A confusão e discussão gerada pelos prémios The Best 2018

Francisco IsaacSetembro 27, 201811min0

A confusão e discussão gerada pelos prémios The Best 2018

Francisco IsaacSetembro 27, 201811min0
Os prémios FIFA 2018 foram recheados de dúvidas e surpresas, num ano em Modric quebrou com o Império de Messi e Ronaldo. Mas terão sido os The Best mesmo os melhores?

A “poeira” já assentou e depois de alguma convulsão provinda das redes-sociais, já não há grande problema com a atribuição do prémio de Melhor do Mundo, ou como a FIFA designa do seu prémio máximo por “The Best”, a Luka Modric. O croata realizou uma época extraordinária no que toca a gerir tanto o “miolo” de jogo do Real Madrid como da Croácia, sendo uma pedra basilar do sucesso de ambas formações.

O génio de Modric não se viu por golos ou assistências, mas sim pelo requinte que conferiu ao meio-campo, na montagem da ponte entre a defesa e o ataque, na aplicação de pressão à posse de bola do adversário, no comando de linhas-de-apoio, na leitura tanto ofensiva como defensiva, na genialidade em dar outra forma e contorno às equipas por quem jogou.

Mas, durante anos a fio a FIFA e quem votava nos prémios confundiu o Melhor do Mundo com quem marcava mais golo/fazia mais assistências ou quem ganhava mais títulos e recordes no espaço de uma época. Atenção que estas linhas-gerais não estão de todo erradas, o Melhor deverá estar pelo menos em uma destas categorias e, em caso que exista mais do que um nessa situação, entram outros dados importantes para a decisão final.

DIZ-ME COM QUEM ANDAS, DIR-TE-EI EM QUEM VOTAS

Seleccionadores, jornalistas, capitães de selecções e adeptos (estes com um poder de 25%) escolhem o top-3 de cada categoria dos prémios Best da FIFA e a soma dos votos atribui um posicionamento a cada um dos nomeados. É um sistema fácil, apesar de não estar isento de influência exterior, uma vez que os capitães e seleccionadores dão forma ao seu voto pela via da familiarização com um jogador/treinador, trocando o Melhor do Mundo pelo Melhor colega, pupilo ou pelo puro “patriotismo”.

A favor dessa situação há o voto atribuído pelo capitão da Holanda e jogador do Liverpool, Virgil van Dijk que apostou em Mohamed Salah para melhor do Mundo. Cristiano Ronaldo, mesmo com saída acertada para a Juventus, deixou o seu voto em Raphaël Varane companheiro seu do Real Madrid… o central francês ganhou os títulos mais importantes tanto pelo clube como selecção, mas não dificilmente entra na lista do top-15 Mundial real.

Em oposição a este tipo de votação há dois exemplos claros: Carlos Queiroz e Gareth Southgate. O seleccionador do Irão não votou em Cristiano Ronaldo, preferindo Luka Modric, Lionel Mbappé e Eden Hazard (5,3 e 1 votos respectiamente), lembrando que estes votos do Irão são conferidos por uma deliberação democrática com os treinadores da liga iraniana. E Gareth Southgate, o homem que guiou a Inglaterra a um improvável 4º lugar, não deu qualquer voto aos seus comandados, optando por Modric, Varane e Hazard, o que prova que há uma identidade humana por detrás de um treinador.

Ou seja, Carlos Queiroz não é obrigado a votar em Cristiano Ronaldo (ou a influenciar os seus pares iranianos nesse sentido) só porque é português ou por ter já guiado a selecção Nacional, assim como Southgate não tem que votar num jogador da Sua Majestade se não sente que mereceram tal voto (aqui também pode ser visto como uma forma de preservar a equipa e a união de grupo, não destacando uma individualidade).

Contudo, notou-se um clima estranho em redor de Cristiano Ronaldo durante o ano de 2018, com a promoção de imagem de alguns jogadores para tentar ombrear com o avançado português: Eden Hazard, Luka Modric, Harry Kane, Neymar Jr ou Mohamed Salah foram sendo empurrados pela imprensa e colegas de equipa ou ex-jogadores no sentido que este ano era o ano deles e que mereciam o prémio, apesar de reconhecerem que Cristiano Ronaldo continuava a dominar na Liga dos Campeões ou que Lionel Messi foi importante, senão decisivo, na conquista da La Liga. Montou-se um ambiente de que era a altura certa para “tirar” os extraterrestres da redonda do seu pedestal e colocar uma nova figura no seu lugar, pelo menos durante um ano.

