A Final da Taça de Portugal feminina: uma lição de bom futebol!

Francisco IsaacMaio 30, 20189min0

A Final da Taça de Portugal feminina: uma lição de bom futebol!

Francisco IsaacMaio 30, 20189min0
Um futebol aprumado e emotivo, uma festa de pompa e circunstância ao redor do estádio e um recorde televisivo, são estes alguns pontos deste artigo sobre a Taça de Portugal feminina

Este artigo é escrito do ponto de vista de alguém que pouco ou nada conhecia ou conhece do futebol feminino português ou mesmo internacional. Não é por desdém ou falta de interesse, mas é sobretudo por falta de tempo, prioridades e de não querer ditar juízos sem ter a lição bem estudada. Contudo, o jogo entre o Sporting CP e SC Braga para a final da Taça de Portugal merece destaque por várias razões.

Voltamos a repetir, desconhecíamos/desconhecemos a maioria dos pormenores que compõem o futebol feminino português, sendo que este artigo é mais numa óptica de quem viu (não pela primeira vez) uma final da Taça de Portugal feminina na íntegra e com atenção.

A FESTA DA TAÇA VERSÃO 2.0?

Em comparação com a final masculina, que teve 38,000 adeptos presentes nas bancadas, a final da taça entre Leoas Guerreiras contou com 12 mil adeptos no apoio próximo à equipa. Um pouco menos de metade em relação à final masculina, mas que mesmo assim teve todos os apontamentos que faz da Taça de Portugal a maior festa do futebol nacional: acampamento de adeptos em redor do estádio, o típico porco-no-espeto, música e festa e outros itens importantes.

Uma festa mais “calma” diria o leitor? Talvez, contudo as “cores”, a animação e a essência do que é a festa da Taça de Portugal estiveram lá com um fluxo de pessoas bem curioso e que dá esperança para o futuro do futebol nacional.

Se ao redor do estádio tiveram as tais 12 mil pessoas, já em casa meio milhão de espectadores ligaram a televisão na RTP1 e assistiram ao encontro que durou cerca de 120 minutos. De acordo com a Federação Portuguesa de Futebol, foi batido o recorde de número de telespectadores em jogos nacionais, conquistando o título do jogo mais visto em Portugal de futebol feminino (só o jogo entre Portugal e Inglaterra teve mais audiência, com 875 mil pessoas a assistir em casa).

O share de 15% e o indicativo de que uma em cada sete pessoas “perdeu” a tarde a ver o encontro, é um sinal positivo para o futebol feminino que não só quer crescer como ganhar outra liberdade dentro da modalidade em Portugal.

Numa altura em que o futebol feminino está em franca expansão mundial, estes números demonstram que também em Portugal há uma maior receptividade e interesse por esta variante, algo que há uns anos atrás talvez não passava pela cabeça de quem dirigia o Desporto-Rei por cá.

Há várias razões para esse crescimento, sendo que as mais básicas são: maior popularidade entre as lideranças do futebol mundial; melhor trabalho de marketing e promoção, com uma visível importância dada às atletas femininas quer seja com melhores torneios FIFA ou UEFA até às entregas de prémios; difusão nas escolas e academias, na busca de novos talentos para o futebol feminino.

Existirão muitas mais mas estas são algumas razões que deram outra dimensão a uma camada de atletas e jogadoras que mereciam muito mais e que só na segunda década do Século XXI estão a receber a importância que merecem.

Mas voltemos agora à Final da Taça de Portugal. A festa por fora foi de alto tom, com os adeptos das duas equipas a entregarem-se à festa e ao espectáculo. Esta postura e sentimento passou para as bancadas, em que os fãs das duas formações apressaram-se em apoiar as suas equipas de uma forma entusiasmada e dinâmica.

A bancada bracarense Foto: Lusa

O JOGO ENTRE GUERREIRAS E LEOAS

Antes de olharmos para o jogo, lançamos uma pergunta a fazer: o que faz um adepto afastar-se de um jogo de futebol? Há vários aspectos que tornam um encontro menos desejável como a monotonia, excesso de zelo, agressividade em massa, falta de situações de perigo iminente, ausência de emoção, etc.

Ora, todos estes adjectivos mais negativos não foram vislumbrados nesta final da Taça de Portugal. Se na primeira parte tivemos um jogo mais calculista, mas que ainda assim foi propenso a momentos de grande emoção, com alguns jogadas de grande recorte. Na segunda parte já o jogo foi completamente diferente… não fossem a ausência de golos, teria sido um hino à modalidade… registou-se um empate no final nos 90.

O prolongamento foi emotivo e com as duas equipas a tentarem ganhar numa luta de pulmão contra pulmão… no final, um golo espectacular deu a vitória ao Sporting CP. Isto é um resumo bem abreviado do encontro. Agora, tentemos esmiúça-lo um pouco mais:

O SC Braga, pelo que vimos, é uma equipa mais de contra-ataque e resposta rápida, de lançamento pelas alas e centros bem armados, quer seja pelo chão ou ar. Foi desta forma que as bracarenses investiram na segunda-parte com largas doses de centros que Francisca Cardoso tentou corresponder da melhor forma possível. A jovem atleta de 20 anos foi, para nós, uma das melhores em campo, com uma série de lances de elevadíssima categoria… há dois ou três cabeceamentos que em outro dia qualquer dariam em golo, contudo, na final apareceu uma gigante Patrícia Morais.

