Futebol sem adeptos e a falta de bom senso de quem previne
Antes de abrirmos lugar à reflexão e crítica, primeiro devemos avançar com as palavras proferidas por Luís Elias, director do Departamento de Operações da Direcção Nacional da PSP numa entrevista concedida ao OJogo,
Vemos com bons olhos jogos à porta fechada, torcida única [ver outra peça] e interdições individuais. Por isso é que é importante que clubes/SAD invistam em tecnologia, em videovigilância, é uma ferramenta fundamental para detetar infratores. É isto que tem de acontecer se os clubes/SAD querem erradicar indivíduos – por vezes trata-se mesmo de indivíduos – que estragam o ambiente.
Esta resposta veio na sequência de uma pergunta sobre “críticas dos clubes à PSP pela falta de eficácia na interdição ao recinto de jogo”, numa entrevista que também sondou os problemas em Portugal com a violência desportiva, a falta de compromisso dos clubes de futebol, entre outras questões sobre punição, interdição e sanção a quem pratica algum crime no recinto desportivo.
UMA QUERELA QUE VAI PARA ALÉM DOS ADEPTOS
Neste preciso momento existe uma “guerra” de facto entre PSP, IPDJ e clubes de futebol devido não só aos comportamentos errados de claques ou de bancadas (no caso do SL Benfica que não tem uma claque registada formalmente no IPDJ, o que retira qualquer validade jurídica aos No Name Boys por exemplo) como também à falta de compromisso em avaliar, prevenir e castigar quem traz violência para o estádio ou para a área envolvente.
O crescimento do número de adeptos nos estádios tem sido acompanhado com o aumento de levantamento de autos pela Polícia de Segurança Pública durante as suas acções de patrulhamento na Liga NOS, Ledman Pro ou Campeonato de Portugal.
Desde adeptos que tentam esconder objectos ilícitos no momento de entrada para o estádio até às acções de violência nas bancadas, algumas de uma intensidade anormal e que podem acarretar consequências graves para a forma como se vive o desporto em Portugal (relembrar os desacatos após o Vitória SC-SL Benfica em 2015 ou em 2018 entre o Paços de Ferreira e CD Aves).
Perante isto, a PSP participou na formação de um novo projecto-lei aprovado em Conselho de Ministros, visando punições mais extremas para com os clubes que não cumpram as regras em termos de segurança e prevenção no recinto de jogo (que não se fica só pelo estádio) e que não consigam controlar as suas claques legalizadas.
No meio das propostas e teorizações da nova lei desportiva, houve a intenção de que uma das sanções máximas passasse a interdição do recinto de jogo, ou como se diz na gíria: “jogo à porta fechada”. A PSP e parte das autoridades públicas vêem nesta punição uma forma de controlo imediato dos clubes e uma maneira de impedir que estes assumam um comportamento tão relaxado em algumas situações, a começar por permitir que adeptos “perigosos” e/ou suspensos de participar num evento desportivo consigam aceder ao estádio.
Perante situações extremas a aplicação de coimas e punições do mesmo timbre pode ser vista como combater “fogo com fogo” e de pôr assim fim à forma como os clubes e SAD’s fazem um trabalho tão débil na prevenção de violência ou de responsabilização quando surge um problema no seu espaço desportivo. Contudo, tirar o que é 70% do espectáculo de um campo de futebol (ou de qualquer outra modalidade) é também “matar” o jogo, apresentando-se um problema complicado de resolver no futuro próximo.
Em 2018, SC Braga, FC Paços de Ferreira e SL Benfica viram ser confirmados um jogo de interdição de recinto, entretanto adiados o seu cumprimentos para “águias” e “guerreiros” devido a uma providência cautelar submetida no início de Outubro (só os pacenses cumpriram essa suspensão).
Olhando para o quadro actual de situações de violência no estádio, que não se ficam só por troca de agressões mas também pelo arremesso de objectos perigosos, cânticos racistas ou xenófobos e mesmo de mostragem de tarjas que atentam aos valores do desporto, esta atitude extrema das autoridades só vem na sequência da falta de empenho dos clubes em melhorar as suas condições de segurança.
Claques estão mais “monitorizadas” não tanto pelo trabalho dos clubes, mas mais pelo trabalho efectivo da PSP que tem tentado “caçar” diferentes membros destas organizações que reincidem em comportamentos ilegais nos recintos de jogo. Todavia, quando os mesmos emblemas continuam a dar espaço de manobra a este ajuntamento legal de adeptos sem que façam algum tipo de pressão para abrandarem nos seus “costumes” anti-desportivos demonstra-se um total desdém para com o adepto comum ou o próprio espectáculo.
Mesmo com as forças de segurança recrutadas pelos clubes (Prosegur, Securitas, entre outros) a fazer um trabalho dinâmico à entrada, nota-se uma falta de à vontade dentro das próprias bancadas, forçando a que exista sempre uma presença mais ou menos forte da PSP, de forma a assegurar que o espectáculo se mantenha minimamente civilizado.