Neymar Jr caiu rapidamente desse pico tanto quando o Paris-Saint Germain caiu da Liga dos Campeões ou quando o Brasil foi eliminado pela Bélgica. Harry Kane não foi genial no Mundial, não tendo uma observação sensacional no final. Eden Hazard teve um ano “encolhido” no Chelsea (com o belga a apontar o dedo a Antonio Conte) mas realizou um Mundial de bom nível, só que pareceu estar sempre na sombra de Kevin De Bruyne (ganhou a Premier League, em que foi um dos melhores citizens e foi um dos atletas que carregou a Bélgica até ao 3º lugar) nesse processo. E Salah acabou por não levantar qualquer título, realizando um Mundial amargo onde ainda anotou dois golos, mas abaixo das expectativas devido à tal lesão complicada sofrida na final da Liga dos Campeões.

Quem resistiu? Luka Modric. É imperial que os adeptos que gostam de futebol reconheçam o valor do croata e do seu “peso” no Real Madrid e Croácia. Sem ele, a selecção os axadrezados não tinham feito História ao atingir a sua melhor classificação de sempre no futebol… foi a “ferramenta” que pôs todo o sistema a rodar, movendo as peças como quem quer fazer xeque-mate com calma e tempo.

A JUSTIÇA AO CROATA QUE FALHOU AOS REIS DE ESPANHA E AO PRÍNCIPE DA HOLANDA

Perante os feitos da Croácia, Luka Modric acabará por ter uma boa parte do Mundo a votar no seu nome, sendo a imagem daquele mágico, dotado de dois pés e de uma cabeça sem igual no futebol da actualidade. De uma forma curiosa, podemos comparar Modric a Iniesta, um dos grandes obreiros do sucesso do FC Barcelona e da Roja nos últimos 10 anos. Todavia, ao contrário de Andrés Iniesta ou até de Xavi, Modric conseguiu meter-se no meio de Cristiano Ronaldo e Messi, somando um título que nenhum dos espanhóis vai alguma vez poder ter no seu medalheiro.

E talvez aí é que está o maior “crime” da FIFA nestes prémios do Ballon D’or (até 2016)/The Best: não te conferido o título de Melhor do Mundo a jogadores como Andrés Iniesta ou Wesley Sneijder. Claro exemplo é o do holandês. Em 2010, o médio-ofensivo foi um dos grandes “obreiros” do sucesso internacional do Inter de José Mourinho, levando os italianos até ao título máximo do futebol Mundial. Ganhou a Serie A e a Liga dos Campeões, para depois no Mundial 2010 levar a selecção holandesa à final da compeitção, numa altura em que Lionel Messi e Cristiano Ronaldo estavam “jovens” e prontos a desafiar nomes como de Diego Maradona ou Pele na competição máxima de selecções.

Ambos fracassaram e no final a Holanda lá chegou à final frente à Espanha de Xavi e Iniesta. Perante o domínio avassalador da formação espanhola, a Holanda sucumbe e Sneijder acaba como vice-campeão Mundial. Por incrível que pareça, o holandês nem no top-3 ficou nos prémios FIFA, terminando atrás de Lionel Messi (22%), Andrés Iniesta (18%) e Xavi (14%), olhando totalmente de lado a influência do mágico formado no Ajax.

Não foi suficiente para destronar Lionel Messi e para Xavi e Iniesta também não foi suficiente aqueles seis anos de domínio da Espanha que por acaso nunca coincidiu com a conquista da Liga dos Campeões na mesma época (ambos ganharam Liga dos Campeões em 2005/2006, 2008/2009, 2010/2011 e 2014/2015). Mas perante o que Xavi e Iniesta mudaram no paradigma do futebol mundial, da categoria que conferiam às suas equipas e dos bons números que apresentavam, o facto de nunca terem ganho um Ballon D’Or (o prémio The Best já ficou fora do “tempo” de ambos) é a demonstração que algo mudou com Luka Modric.

