“Deixem os miúdos em paz” – os excessos do adepto-olheiro

Francisco IsaacJulho 17, 20237min0

“Deixem os miúdos em paz” – os excessos do adepto-olheiro

Francisco IsaacJulho 17, 20237min0
O adepto-olheiro é um ser que vai replicando opiniões e sugestões de como os treinadores devem lançar os jovens, sem saber na realidade como fazê-lo

A selecção sub-19 de Portugal de futebol masculino foi finalista vencida no Campeonato da Europa deste escalão e, como esperado, o “furacão” de comentários nas redes sociais a dizer que jogador A, B ou C têm de ter minutos, e que “vão ser extraordinários” e que “já mostram mais qualidade que os que estão na sua equipa mais velhos”, surgindo o adepto-olheiro à carga.

A cada novo torneio de formação, a cada dois ou três jogos pela equipa principal de um dado clube, é imediatamente emitido o parecer que esse jovem é excelente ou que não tem qualidade para lá estar, demonstrando a pior faceta dos adeptos de futebol: a ausência de paciência e capacidade de reflexão. Os atletas jovens que se mostram ao mais alto nível de uma forma precoce, normalmente são tratados como uma “boneca de trapos” que ao início merece todo o carinho possível, acabando por perder o interesse quando surgem mais duas ou três mais recentes.

Veja-se Henrique Araújo, Francisco FerroFerreira, Miguel Pedro, Tomás Esteves ou Rúben Vinagre, que quando surgiram foram etiquetados de estrelas em ascensão, motivando dezenas senão centenas de comentários e opiniões, estando neste momento a passar ao lado da carreira que lhes foi imaginada ou até já passaram pelos seu pico de explosão. Mal saem da circulação dos media locais, e estes atletas perdem o furor e fulgor de quem quase exigia aos seus treinadores de clube para os pôr a jogar, não sabendo como treinavam, do seu crescimento (ou não), ou de como estavam a conseguir lidar com o futebol sénior ao mais alto nível.

Esta realidade imposta por este séquito de “fãs” que tentam transportar os tiques do Football Manager para a vida real, é não só falsa, como perigosa, uma vez que cria uma onda de expectativas e exigências para todos os cantos, crispando emoções quando a situação não chega a um bom porto.

Por outro lado, dá-se também a situação de etiquetar um jovem como uma estrela e que tem todos os tiques para ser um super astro, quando esse atleta ainda pouco mostrou e precisa mais tempo para crescer, revelar e tentar atingir o nível mais alto possível.

Casos como o de Daniel Bragança é um exemplo crítico de como há adeptos que formulam a teoria que este dado atleta já é uma certeza e tem de ser titular, quase impondo-lhe uma qualidade a par de outros jogadores que efectivamente se afirmaram ao mais alto nível. Daniel Bragança tem 24 anos, realizou apenas 17 jogos como titular no Sporting CP no espaço de duas temporadas (não estamos a contar com a época transacta) e só a espaços é que mostrou brilhantismo, resistindo uma dúvida se realmente é um jogador de categoria médio ou alta, se pode ser uma peça fulcral na equipa do Sporting CP, e nada disto será atingido por força de um ou mil comentários.

O criar de expectativas nestes casos leva a episódios de “guerra” com os treinadores, acusando-os de não lançarem jovens, de não aproveitarem a base e não quererem saber da formação… porém, nem todos os produtos da formação conseguem dar o salto, com uma parte a necessitar de baixar o nível competitivo para atingirem o seu ponto máximo de qualidade, enquanto uns quantos que foram estrelas nos sub-18/19/20 acabam por não ter condições próprias para se afirmar nos patamares mais intensos. Isto não significa que não existam treinadores que não queiram saber dos “miúdos”, pois isso é também uma situação real e facilmente comprovável. Mas peguemos no caso de Rúben Amorim, e vejamos se realmente lançou ou não jogadores jovens nos três anos em que está em Alvalade:

  • 2020/2021: Gonçalo Inácio (25 jogos), Matheus Nunes (39 jogos) e Daniel Bragança (25 jogos) – Nuno Mendes foi lançado em 2019/2020 na recta final da temporada;
  • 2021/2022: Dário Essugo (lançado em 2020/2021 mas com apenas 6 minutos e 1 jogo, com 7 jogos em 21/22), Gonçalo Esteves (14 jogos) e Rodrigo Ribeiro (7 jogos);
  • 2022/2023: José Marsá (foi lançado em 21/22 mas somou apenas 11 minutos), Mateus Fernandes (7 jogos), Issahaku Fatawu (12 jogos) e Chermiti (22 jogos);

Olhando para esta listagem, é só ver que a média tem sido respeitada, com 3 atletas a subirem aos séniores e a terem uma oportunidade para se manter nesse patamar. Contudo, nem todos o conseguiram e isso advém por não terem a capacidade de trabalho ou condições para lá se manterem…

Nem todas as gerações têm atletas séniores brilhantes, e basta ver quantos atletas dos campeões europeus de sub-19 é que se afirmaram ao mais alto nível…

Às vezes são os jogadores que passaram ao lado da imprensa e deste tipo de adeptos que atingem uma dimensão supra respeitável ou extremamente alta, como é o caso de Bruno Fernandes, Rafael Leão (a saída controversa de Alvalade parecia ter colocado um fim numa boa carreira, quando afinal foi o contrário), Beto, João Palhinha, Costinha (até chegar ao FC Porto poucos o conheciam ou reconheciam-lhe as capacidades que detinha) ou Diogo Jota.

Deste 11, só Francisco Trincão, Jota, Florentino Luís e Thierry Correia realmente conseguiram somar minutos valiosos em ligas de top-8 europeu, e mesmo assim nenhum está cogitado para ser entendido como um dos melhores dos últimos dez anos, apesar de alguns adeptos quererem à força atribuir certas valências que não são reais ou honestas.

Esta necessidade de aplicar rótulos mal um atleta jovem faça um par de jogos e exiba algum semblante de qualidade é um motor que só cria dissabores e atropelos, colocando em alvoroço toda a massa adepta que está nas redes sociais, executando uma perseguição constante a treinador A ou B.

Há necessidade dos adeptos se informarem mais, perceberem que existem diversas condicionantes ou vectores de evolução, e de que nem tudo é linear, nem todos os treinadores têm de ser obrigados a lançar X ou Y porque dada pessoa viu ele a fazer umas belas exibições nos sub-20.

Por respeito a estes jovens atletas, é necessário a “rede socialesfera” ter mais paciência, controlo emocional e saber separar o trigo do joio antes de se achar o novo olheiro de clube X só porque tem capacidade de captar uns likes no twitter, facebook, instagram, post, ou qualquer outro meio deste género.


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