Devaneios de um mundo paralelo ou “A Vida como Deveria Ser”
Mundo paralelo, Brasil, setembro de 2021.
Saio de casa com a camisa do Palmeiras rumo à Neoquímica Arena, o estádio do rival Corinthians. Hoje tem rodada dupla, na abertura o jogo do masculino e na seqüência a grande atração da noite, a final do Brasileirão Feminino Neoenergia 2021!
Com o fim da pandemia e a vacinação em dia, posso caminhar livremente pelas ruas e utilizo máscara somente se eu estiver com sintomas respiratórios, o que não é o caso hoje. Saio tranquilo e pego o metrô para o estádio. Quando chega o vagão do comboio, encontro com vários torcedores corintianos. Não há motivo para medo, afinal vivemos em um país civilizado e a escolha de uma equipa não justifica nenhuma cena de violência. Entro no comboio e converso com meus rivais sobre os jogos de hoje, as escalações e palpites sobre os resultados:
— E então, quem ganha? – pergunto eu aos meus rivais.
— Corinthians, lógico. Hoje é dia de Vic Albuquerque, vai ter até gol de bicicleta, você vai ver – responde um deles animadamente, enquanto me oferece uma água com gás.
— E no masculino? – insisto na conversa.
— Ah, nem sei. Não acompanho o futebol dos meninos. – ele me responde.
Nesse país paralelo, o futebol feminino é a principal categoria do desporto-rei. Meninas com 2, 3 anos de idade já ganham de seus pais uma bola de futebol e são incentivadas a dar seus primeiros toques na esfera. O país é pentacampeão mundial de futebol e tem uma das seleções mais fortes do mundo. O Corinthians é a equipa que domina o cenário, é a base da seleção, e chegou à final com muitas chances de garantir o tricampeonato brasileiro.
Devaneio Parte I – a chegada ao estádio
O comboio chega à estação final e de longe já é possivel ver a imponente Neoquímica Arena, um dos estádios que foram construídos para a Copa da Fifa e é um dos mais modernos do mundo. Meu ingresso tem um QR code que comprova a minha vacinação (sem isso não é ṕossivel entrar) e designa meu local no estádio.
Entro na arena e já começo a me dar bem. Ao meu lado, torcedores do Palmeiras conversam animados, enquanto nas fileiras de cima e de baixo a predominância é corintiana. Ou seja, é como se estivéssemos em um sanduíche, em que os palmeirenses são o recheio e os corintianos os pães. O assunto da conversa com os amigos alviverdes não poderia ser outro: a falta que Bia Zaneratto, principal jogadora do Verdão na competição, iria fazer nessa final. Bia ficou de fora porque o empréstimo junto a um clube chinês venceu e os dirigentes do outro lado do mundo não prorrogaram o contrato.
Entre os corintianos, o clima é de festa. O Timão ganhara o jogo da primeira mão, e um simples empate garante o título da época, o terceiro na vida do Alvinegro. A diretoria até criou uma camisa nova para esta partida, uma camisola de cor roxa, em alusão à paixão dos adeptos pelo clube, que utilizam muito a expressão “eu sou corintiano roxo”.
O Sol é forte e a cerveja tá gelada. Corintianos batucam músicas de incentivo ao time, e cada comboio que chega à estação traz mais milhares de torcedores para a noite de festa. A Arena começa a encher e o barulho dos cantos aumenta. A torcida do Corinthians ocupa 2/3 da Arena, enquanto algumas camisas verdes aqui e acolá (incluindo a minha) despontam no meio das arquibancadas. Os adeptos palmeirenses são poucos, mas são barulhentos.
O jogo de abertura é um dérbi masculino. O Palmeiras vem de uma seqüência de bons resultados contra o rival, mas mesmo assim os poucos adeptos que acompanham o futebol masculino estão chateados com o técnico português Abel Ferreira, duramente criticado a cada alteração que efetua no time. Particularmente, acho as críticas exageradas, mas enfim…
Por outro lado, o Corinthians vem com um técnico novo e as recentes contratações mudaram o jeito do time jogar. A torcida está contente. Começa o jogo e os torcedores ainda chegam pelos comboios lotados. Muitos não viram o primeiro gol do Timão, marcado pelo recém contratado Roger Guedes. “É a Lei do Ex”, diz um palmeirense triste ao meu lado.
O Verdão empatou no final do primeiro tempo, quando ainda chegavam os últimos torcedores para a grande final. No segundo tempo, o mesmo Roger Guedes cravou o segundo gol e a vitória do Timão no masculino. Os torcedores palmeirenses ficaram apreensivos, mas ainda assim acreditavam numa virada do time feminino e a salvação do fim de semana.
O jogo do masculino acabou e o relvado foi molhado pelos irrigadores, enquanto eu fui até o bar para pedir uma cerveja e uns petiscos, enquanto conversava com corintianos e palmeirenses a respeito das expectativas da partida principal.
E chega a hora da Grande Final…
Ao voltar para meu lugar, as equipas já se enfileiravam para o Hino Nacional. Chegou a hora da grande decisão.
O Palmeiras começou muito bem. Pressionou o Timão em seu campo de defesa e por pouco não marcou o gol que empataria o resultado no placar agregado. Porém, o futebol tem os seus mistérios. Num contra ataque, a defesa Agustina falhou e Adriana, craque corintiana, não perdoou. Driblou a goleira alviverde e cruzou na pequena área, onde a própria Agustina acabou mandando a bola para as redes. Gol contra e Timão 1-0.
Daí pra frente, o que se viu foi um “branco” na equipa do Palmeiras. O Corinthians dominou o jogo e aos 40 min do primeiro tempo já estava 3-0 para o Alvinegro, com direito até a gol de biciclieta da Vic Albuquerque, como previra o torcedor do comboio. Os palmeirenses estavam desesperados. O estádio estava em festa. Corintianos de todas as idades estavam a cantar e a festejar o resultado parcial, mas praticamente irreversível naquele momento.
Chega o segundo tempo e o equilíbrio volta a reinar. O Palmeiras acertou a marcação e voltou a criar perigo na área corintiana. Tanto fez que conseguiu marcar um gol, com um tiro de fora da área feito por Camilinha. Festa alviverde, mas já era tarde demais. O Timão administrou o resultado até o apito final e garantiu o tricampeonato brasileiro.
A mim, só restou cumprimentar os corintianos, parabenizá-los pela conquista e sair do estádio rumo à estação, para voltar pra casa. Com a certeza de que no ano que vem, o Dérbi terá um tempero a mais, pois o encontro vai ser em busca da Glória Eterna, a Libertadores Feminina 2022.