Esta exigência física e psicológica de quem faz este policiamento pode acarretar problemas a médio-prazo, abrindo-se espaço para um aumento de tensão entre todos os envolvidos e que continuará a levar a um extremo certos comportamentos tanto de quem devia prevenir, de quem devia policiar e de quem devia só assistir.
A violência fora do recinto de jogo é tão nocivo ou pior que a de dentro
FECHAR A PORTA RESULTOU NO BRASIL?
Porém, e regressando ao que Luís Elias evocou na entrevista, ver jogos à porta fechada ou de bancada única (ao jeito do que se passa no Brasil, com os estádios a serem preenchidos só pelos adeptos da equipa da casa, sem que os demais possam mostrar adereços do clube visitante) com “bons olhos” é um claro sinal de também da falta de sentimento de cultura desportiva ou de tentativa de fazer valer a lei recorrendo ao “chicote”.
No Brasil a lei de jogos de torcida única foi implementada no estado de São Paulo, com os emblemas lendários Palmeiras, São Paulo, Corinthians e Santos a sofrerem desta consequência derivado de acções violentas entre adeptos. Enquanto que o Comando Operacional de Lisboa afirma que essa nova lei tem ajudado e muito no controlo e prevenção da violência, decrescendo em número de ocorrências no recinto de jogo, os vários jornais e investigadores de desporto no Brasil afirmam o contrário, como Flávio Campos da Universidade de São Paulo,
“A torcida única nunca fez sentido. É uma medida pitoresca das autoridades, que causa algum efeito na sociedade, mas não tem nenhum valor prático (…). A violência já existe na sociedade brasileira. Ela só se muda para o estádio de futebol. O que tem que voltar para os estádios é a festa. Mais festa e menos pirotecnia política.”
Outro investigador do desporto, Felipe Lopes revelou mesmo que esta lei já produzida anteriormente na Argentina não “ajudou” em nada o desporto ou a luta contra a violência,
“A maior parte dos conflitos acontecem longe do estádio. Na Argentina, desde a implementação de clássicos com torcida única, houve aumento dos confrontos. Essas brigas entre torcedores ocorrem fora do estádio. Há esse deslocamento espacial dos conflitos”
Curiosamente, e como referem os investigadores ou imprensa canarinha, os maiores problemas não se registam em situações no estádio, mas sim em locais distantes dos recintos desportivos ou em redor do mesmo.
Relembrar a violência provocada por adeptos e claques passou pelos confrontos em plena Lisboa na noite de 24 de Abril. As cenas de pugilato deram-se junto ao Estádio da Luz que terminou com a morte de um adepto italiano, vítima de um atropelamento por parte de um dos elementos dos No Name Boys. O SL Benfica ou Sporting CP nunca tentaram responsabilizar os seus adeptos pelos incidentes provocados, protegendo até os prevaricadores, ocultando informações e, principalmente, os nomes dos envolvidos que ainda hoje devem entrar nos estádios de forma livre e “inocente”.
Outra situação de violência ocorreu em Alcochete com a invasão de adeptos, alguns com ligações à Juveleo (esta ligação ainda está a ser alvo de investigação), para atacar a própria equipa num sinal claro de escalonamento de violência provocado por adeptos.
No fim, por mais que a Polícia de Segurança Pública e as autoridades façam um esforço sério para resolver situações, os clubes arranjam forma de contornar a lei com pormenores técnicos jurídicos que vão isentando criminosos dos seus actos de violência. Por outro lado, por vezes a forma como a PSP faz intervenção no local não é a mais correcta, caso do que aconteceu em Guimarães.
Ou seja, neste momento é uma discussão de “surdos” com a PSP a ter boas intenções baseadas em situações reais (e que têm sido mais comuns do que se pensa) mas com uma atitude extrema, os clubes que continuam a querer responsabilidades imediatas da força de segurança pública sem que haja um compromisso seu sério na prevenção e os adeptos que querem melhor espectáculo mas que uma parte já entra no estádio a pensar em agredir verbalmente ou fisicamente algum dos intervenientes do espectáculo.
É fundamental que os clubes tenham mão pesada para com os seus associados e adeptos, como a identificação e punição com suspensão de presença no estádio em casos de violência, que a PSP perceba que “espectáculos controlados” só vão esconder o problema invés de combatê-lo e que os adeptos deixem cair as “máscaras” da violência e passem a criticar dentro das leis da civilidade que conjugam todos os factores humanos.
Com a retirada de poderes ao IPDJ na identificação e punição aos infractores de jogo e passagem destes mesmos para a mão de uma nova Autoridade, possivelmente haverá outra forma de controlar quem viola as regras do recinto de jogo, sejam os clubes que permitam comportamentos errados de claques (ou que possibilitem o acesso e financiamento a claques não legalizadas) ou particulares que venham em busca de “batalha campal”.
O Croácia-Inglaterra com porta fechada