As Crónicas do Sr. Ribeiro: Se eu soubesse o que sei hoje…

Fair PlayFevereiro 27, 20184min0

As Crónicas do Sr. Ribeiro: Se eu soubesse o que sei hoje…

Fair PlayFevereiro 27, 20184min0
O Sr. Ribeiro tenta enviar uma mensagem para o seu "eu" passado com truques de como trabalhar com o árbitro. A relação jogador-árbitro e aprendizagem

Perguntam-me, de vez em quando, o que mudaria enquanto jogador se já fosse árbitro. Não é fácil a resposta. Nunca fui jogador de árbitro.

O árbitro era uma figura que estava lá no campo. Ele fazia o trabalho dele, eu o meu. Um bocado como os polícias e ladrões. Como eu era bandido, ou tinha a mania, mesmo quando era acusado de algo que não fiz, aceitava como karma.

Era neste jogo do gato e do rato que jogava. Tentar esconder o mal que fazia e não chatear no resto. Pedir para inverter faltas não funciona. E fazer pressão para apitarem a nosso favor, não era muito o meu género. Preferia, então, dar espaço e tentar adaptar a minha equipa ao árbitro do dia.

Foi aqui que falhei.

Se soubesse o que sei hoje, tentaria adaptar o árbitro à minha equipa. Aproveitava bem o protocolo para colocar questões. Estudaria as faltas que mais nos marcam, com as quais eu não concordava, por um lado, e as que sei que as outras equipas mais fazem, por outro. Pegava nestas faltas e falaria com o árbitro.

– Desculpe, se o pilar esquerdo deles empurrar de lado na mellee, e eu, em consequência, me levantar marca falta a qual dos dois?

Com uma resposta, fosse qual fosse, vinculava o árbitro a uma decisão. Obrigava-o de antemão a pensar na situação concreta e já tinha a solução.

E teria maneira de me defender. Assim, logo que o pilar deles borregasse, eu levantaria, ou mergulharia de cabeça – consoante a resposta dada pelo árbitro – de modo a chamar a atenção para a falta inicial.

É como fazer um teste com consulta. Eu já sei como vai ser a resposta! Pensem bem, como jogadores, treinam dias a fio determinadas situações. No dia de jogo, é suposto que estes actos saiam de forma automática. Tudo o resto tem de ser pensado e executado o mais rápido possível.

Daí os treinadores tentarem cobrir tanta coisa nos treinos, das touches ofensivas às defensivas. Simulam-se ataques, anteveem defesas, tudo de modo a criar automatismos para quando as situações ocorrerem no campo não se perder tempo na sua análise.

Passa-se o mesmo com os árbitros.

A dificuldade inicial de seguir o jogo, sem seguir apenas uma equipa, é conquistada pela criação de pequenas Check-lists.

Cada situação tem um determinado número de operações que importa clarificar, por exemplo, a mais básica (e que foi alvo de discussão na formação de árbitros), a placagem.

Numa simples placagem, daquelas em que corre tudo bem, eu percorro os seguintes passos, por ordem cronológica, até à formação do ruck:

1 – Placagem boa?

2 – Placador larga?

2.1 – Placador sai da zona de placagem?

3 – Placadores assistentes largam?

4 – Placado tenta tornar a bola disponível de imediato?

5 – Defesa que tenta disputar a bola, entra pela porta?

5.1 – Está em pé?

5.2 – Ainda não há ruck quando agarra a bola?

Só passo de ponto quando valido o ponto anterior. Por isso até ver que o placador e o placador assistente largam o placado e deixam a zona limpa, não estou preocupado em saber se o placado disponibiliza a bola.

Vou de check em check. Validando, e tentando comunicar aquilo que pretendo ver do outro lado, de modo a que não haja faltas e o jogo siga rápido. Mas esta é apenas uma das minhas check lists. Poderia fazer mil. Um milhão.

E, tal como os jogadores e treinadores, a cada jogo há ainda um sem número de situações que eu vejo pela primeira vez. Umas de fácil análise, outras pedem resposta rápida.

Por este motivo, a conversa inicial que tenho com os jogadores pode ser uma grande vantagem. É o sítio certo para adicionar pontos à check list, para alertar para situações que se calhar o árbitro não está atento.

Coisas que podem ser simples, mas se sabia, por exemplo, que a equipa com quem ia jogar carrega sempre na touche quando a bola ainda está no ar, deveria ter perguntado ao árbitro, antes do jogo, em que momento podem subir os jogadores da touche. Assim ele ficaria alerta e vinculado ao que me disse.

Ou, pegando na check list do ruck, aumentar um ponto, para os casos em que o defesa não disputa a bola, de verdade, e apenas coloca as mãos para depois pedir a falta.

Há tantas situações, tanta informação que tem de ser processada tão rápido, que o ideal é sabermos como vai ser analisada e chamar a atenção para o que queremos que seja visto.

Assim, acho que se soubesse o que sei hoje, como jogador procuraria saber mais sobre cada árbitro e sua forma de arbitrar.

Foto: Filipe Monte Fotografia

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