As condições criadas para o croata não foram as mesmas para Wesley Sneijder, Andrés Inista e Xavi Hernández, que acabaram por ficar à sombra dos monumentais Cristiano Ronaldo e Lionel Messi. Ironicamente, tanto Messi como CR7 mereciam talvez ter ganho tanto pelos números obtidos em golos e assistências (por incrível que pareça, Cristiano Ronaldo terminou com tantas assistências como Modric) e pelos títulos.

No final de contas, a presença da Croácia na final contou mais que ser Bota de Ouro e vencedor da La Liga ou de quem foi o melhor marcador da Liga dos Campeões assim como o  seu vencedor. Deu-se a Luka Modric, aquilo que os vários protagonistas do futebol mundial não tiveram coragem para dar a Xavi, Iniesta ou Modric. E ao fazer-se isso, gerou-se um burburinho ensurdecedor à validade dos prémios ou da forma como são escolhidos os nomeados/vencedores.

SALAH LEVA O PUSKAS… COM UM GOLO QUE NEM O “P” MERECE

Mas o barulho mais desconcertante foi para a eleição de três prémios que convergiram em dois sectores: avançados e guarda-redes. No trio do 11 do Ano para FIFA, Mohamed Salah que teve um extraordinário acabou preterido por Hazard-Ronaldo-Mbappé,. Super-goleador, futebol imenso, magia a triplicar, Salah parecia bem cotado para fazer o improvável de ganhar o The Best, mas para isso precisava que o Liverpool ganhasse a Liga dos Campeões e que o Egipto chegasse a umas meias-finais do Mundial.

Ao não acontecer, não ganhou. Mesmo assim terminou no top-3 do The Best, atrás de Luka Modric e Cristiano Ronaldo. Mas esse feito histórico de um jogador egipcio de ficar no pódio dos Melhores do Mundo de nada lhe valeu na hora de formar o Melhor 11… Salah foi “esquecido” depois de uma época extraordinária. Levou para casa o prémio consolação, pelo golo marcado frente ao Everton… ironicamente, foi dos golos mais “comuns” do Egípcio em 2017/2018.

Infelizmente, o Prémio Puskas funciona através de votantes online e não de analistas ou especialistas na matéria. Ou seja, bastou que metade da população do Egipto votasse em massa para ganhar Salah… Cristiano Ronaldo ficou em 2º com a bicicleta contra a Juventus e Giorgian De Arrascaeta em 3º pelo tento feito frente ao América no Mineirão. O problema aqui adveio de quem nomeou esse golo de Salah, que não merecia de forma alguma estar naquela lista… existiam outros golos do avançado que tinham de estar no lugar do que foi seleccionado.

Por fim, a discussão final gerou-se à volta do Guarda-Redes do Ano e do guarda-redes que entrou no 11 do Ano. Se Thibault Courtois foi o vencedor por unanimidade do painel de especialistas (Vitor Baia, Gordon Banks, Jorge Campos, Rinat Dasaev, René Higuita, Peter Schmeichel eram só alguns desses) faria todo o sentido que entrasse no 11 do Ano. Puro engano… David De Gea acabou por merecer esse título, apesar de ter sido um dos piores da Espanha no Mundial. O espanhol foi agraciado com a nomeação depois de um ano excelente pelo Manchester United (vide aquela exibição com o Arsenal FC para a Premier League) sem ter ganho nada.

Ou seja, os prémios FIFA acabaram por ter dois guarda-redes como os melhores, numa clara discussão interna de quem merecia lá constar. Nestes prémios The Best FIFA 2018 houve uma tentativa de agradar a todos os fãs do Desporto-Rei, de tentar justiçar Iniesta-Xavi-Sneijder (só para dizer alguns) através de Modric, de dar democracia num prémio altamente fácil de “comprar” e de uma confusão geral no 11 do Ano.

Por outro lado, tentou-se abrir outro capítulo em termos de prémios fugindo ao império traçado por Messi e Ronaldo, sem que esse caminho fosse aberto de uma forma limpa e genial, numa tentativa de Gianni Infantino fugir à sombra de Sepp Blatter em termos de do que faz um jogador ser o Melhor do Mundo (se são os títulos, números ou influência). Luka Modric mereceu ganhar? Mereceu. Mas Cristiano Ronaldo não merecia também?

Um dos melhores golos de Salah a época passada… não mereceria este a nomeação?


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