Jorge Mendonça em um conto inusitado
São Paulo, 1977. O Corinthians ganha o campeonato paulista e sai de uma fila de 23 anos sem títulos. Na cidade, uma festa gigante toma as ruas. Famílias inteiras saem de suas casas e todos se abraçam nas ruas pela Taça do Timão. Cláudio, um garoto de apenas 7 anos, está nesta festa. Seu pai comemora intensamente a conquista, enquanto o garoto Cláudio não entende direito o que está a ocorrer, mas o clima de festa está muito bom.
Cláudio vive numa família cujo núcleo principal não se interessa muito por futebol. Apesar de ter um pai corintiano, sua mãe e sua irmã não costumam acompanhar a mesma paixão. Por outro lado, seus tios e primos são palmeirenses até na alma, e ao perceberem o interesse do miúdo no desporto-rei, tentam a todo custo torná-lo torcedor do Verdão.
O ano de 1978 foi um dilema na vida de Claudio. Depois da imensa festa de 77, ele dizia a todos que torcia para o Timão. Mas seus tios e primos não desistiam e o levavam aos jogos do Palmeiras para tentar fazê-lo trocar de camisola. Naquela época, o Verdão chegou à final do Campeonato Brasileiro e Cláudio se viu pela primeira vez a torcer pelo Alviverde naquela decisão.
Chega então o decisivo ano de 1979. Cláudio não sabia o que fazer, pois seu pai queria ter o filho corintiano, mas seus primos o queriam do lado alviverde. E foi naquele Campeonato Paulista que ele tomou uma decisão. Seu pai, num momento de desespero a perceber que o filho caminhava a passos largos para o lado verde, decidiu fazer uma aposta.
– Filho, estou a perceber que você quer torcer para o Palmeiras, mas eu quero que você seja corintiano. Então vamos fazer uma aposta. Eu te levo ao estádio para vermos o clássico, e você vai torcer para quem ganhar. E se o Palmeiras vencer, eu o deixo ser palmeirense sem problemas.
– Tá bom, pai. Eu topo. – respondeu Claudio.
A decisão da aposta nos pés de Jorge Mendonça
E assim foi. Dia 20 de maio de 1979, o maior clássico do Brasil, campeonato Paulista. De um lado, o Corinthians de Sócrates e Biro-Biro. De outro, o Palmeiras de Jorge Mendonça e Baroninho. Jorge Mendonça era um meia direita habilidoso e exímio batedor de faltas. E foi justamente dessa forma que ele marcou o primeiro gol da partida, aos 23 minutos do primeiro tempo de jogo.
Dez minutos depois, outra falta na intermediária, outra batida perfeita e mais um gol do Verdão. Final do jogo, vitória do alviverde por 2-0 com dois gols de Jorge Mendonça. Cláudio comemorava nas arquibancadas do estádio do Morumbi, enquanto seu pai cumpria a promessa e nunca mais tentou persuadi-lo a torcer pelo Corinthians.
Cláudio ganhou uma equipa para torcer, uma camisola e um ídolo, tudo no mesmo dia. Jorge Mendonça ficou no Palmeiras até 1980, e nessa passagem chegou a ser convocado pela Seleção Brasileira e jogou na Copa de 78 na Argentina.
Após sua passagem pelo Verdão, Jorge Mendonça jogou em outros grandes clubes, como Vasco e Cruzeiro, além de Ponte Preta e Guarani, entre outros, até encerrar a carreira em 1990. O craque sofreu muito com problemas financeiros e com o alcoolismo após o término de suas atividades.
Por outro lado, Cláudio seguiu sua vida normalmente a torcer pelo Palmeiras. Ficou sócio do clube e entrou para a política do mesmo. Em 1999, durante a “Era Parmalat”, participou de reuniões da diretoria e, como de praxe na agremiação, as reuniões terminavam numa pizzaria próxima ao clube.
O reencontro, vinte anos depois
E foi numa noite de 1999, dias depois do Verdão conquistar a Glória Eterna pela primeira vez, que os caminhos de Cláudio e Jorge Mendonça se cruzaram. Numa dessas reuniões regadas à pizza, Jorge Mendonça foi convidaddo por um dos diretores e Cláudio sentou-se à mesma mesa que seu ídolo de infância.
Cláudio conseguiu contar a história de como se tornara palmeirense para o próprio Jorge Mendonça, que na ocasião contou com detalhes os dois gols que marcara naquela tarde de domingo vinte anos antes. O encontro acabou com muitas lágrimas e latas de cerveja sobre a mesa. Jorge Mendonça contou detalhes de sua vida dentro e fora dos relvados, histórias de sua família e de como era triste a sua vida após o encerramento da carreira.
Cláudio voltou pra casa feliz e triste ao mesmo tempo. Feliz porque finalmente conhecera pessoalmente seu grande ídolo no futebol, e triste porque viu com seus próprios olhos que jogadores de futebol são seres humanos, com suas dores e suas delícias.
Jorge Mendonça morreu precocemente, aos 51 anos, em 2006. Cláudio continua vivo e atualmente coloca o número 8 e o nome do ídolo em todas as suas camisas do Palmeiras. E diz pra todo mundo que um dia ainda vai escrever um livro sobre o craque.