A luta pela igualdade/equidade e a teimosia da misoginia desportiva

Francisco IsaacAbril 7, 20218min0

A luta pela igualdade/equidade e a teimosia da misoginia desportiva

Francisco IsaacAbril 7, 20218min0
A misoginia e sexismo continuam a ser palavras presentes no desporto mundial e Francisco Isaac prova que continuam a ser problemas actuais neste artigo

Quando uma final devia ser celebrada pelas melhores razões, eis que uma atitude de baixo teor manchou um jogo que já por si tinha sido envolto em polémica, quando José Faria, treinador dos sub-23 do Leixões, decide atacar a jornalista do Canal 11, Sofia Oliveira, evocando um discurso pautado por um machismo, misoginia e sexismo profundo, que deverá preocupar todos os intervenientes,

“Que há pessoas que não andam no futebol, que pensam que andam… As Sofias desta vida têm de aprender muito para andar no futebol, porque o futebol tem de ser dos homens do futebol.”

Concordando ou não com a opinião ou trabalho jornalístico de Sofia Oliveira, nada mas nada pode permitir que um treinador de uma equipa sénior/formação de qualquer outro escalão tenha o à vontade para tecer comentários machistas ou misóginos, mesmo que tenha acabado de perder uma final ou jogo importante. Se o treinador dos sub-23 do SC Leixões tinha algum reparo ou reclamação a fazer perante o trabalho da jornalista em causa, então bastava ter comunicado um protesto junto das entidades competentes (ao contrário do que uma parte da população gosta de pensar, a justiça funciona e é ela que estabelece a linha entre os comportamentos certos, legais e injustos e os errados, ilegais e injustos) e feito, se desejasse enveredar por tal caminho, criticar não a mulher Sofia Oliveira, mas a jornalista e o papel da mesma no pós-jogo.

Contudo, este comportamento não é único ou raro, pelo contrário, já que há bem pouco tempo Ricardo Ferretti, treinador dos Tigres do México, fez questão que primeira falavam as mulheres e depois os homens, perdendo a postura e estribeiras quando os restantes jornalistas começaram a criticar ou questionar este comportamento/decisão, proferindo uma série de obscenidades desnecessárias, ainda mais para uma figura pública e que é olhado por outros como um exemplo. Alguns poderão achar que as palavras deste treinador experiente são o contrário da misoginia, quando na realidade encaixam na perfeição no idealismo do comportamento machista nestes termos em que as mulheres, como são inferiores, devem ter direito a esta benesse quase milagrosa, pondo de lado o mérito e os termos da igualdade ou equidade do género. Lembrar que os jornalistas estão na condição de jornalistas, e não no papel de homens e mulheres, o que encaminha o comportamento de Ricardo Ferretti para o campo do sexismo, ou seja, uma forma de machismo.

O mundo do desporto é, infelizmente, dominado por um sentimento machista e conservador que tem vindo a ser combatido e modificado nos últimos 20/30 anos, com o crescimento e aposta nas mulheres, seja em torneios, ligas, anúncio ou outro tipo de importância. Contudo, veja-se o caso da selecção feminina dos Estados Unidos da América, considerado um dos melhores conjuntos de todo-o-sempre, com quatro títulos de campeão no FIFA World Cup, dois deles ganhos de forma consecutiva em 2015 e 2019, mas que auferem bem menos que a secção masculina, que apesar de ter alguns jogadores mais conhecidos não conseguem marcar uma ida a um torneio intercontinental desde 2014, seja mundiais ou Jogos Olímpicos (Copa América em 2016 não conta, uma vez que foram convidados e não tiveram de atravessar qualquer fase de qualificação), tendo perdido o torneio CONCACAF Gold Cup no ano de 2019.

Como é que bicampeãs mundiais têm menos condições ou benefícios em comparação com uma selecção, que não consegue ter domínio entre os seus pares da América do Norte ou Central? As palavras de uma das lendas vivas do futebol feminino, Megan Rapinoe, são prova do tratamento diferenciado que ainda hoje sente,

“Eu fui e sou desrespeitada, rebaixada e alvo de preconceito porque sou uma mulher.”

Podendo não ser um caso gritante para uma parte dos leitores, então vamos ao exemplo do que se passou na NCAA 2021. O maior torneio universitário desportivo dos Estados Unidos da América, denominada por NCAA, foi exposto como uma competição onde existe uma evidente desigualdade de género que tentou ser mascarada ou pintada com outra tonalidade durante os últimos anos, tendo esta ilusão caído quando várias das atletas e membros de staff das equipas femininas ou do género feminino mostraram imagens quer dos ginásios, zonas de pequeno-almoço, quartos, dos gift bags da organização e, também, no lidar com jogadores ou treinadoras que fossem mães (estas para trazerem os seus bebés para dentro da bola, tinham de retirar alguém da comitiva já que a criança contava como 1 pessoa, não querendo abrir espaço para excepções ou para o contexto dos envolvidos).

