Jorge Mendonça em um conto inusitado

Marcial CortezMarço 12, 20235min0

Jorge Mendonça em um conto inusitado

Marcial CortezMarço 12, 20235min0
Jorge Mendonça é um ídolo do Palmeiras dos anos 70. Cláudio é apenas um torcedor comum. O que esses dois tem em comum?

São Paulo, 1977. O Corinthians ganha o campeonato paulista  e sai de uma fila de 23 anos sem títulos. Na cidade, uma festa gigante toma as ruas. Famílias inteiras saem de suas casas e todos se abraçam nas ruas pela Taça do Timão. Cláudio, um garoto de apenas 7 anos, está nesta festa. Seu pai comemora intensamente a conquista, enquanto o garoto Cláudio não entende direito o que está a ocorrer, mas o clima de festa está muito bom.

Cláudio vive numa família cujo núcleo principal não se interessa muito por futebol. Apesar de ter um pai corintiano, sua mãe e sua irmã não costumam acompanhar a mesma paixão. Por outro lado, seus tios e primos são palmeirenses até na alma, e ao perceberem o interesse do miúdo no desporto-rei, tentam a todo custo torná-lo torcedor do Verdão.

O ano de 1978 foi um dilema na vida de Claudio. Depois da imensa festa de 77, ele dizia a todos que torcia para o Timão. Mas seus tios e primos não desistiam e o levavam aos jogos do Palmeiras para tentar fazê-lo trocar de camisola. Naquela época, o Verdão chegou à final do Campeonato Brasileiro e Cláudio se viu pela primeira vez a torcer pelo Alviverde naquela decisão.

Chega então o decisivo ano de 1979. Cláudio não sabia o que fazer, pois seu pai queria ter o filho corintiano, mas seus primos o queriam do lado alviverde. E foi naquele Campeonato Paulista que ele tomou uma decisão. Seu pai, num momento de desespero a perceber que o filho caminhava a passos largos para o lado verde, decidiu fazer uma aposta.

– Filho, estou a perceber que você quer torcer para o Palmeiras, mas eu quero que você seja corintiano. Então vamos fazer uma aposta. Eu te levo ao estádio para vermos o clássico, e você vai torcer para quem ganhar. E se o Palmeiras vencer, eu o deixo ser palmeirense sem problemas.

– Tá bom, pai. Eu topo. – respondeu Claudio.

A decisão da aposta nos pés de Jorge Mendonça

E assim foi. Dia 20 de maio de 1979, o maior clássico do Brasil, campeonato Paulista. De um lado, o Corinthians de Sócrates e Biro-Biro. De outro, o Palmeiras de Jorge Mendonça e Baroninho. Jorge Mendonça era um meia direita habilidoso e exímio batedor de faltas. E foi justamente dessa forma que ele marcou o primeiro gol da partida, aos 23 minutos do primeiro tempo de jogo.

Dez minutos depois, outra falta na intermediária, outra batida perfeita e mais um gol do Verdão. Final do jogo, vitória do alviverde por 2-0 com dois gols de Jorge Mendonça. Cláudio comemorava nas arquibancadas do estádio do Morumbi, enquanto seu pai cumpria a promessa e nunca mais tentou persuadi-lo a torcer pelo Corinthians.

Cláudio ganhou uma equipa para torcer, uma camisola e um ídolo, tudo no mesmo dia. Jorge Mendonça ficou no Palmeiras até 1980, e nessa passagem chegou a ser convocado pela Seleção Brasileira e jogou na Copa de 78 na Argentina.

Jorge Mendonça jogou na Seleção Brasileira na Copa de 78 na Argentina

Após sua passagem pelo Verdão, Jorge Mendonça jogou em outros grandes clubes, como Vasco e Cruzeiro, além de Ponte Preta e Guarani, entre outros, até encerrar a carreira em 1990. O craque sofreu muito com problemas financeiros e com o alcoolismo após o término de suas atividades.

Por outro lado, Cláudio seguiu sua vida normalmente a torcer pelo Palmeiras. Ficou sócio do clube e entrou para a política do mesmo. Em 1999, durante a “Era Parmalat”, participou de reuniões da diretoria e, como de praxe na agremiação, as reuniões terminavam numa pizzaria próxima ao clube.

O reencontro, vinte anos depois

E foi numa noite de 1999, dias depois do Verdão conquistar a Glória Eterna pela primeira vez, que os caminhos de Cláudio e Jorge Mendonça se cruzaram. Numa dessas reuniões regadas à pizza, Jorge Mendonça foi convidaddo por um dos diretores e Cláudio sentou-se à mesma mesa que seu ídolo de infância.

Cláudio conseguiu contar a história de como se tornara palmeirense para o próprio Jorge Mendonça, que na ocasião contou com detalhes os dois gols que marcara naquela tarde de domingo vinte anos antes. O encontro acabou com muitas lágrimas e latas de cerveja sobre a mesa. Jorge Mendonça contou detalhes de sua vida dentro e fora dos relvados, histórias de sua família e de como era triste a sua vida após o encerramento da carreira.

Cláudio voltou pra casa feliz e triste ao mesmo tempo. Feliz porque finalmente conhecera pessoalmente seu grande ídolo no futebol, e triste porque viu com seus próprios olhos que jogadores de futebol são seres humanos, com suas dores e suas delícias.

Jorge Mendonça comemora o segundo gol do Verdão, no jogo que mudou a vida de Cláudio. Foto: Reprodução Band Esporte Clube – Youtube

Jorge Mendonça morreu precocemente, aos 51 anos, em 2006. Cláudio continua vivo e atualmente coloca o número 8 e o nome do ídolo em todas as suas camisas do Palmeiras. E diz pra todo mundo que um dia ainda vai escrever um livro sobre o craque.


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