo a época de ouro do Rei, nem mesmo tendo tanto contato com suas ações quando jovem, é de que nunca pararemos de nos surpreender com tamanha habilidade deste jogador. A cada nova descoberta, veremos o quanto ele destoava dos demais.
E o que deixo de mensagem, para continuar honrando cada vez mais o nome daquele que fez nosso país ser conhecido em todos os cantos, que fez ecoar diversos gritos de compaixão com a humanidade, mesmo sendo “apenas” um jogador de futebol, é que continuemos a visitar cada vez mais histórias, relatos, documentos, fotos, vídeos, e qualquer outra memória que haja sobre Edson Arantes do Nascimento, seja dentro ou fora do relvado, para que continue não havendo dúvidas de que ele, em qualquer época, continuará sendo o melhor de todos os tempos.
Por João Sundfeld:
O Rei que vi sem ver
Pelé para mim era lenda. Nunca foi homem, humano, mortal. Não pude ver ao vivo para ter certeza de que existia. Apenas clipes editados da memória dos mais velhos, ou que pareciam editados na internet. Era melhor que todos que existiam, que existem e que existirão.
Pelé eu não vi nos gramados. Eu ouvi quando criança e admirei até adulto, quando vi e revi seus lances e jogos antigos. Vi e vivi a emoção de ver o maior de todos os tempos. O privilégio de assistir, mesmo 50, 60 anos depois, aquele que fez meu time sofrer tanto. E fez meu time se encher de orgulho quando não era castigado.
O Rei dos Reis. O único que um democrata pode amar. O único que nunca morrerá. Não era de carne e osso como outros, ou com as riquezas de Habsburgo ou outro sobrenome qualquer. Era não-homem de um nome só. Pelé. Duas sílabas. Inúmeras lágrimas. Minhas, nossas e deles.
Pelo Brasil, tri. Vi a final de 58 há pouco tempo e me encantei com Didi no meio-campo. Mas algo sobre aquela criança de 17 anos me intrigava. Dominava, encantava, brilhava. Pouca idade, muito resto. Nada supera, ou superará.
Gol de chapéu. Teve mais um. Aí lesão em 62 depois de uma das maiores exibições individuais que já vi contra o México. Volta com tudo em 70. No fim de carreira para a consolidação internacional da lenda. Copa de poucos, com muitos vendo. Em cores, pela primeira vez. Era Pelé, aquele que parou guerra e que fez futebol ser futebol.
Sem o ‘ao vivo’, vi Pelé. O Rei que meu vô contava. O homem cujo gol mais bonito nunca foi filmado. A sensação de que nada assim poderá acontecer de novo. A certeza de que foi o maior.
Pelos olhos do meu avô, minha imaginação conheceu Pelé. Pelos meus, viu que era tudo verdade.
Da vida à história.
O futebol só é futebol por Pelé.
E Pelé é futebol.
É Santos.
É Brasil.
É para sempre.