A Democracia Corinthiana
Zenon. Sócrates. Casagrande. Wladimir. Futebolistas do Corinthians no início dos anos 1980, que não vinha muito bem nos principais torneios, sobretudo no estadual (Paulista) e no nacional (Brasileiro). Em 1982 são realizadas eleições presidenciais e termina o mandato de Vicente Matheus, com a eleição de Waldemar Pires, que escolhe o jovem sociólogo Adilson Monteiro Alves como director de futebol.
A nova direcção vinha com novas ideias na gestão do futebol profissional do clube, que procurou ouvir os atletas e demais colaboradores, sobre prioridades, contratações, demissões e até mesmo, contratações! Todos os votos tinham o mesmo peso. Como líderes do grupo – mas sobretudo porta-vozes -, os quatro jogadores supracitados logo ao início do texto. Com isso, o movimento ficou conhecido como “Democracia Corinthiana”. Era de facto um sistema bastante diferente e inovador em um Brasil da primeira metade dos anos 80, que vivia o fim do regime de excepção. Era a vontade em executar e viver em um sistema democrático, muito desejado pela maioria dos brasileiros. Simultaneamente, surgiam pelo país manifestações pelas realizações de eleições livres e directas para Presidente da República, conhecidas como “Diretas Já”.
A equipa não apenas inovou neste aspecto, mas também com o auxílio de jornalistas e publicitários, passou a carregar nas camisolas, mensagens de cunho político, como: “Democracia Corinthiana” e “Dia 15 vote” (em referência às eleições directas para governador do Estado de São Paulo, a primeira em 17 anos). Ademais, entravam em campo com faixas que ostentavam lemas que ficaram eternizados: “Ganhar ou perder, mas sempre com Democracia”. Todas estas referências conquistaram os adeptos do clube, uma vez que seu principal e mais grande movimento organizado (torcida organizada), os “Gaviões da Fiel”, foi criado em 1969 como grupo opositor a um ex-presidente corinthiano (Wadih Helu) que queria estender o mandato (que era desde 1961). É por este motivo que uma das frases que puxa um dos cânticos dos adeptos do “Timão”* é assim:
“Contra todo dictador que no Timão quiser mandar…”
Sob a “Democracia Corinthiana” a equipa foi bem sucedida e conquistou o bicampeonato paulista de 1982 e 1983. O clube também não deixou dívidas financeiras neste período. Toda esta época inspirou a teledramaturgia Brasileira, com a realização da novela “Vereda Tropical” (TV Globo, 1984) em que um dos protagonistas era jogador do Corinthians. A sua repercussão em Portugal inspirou inclusive o nome para uma claque do Sporting, a “Torcida Verde”, em referência às claques do Brasil mostradas na telenovela.
A queda deste movimento foi simultâneo à rejeição do projecto de lei de realização do sufrágio universal para Presidente do Brasil em 1984, que fora adiado para 1989. Sócrates, um dos líderes da “Democracia Corinthiana” prometera actuar no futebol europeu caso este projecto não fosse aprovado. Não foi, e ele partiu para a Itália, jogar na Fiorentina. Estes factores, aliados aos resultados ruins das épocas de 1984 e 1985 fez o movimento perder força, que se encerrou ao final da gestão de Waldemar Pires à frente do clube, em 1985.
Com tudo isso, a “Democracia Corinthiana” sem dúvida alguma deixou um grande legado para a sociedade do Brasil e, apesar da curta existência, é lembrada até hoje por muitos, corinthianos ou não. Página muito importante para a história do futebol do país.
* – alcunha do clube dos tempos das regatas pelo timão que possui em seu distintivo, mas também pelo aumentativo do vocábulo brasileiro time, oriundo do inglês ‘team’