O investimento nas modalidades femininas na NCAA tem sido claro e manifestamente retrógrado, não transmitindo a maioria dos jogos quer online ou na televisão, impedindo assim de se dar um crescimento maior nesta secção, em favor de desviar todos os grandes e potenciais investidores na direcção dos homens, abrindo assim espaço para mais desigualdade. Basta ver os factos apurados por várias cadeiras de informação dos EUA (compiladas pelo programa de sátira política, Daily Show) para entender a extensão do problema.

Os constantes casos de abuso sexual na ginástica, natação ou noutras modalidades, seja do patamar mais baixo até ao nível olímpico acontece em qualquer um dos continentes, surgindo repetidos casos desse género e que durante bastante tempo não receberam a atenção devida, pois poderia pôr em causa o aparente sucesso, investimento e categoria conquistada. Porém, este sucesso custou demasiado caro às atletas abusadas, seja física ou mentalmente, levando a depressões, suicídios e outros fins impróprios para uma pessoa que pelo seu mérito e qualidade não mereciam ter chegado a esse ponto, não querendo uma parte dos envolvidos, sejam adeptos, comentadores, atletas, dirigentes ou investidores, ver isto como machismo/misoginia ou sexismo, mas sim como perversão sexual individual e de que a culpa não está num sentimento generalizado e enraizado no subconsciente.

Outras modalidades sofrem do mesmo mal, como o rugby em que os ataques veementes de adeptos contra jornalistas se fazem valer todos os dias nas redes sociais, chegando ao ponto de enviar mensagens privadas com ataques pessoais e ameaças, sem esquecer o constante desmerecer por parte de alguns jogadores perante as tentativas de crescimento das suas colegas. Na Argentina, país que ocupa um lugar no Tier 1 do World Rugby, o rugby feminino é alvo de atropelos ou esquecimentos constantes, e prova disso é a ausência de qualquer estrutura minimamente boa pelo país das Pampas ou pela ausência de promessas eleitorais para o rugby feminino de Agustín Pichot durante a sua candidatura à World Rugby.

Curiosamente, quando há um “aquecer” das emoções, como no caso de José Faria, Ricardo Ferretti, Jorge Jesus (lembrar o que disse à jornalista Rita Latas em Dezembro de 2020) ou Sinisa Mihajlovic a verdade é que esse sentimento ou postura vem para fora e tem as mesmas ideias, partilhando assim uma concepção de que o desporto é um veículo tóxico do machismo exacerbado e destrutivo, fazendo quase troça de como uma mulher pode ser jornalista, treinadora ou com outro tipo de função pelo mérito, achando que estas só chegam a elevados patamares por “pena” ou outro tipo de milagre.

É ver como um emblema histórico como o Leixões SC veio defender o treinador, distorcendo o que foi dito numa conferência de imprensa pública, numa tentativa de tirar a violência às palavras proferidas por José Faria, desmerecendo assim as críticas do machismo e sexismo perpetuado pelo seu funcionário. O papel das instituições é fundamental para que se comece a colocar não só um fim a estes comportamentos, atitudes e pensamento, como também de emergir uma nova educação desportiva, de necessidade de se valer pela igualdade e equidade, e tentar dar a mesma visibilidade a todos aqueles que desejem chegar mais longe no âmbito desportivo, social ou laboral.

O desporto para se tornar um veículo positivo de valores e pensamentos, de local idílico para uma parte da educação humana, tem de procurar soluções para estabelecer uma “casa” em que todos são realmente tratados como iguais independentemente do sexo, género, raça, etnia, nação ou qualquer outro aspecto. Um sentimento positivo é o expressado por Marco Asensio, que mostra como há vontade de mudança dentro do futebol…

Em nota pessoal, não concordo ou aprecio com grande parte do trabalho actual da jornalista Sofia Oliveira, devido às opiniões da mesma ou os comentários menos positivos que realiza em certas ocasiões. Porém, o discordar da maneira como trabalha ou da qualidade das suas opiniões não dá direito a colocar o seu mérito profissional num nível baixo, nem pode dar a mim ou qualquer outro o direito de inferiorizar ou menosprezar o seu papel. Há manerias de criticar, há formas de pedir retratamento de imagem ou opinião e nenhum desses mecanismos passa pelo machismo, sexismo ou qualquer outro tipo de preconceito.


Entre na discussão


Quem somos

É com Fair Play que pretendemos trazer uma diversificada panóplia de assuntos e temas. A análise ao detalhe que definiu o jogo; a perspectiva histórica que faz sentido enquadrar; a equipa que tacticamente tem subjugado os seus concorrentes; a individualidade que teima em não deixar de brilhar – é tudo disso que é feito o Fair Play. Que o leitor poderá e deverá não só ler e acompanhar, mas dele participar, através do comentário, fomentando, assim, ainda mais o debate e a partilha.


CONTACTE-NOS