A guardiã da baliza das Leoas foi uma “muralha” incansável na defesa da baliza do Sporting CP, com uma série de defesas “impossíveis” de fazer e que colocaram os adeptos do SC Braga em nervos. A defesa verde-e-branca foi permeável em alguns momentos, concedendo demasiado espaço dentro da área, dando uma ajuda-extra aos bracarenses, que nunca aproveitaram da melhor forma.

Houve até um golo de cabeça de Francisca Cardoso por volta dos 75 minutos de jogo, após um centro de grande qualidade de Laura Luís… que acabou anulado por fora-de-jogo da ponta-de-lança. Um fora-de-jogo por milímetros, que tirou a alegria dos adeptos do Braga. Foi a única forma de ultrapassar Patrícia Morais durante os 120 minutos.

O Sporting CP foi a nosso ver uma equipa mais trabalhadora com a posse de bola, criando boas triangulações, impondo um bom ritmo de jogo no meio-campo, incitiando as guerreiras a subir no terreno e arriscar na recuperação de bola. A forma como conseguiam encontrar espaço, idealizando um jogo bem dinâmico prova em larga medida do porquê deste Sporting CP dominar há duas épocas o futebol português.

Mas nem as excelentes jogadas do Sporting CP ou os rápidos contra-ataque do SC Braga resultaram em golos… sim, houve grandes defesas, remates que rasaram o poste (ou acertaram mesmo nele) e um golo anulado, só que nada de festejos. O prolongamento chegou e os últimos trinta minutos tiveram direito a um golo de antologia.

O lance começa numa recuperação de bola na área do Sporting, com as triangulações a surgirem em bom ritmo… passe assertivo, bom posicionamento e avanço constante no terreno… a bola chegou aos pés de Diana Silva e aí começa a história do tal golo para nunca mais esquecer: recepção, uma passada larga e um remate que levou um misto de força, técnica e calculo matemático.

Um arco perfeito e quase indefensável (Rute Costa podia estar uns metros atrás, contudo a maioria dos guardiões do Desporto-Rei apresenta o mesmo comportamento) da internacional portuguesa de 22 anos deu o golo da vitória. Espectacular a forma como numa questão de segundos calculou a distância, mediu bem a força e disparou um golo que a corou como a melhor marcadora da competição com 11 golos.

As bracarenses ainda correram atrás do resultado, com a tentativa de lançar Francisca Machado nas costas da defesa leonina. Porém, a espectacular forma como o Sporting recuperava a bola e circulava no meio (Ana Capeta entrou na 2ª parte e foi um elemento essencial para a gestão do meio-campo de forma inteligente) garantiu a dobradinha.

O FAIR PLAY DOS TÉCNICOS E O FUTURO DA “VARIANTE”

As palavras finais dos técnicos Nuno Cristóvão e Miguel Santos demonstrou um extraordinário fair play que a imprensa generalista esqueceu-se de meter no topo das notícias… um comportamento correcto e de bom desportivismo numa final de Taça de Portugal não deveria ser necessário elogiar, contudo perante o comportamento actual dos vários agentes do futebol português, temos de o individualizar.

Estas foram algumas das palavras de ambos os treinados,

“Tenho uma equipa técnica fantástica. Sofremos, como sofremos sempre. Tinha muito confiança na equipa. Temos jogadoras muito cansadas, umas fizeram o jogo número 58 da temporada. O SC Braga é uma grande equipa, muito bem orientada. Hoje teve o infortúnio de não ganhar o jogo, mas faz parte da vida.” (Nuno Cristóvão, Sporting CP)

e

“Foi um jogo muito disputado. Houve momentos em que o Sporting esteve por cima, outros estivemos nós. Criámos várias oportunidades de golo, infelizmente não as concretizámos. Acabámos por ter alguma infelicidade num ou noutro momento, noutros também por mérito da guarda-redes do Sporting.” (Miguel Santos, SC Braga)

A final da Taça de Portugal feminina foi uma demonstração do melhor que o futebol tem para oferecer: festa fora do estádio, emoção nas bancadas, espectáculo no relvado e fair play nos bancos de suplentes. Os 17% de share, 12 mil adeptos no estádio e os 510 mil espectadores em casa provam que há espaço para o futebol feminino em Portugal crescer e ganhar outro destaque.

Relembrar que apesar de uma boa parte destas atletas serem profissionais na modalidade continuam a estudar, a tirar licenciaturas ou a especializarem-se, demonstrando um outro sentido que o futebol masculino deixou de tomar há largas décadas.

Como uma última nota pessoal: para quem não costuma ver futebol feminino, aprendi que tenho de começar a seguir estas atletas que querem chegar mais longe e dar outro sabor a uma modalidade que está a ficar gasta devido aos constantes caos de anti-desportivismo, corrupção, mau comportamento e postura errada.


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