O Diário do Estagiário 1# Adaptar, adaptar, adaptar!
Esta é uma rubrica onde um treinador estagiário partilha a sua experiência. Num contexto de futebol de formação, onde irá ser confrontado com as diferenças teóricas e práticas, vai procurar compartilhar com os leitores todas as suas vivências.
No 2º episódio desta rubrica (episódio 0# aqui) trago a minha experiência enquanto alguém que teve que mudar de contexto. Por diversas razões, comecei no escalão de Infantis sub-13, mas neste momento estou no escalão de Benjamins sub-11. Não interpretem isto como algo negativo (pelo menos eu não interpreto isto como uma despromoção), porque efetivamente não o é; é apenas diferente, e isso tem de ser realçado.
Essencialmente, aquilo que me apraz dizer sobre esta mudança é que cada contexto é diferente. Mesmo dentro do mesmo clube e passando apenas de um escalão para o outro. Tudo é diferente. Desde o planeamento à operacionalização. E mais uma vez, não é negativo, nem um é melhor do que o outro; apenas é diferente.
Passei 6 semanas com a equipa de Infantis e respetiva equipa técnica e mesmo sabendo que esta mudança poderia acontecer, decidi dedicar-me a 100%. Envolvi-me o mais que pude com os atletas e criei uma ligação com os outros treinadores. Acima de tudo, fomo-nos habituando uns aos outros. Alinhámos o nosso pensamento quanto ao planeamento, assim como para a operacionalização do treino.
Posto isto, é natural que a mudança custe. Foi um novo começo. Sensivelmente a meio do mês de outubro, passei a integrar a equipa técnica de benjamins e todo este processo de me envolver com a equipa técnica, conhecer jogadores e tudo mais, teve que voltar a acontecer. E é importante que isto aconteça. Para mim, mesmo sendo um mero treinador estagiário, faz todo o sentido estar ligado, envolvido e em concordância com os vários elementos da equipa técnica. Por agora, com 2 semanas neste escalão o balanço é positivo. É um contexto completamente diferente, onde tive que adaptar o meu mindset, os meus objetivos e exigências.
A reflexão que faço agora é que a adaptação foi fundamental. Mas é uma adaptação que tem que começar a ser feita antes de integrar aquele contexto. Os atletas são valiosos demais para estar a agir e só depois refletir como devo agir.
O que é que isto significa? Significa que não posso ir para um treino de benjamins com a mesma exigência que ia para um treino de infantis; significa que aqueles atletas ainda não me conhecem e então eu não posso instruir e corrigir da mesma maneira como se eles já me conhecessem; significa ainda que eu não posso querer ter a mesma influência no planeamento e operacionalização dos treinos que tinha no outro escalão, porque tenho que respeitar modo de funcionamento desta equipa técnica – e tudo isto tem que ser pensado antes de ir para o treino. Tem de haver um planeamento de como me vou comportar.
Para mim, faz todo o sentido esta adaptação. E foi uma adaptação que fui fazendo através de reflexões com o meu orientador profissional e com outro colega, que me levaram à conclusão de que por mais que gostasse de estar naquele contexto, tinha que encarar esta mudança como algo positivo e que tinha que me adaptar às diferenças que iria encontrar.
Fechado a tema da mudança de contexto, resta-me tocar noutros 2 pontos fundamentais neste mês. Primeiro, falar-vos da instabilidade que qualquer treinador estagiário (de nível I) está a viver. Com toda a situação pandémica que vivemos, o futebol de formação está em risco (pelo menos as suas competições). Posto isto, o IPDJ lançou um comunicado que faz referência a que os treinadores estagiários de nível I possam, excecionalmente nesta temporada, estagiar em qualquer escalão.
O problema está no cancelamento das competições (ou até mesmo treinos), já que para ter o seu estágio validado, qualquer treinador, necessita de estar presente nas fichas dos árbitros (permitam-me a explicação informal e lata). Sendo assim, todos os estagiários teriam que ser colocados em contextos de futebol sénior que esteja a competir. A reflexão que faço é a seguinte: – e faço a mesma recomendação para o leitor – haverão equipas suficientes para tantos estagiários?; poderá haver mais que 1 estagiário em cada equipa?; como conseguirão os estagiários da via académica estar presentes nos treinos se, na sua larga maioria têm aulas de manhã?
São questões que a Federação Portuguesa de Futebol e o IPDJ estarão, certamente, a tentar esclarecer entre si, mas que causam imensa instabilidade, incerteza e insegurança aos vários estagiários, já que hoje estão num contexto, mas amanhã podem ser obrigados a estar noutro.
O outro assunto que ainda vos quero trazer, está relacionado com parâmetros técnicos. Porque também me faz sentido trazer-vos alguns inputs mensais sobre esta temática. Após a reflexão que fiz, tenho que destacar algo no processo ensino-aprendizagem. Porque muitas vezes achamos que ao ensinarmos certos conteúdos, e que alguns atletas conseguem dominá-los, generalizamos esse domínio a todo o grupo.
Ora, entrando eu para este contexto no 3º microciclo deste mesociclo (na 3ª semana deste mês, trocando por miúdos) já teríamos passado a fase aquisitiva. Isto é, o foco não seria em ensinar as bases aos atletas, mas sim passar já para algo mais complexo. Não obstante, na reflexão que fiz apercebi-me que muitas vezes não podemos ter medo de passar mais tempo na fase aquisitiva, até termos a certeza de que a maioria do grupo já está pronto para seguir para a próxima fase.
Ou seja, se precisarmos de mais tempo para ensinar aquele conteúdo, que o façamos. Porque não há pressas. Não há pressas em que um miúdo de 9 anos saiba todos os critérios de êxito da contenção. Se num mês só conseguirmos ensinar 1 ou 2, que o façamos, o importante é que o façamos com critério e pertinência.
E assim termino o episódio 1#. A adaptação foi a palavra de ordem, mas sem esquecer o essencial: os jovens.