Falta de humanidade e de competência: como diretoria do Flamengo destruiu melhor time do século

João Pedro SundfeldJaneiro 23, 20217min0

Falta de humanidade e de competência: como diretoria do Flamengo destruiu melhor time do século

João Pedro SundfeldJaneiro 23, 20217min0
Alta cúpula do Rubro Negro conseguiu, em um ano, destruir tudo que foi construído em 2019 e impediu a consolidação de uma hegemonia flamenguista no Brasil

No dia 1 de junho de 2019, o Flamengo anunciou aquela que seria a principal contratação do clube na década, e provavelmente no século. O treinador português Jorge Jesus havia acertado a sua ida para a gávea e os torcedores ficaram esperançosos, imaginando um futuro mais próspero que o passado recente vivido pelo clube. Ninguém porém, imaginaria que o sucesso chegaria tão rapidamente.

Junto com o técnico, a diretoria decidiu que formaria um time campeão. Já no início da época, o Rubro Negro havia assegurado a chegada de Bruno Henrique, um dos destaques do Brasileirão jogando pelo Santos, Gabigol, melhor marcador do Brasileirão 2018, Rodrigo Caio, campeão olímpico com a Seleção Brasileira, Arrascaeta, destaque do Cruzeiro, e Rafinha, lateral que fez a carreira na Europa e teve passagens pela equipa nacional. No decorrer do ano, ainda chegaram Filipe Luís, campeão da Copa América em 2019, e Gerson, que se destacou com as cores do Fluminense.

Com isso, Jesus recebeu um plantel extremamente qualificado, melhor, inclusive, que o de muitos times europeus, e deu início ao seu trabalho. Mesmo com um começo um pouco inconstante, perdendo pontos e decepcionando em algumas atuações, os jogadores, rapidamente, entenderam o jogo proposto pelo treinador e a equipa passou a vencer, convencer e, acima de tudo, encantar. Futebol intenso, ofensivo, dominante. O adversário era incapaz de jogar e simplesmente assistia a um show carioca. Com isso, o Flamengo chegou aos 90 pontos no Brasileirão – melhor campanha da história -, venceu o campeonato nacional e, também, a Libertadores, feito conquistado, até então, apenas pelo Santos de Pelé, em 1962 e 1963.

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Flamengo levantando taça de Campeão da Libertadores
Flamengo foi campeão da Libertadores de 2019 (Foto: Alexandre Vidal / Flamengo)

O sucesso, porém, durou pouco. A saída de Jorge Jesus, contratado pelo Benfica, e a falta de conhecimento e competência dos dirigentes fizeram com que o clube deixasse de ser uma super potência no cenário nacional. Os problemas da administração flamenguista vão, contudo, muito além das quatro linhas e começaram anos antes, na gestão de Eduardo Bandeira de Mello.

O ex-presidente do Flamengo, quando ainda exercia o cargo, ignorou problemas estruturais em um dos alojamentos do Ninho do Urubu. Essa atitude resultou num incêndio, no início de mandato de Rodolfo Landim, que matou dez jogadores das categorias de base do Rubro Negro, sendo este um dos maiores desastres da história do esporte brasileiro. Com isso, o ex-presidente virou réu, acusado de incêndio culposo qualificado, e o grande problema da alta cúpula flamenguista começou a ficar evidente: a falta de humanidade.

Após a tragédia, as famílias das vítimas entraram na justiça em busca de indenizações que, ao menos, diminuíssem o estrago causado pela negligência do clube. Desde então, longas batalhas judiciais são travadas entre o Fla, que busca fechar acordos, e as famílias, que, pouco a pouco, diminuem a pedida e aceitam os termos propostos pelo Rubro Negro. Além da falta de sensibilidade nessa situação, o atual campeão brasileiro buscou, e conseguiu, reduzir a pensão paga às famílias que ainda brigam na justiça de R$10 mil para R$5 mil.

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Presidente do Flamengo
Rodolfo Landim, presidente do Flamengo (Foto: Alexandre Vidal / Flamengo)

Enquanto isso, o Fla quebra recordes de transferências. As chegas de Arrascaeta, Gabriel Barbosa e Pedro custaram, ao todo, €46,8 milhões, um valor nunca antes investido por um clube brasileiro em jogadores. Além destes, os cariocas ainda fecharam outras contratações caríssimas, como Gerson, Rodrigo Caio, Michael, Bruno Henrique, entre outros. Mas pagar indenizações e pensões para as famílias de crianças que foram mortas quando estavam sob os cuidados do clube não acontece com tanta facilidade.

As atitudes da alta cúpula durante a pandemia escancararam, ainda mais, que o Flamengo é dirigido por pessoas que pensam, apenas, em dinheiro, jamais no bem-estar dos funcionários e da sociedade no geral. O clube, por ter investido milhões, foi quem mais pressionou o governo do Rio de Janeiro para a volta do futebol, ainda no auge da primeira onda pandêmica. Além disso, mesmo gastando tantos milhões para reforçar o plantel, demitiu cerca de 50 funcionários e, posteriormente, o fotografo que tirou uma foto dos jogadores sem máscara no avião.

Voltando ao espectro esportivo, o dinheiro e vontade de ganhar, independentemente dos custos, não se traduziram em resultado. Após a saída de Jorge Jesus, o nome escolhido para o comando técnico da equipe foi o de Domènec Torrent, ex-auxíliar de Pep Guardiola. Um técnico menos experiente e uma aposta ousada e, sem dúvidas, equivocada. A diretoria, com a contratação, buscou um nome que jogasse um futebol ofensivo, assim como Jesus, mas contratou um profissional que faz isso de uma maneira completamente diferente. Para dar certo, Dome precisaria de tempo.

Tempo é tudo que um técnico não tem no Brasil. Competência, estudo e conhecimento pouco importam. Os adeptos querem resultado. E resultado imediato. Dome não fez um trabalho ruim. Brigou, desde o começo, na parte de cima da tabela do Campeonato Brasileiro. Prejudicado com crise de Covid-19 no plantel, teve uma queda drástica de desempenho, mas, devido às dificuldades, isso era natural. A diretoria, porém, não entendeu assim e optou pela troca.

Ex-treinador do Flamengo
Domènec Torrent, ex-treinador do Flamengo (Foto: Reprodução/ Youtube)

Sem treinador, a busca por um novo nome foi rápida. Rogério Ceni, que fazia um trabalho espetacular no comando do Fortaleza, foi o escolhido e, em poucas horas de negociação, foi contratado. Mais uma vez, ignorando o estilo de jogo proposto pelo ex-goleiro, que é diferente do adotado pelo seu antecessor, e que Ceni precisaria de tempo para fazer o time jogar bem, como foi no Tricolor do Pici.

No curto período em que esteve no comando da equipe, Rogério não conseguiu fazer o time render como pode e já teve, mais de uma vez, a demissão exigida pelos adeptos mais radicais. Sendo assim, se o time não conseguir bons resultados na reta final do Brasileirão, o Rubro Negro pode ir para o terceiro técnico desde a saída de Jesus, algo que explicita a falta de planejamento de quem comanda o clube.

Somando estes problemas, a diretoria flamenguista foi capaz de, praticamente, aniquilar uma equipa fenomenal que jogava um futebol vistoso e vencia campeonatos. Hoje, o time está ainda na briga pelo Brasileirão, mas as decisões extra-campo causaram a sua eliminação na Libertadores e Copa do Brasil. Com isso, se tornou um exemplo de como não agir, tanto no ponto de vista esportivo, quanto no humanitário.

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