WNBA: A luta e a festa, o CBA e o All Star Game
Jogos das estrelas, os famosos All Star Games, viraram praticamente uma obrigação de qualquer liga esportiva que se considere profissional. Lá pelo meio da temporada regular, elegem-se dois times ideais que duelarão por um troféu simbólico. Embora o formato tenha se desgastado na última década, continua vigente, com diferentes abordagens conforme a liga.
A NBA, por exemplo, após anos de diminuição de audiência e desinteresse crescente dos jogadores, implantou um sistema de seleção pelos dois jogadores mais votados pelo público. O modelo cria uma rivalidade e aguça a vontade daqueles jogadores escolhidos no fim, além de jogar responsabilidade sobre os dois capitães. O nível de basquete no Jogo propriamente dito não melhorou muito (mais semelhante a um rachão descontraído e sem intensidade alguma), mas acabou copiado pela WNBA.
Os empréstimos entre as duas ligas profissionais de basquete estadunidenses não são novidade; o surgimento da WNBA, por exemplo, teve participação essencial de David Stern, então comissário da NBA, com muitas franquias masculinas duplicadas para o feminino. Com o passar dos anos, a relação simbiótica foi se enfraquecendo, com muitos donos abrindo mão das contrapartes femininas e ampliando a autonomia (à custa de perdas de marketing e visibilidade) da WNBA.
Há dez anos, os comentários majoritários eram de que a WNBA não gerava lucro e por isso a disparidade dos salários entre os atletas e as atletas. A cada comparativo dos salários das estrelas das duas ligas, choviam “explicações” das razões – sempre apontando a baixíssima atratividade da WNBA. Sem um momento de inflexão, antes um processo lento e árduo, a narrativa foi sendo mudada – o fator principal foi a atuação crescente das jogadoras no debate e nos rumos e decisões da liga.
She literally couldn’t get off of her anytime you spotted Angel the pink hair was right there #StudBudz #AngelReese pic.twitter.com/s6turcsstv
— Jea (@Vjeajea) July 18, 2025
O All Star Game da atual temporada da WNBA, realizado no último final de semana em Indianápolis, sinaliza a guinada. A começar pelas escolhas dos dois times pelas capitãs Napheesa Collier e Caitlin Clark: de um lado, a eminente MVP, bi-campeã olímpica e herdeira do momento de rebaixamento da liga; do outro, o grande ícone pop da nova geração, sensação na mídia e futura armadora dos Estados Unidos, potência na modalidade. Collier, mentora e gestora da liga Unrivaled; Clark, tida como a futura GOAT.
A parada da temporada regular juntou as atletas em Indianápolis e gerou um engajamento impensável para os padrões da NBA. Os ares mudaram, graças principalmente às jogadoras, que produziram momentos memoráveis – a maioria deles fora de quadra. A WNBA cresceu exponencialmente, a ponto de deixar o basquete em segundo plano no final de semana.
A live de 72h transmitida em tempo real pela dupla Courtney Williams e Natisha Hiedeman estourou e chegou a lugares inimagináveis a uma década atrás. Intitulada StudBudz, a dupla do Minnesota Lynx já vinha causando alvoroço, amplificado no Jogos Estrelas. O nome diz muito sobre o conteúdo da live; stud é uma palavra com muitos significados, uma gíria que engloba inclusive conotação sexual e de gênero (algo como ‘garanhão’, no português brasileiro). Sim, duas mulheres queers, de aparência antes vista como masculinizadas, homossexuais, aprontando todas. Não houve uma jogadora que não tenha sido paquerada pela dupla no final de semana; movidas a doses significativas de álcool, elas dançaram com sua técnica, normalmente rabicunda e brava, Cheryl Reeve, levaram fora, foram entrevistadas e entrevistaram… A dupla fez de tudo, inclusive tomar medicação na veia para curar a ressaca. Tudo transmitido ao vivo e movendo as redes sociais massivamente.
#studbudz changed how fans can see#WNBAAllStarWeekend and it SHOWS!!! Thousands have been tapped in from the comforts of home from all over! 💯
We need this every year! Thank you T & Court 🫶🏼🫶🏿 pic.twitter.com/T9onqlnC8a
— GirlChatSports (@GirlChatSports) July 20, 2025
Elas chegaram a dançar com a atual comissária da liga em uma festa; Cathy Engelbert não evitou a dupla (como era de se esperar), mas foi em direção a elas, rindo e provocando. O clima era festivo; em se tratando da geração atual de jogadoras da WNBA, porém, o nível de consciência e objetividade sempre desempenha um papel.
A associação das jogadoras trava uma verdadeira guerra contra a liga e os donos das franquias, os milionários cada vez mais atentos ao engajamento e ao lucro propiciado pela WNBA cuja porta-voz é Engelbert. O acordo coletivo (CBA – Collective Bargaining Agreement, THE CBA | WNBPA) é o contrato, firmado entre jogadoras e sua associação de um lado e os donos das franquia de outro, que rege as obrigações mútuas, estabelece diretrizes por um período de tempo e, principalmente, define a divisão dos rendimentos. O cap space (quantia que um time pode dispender), as faixas salariais, os contratos de transmissão, absolutamente tudo envolvendo dinheiro na WNBA passa pelo acordo.
Pois bem, cientes da atratividade crescente da WNBA, dos índices cada vez maiores de audiência, da ampliação dos valores envolvendo televisão e streaming, da ampliação de franquias na liga, da reverberação envolta nas jogadoras, a associação de jogadoras optou, no final de 2024, em sair do acordo atual e negociar um novo acordo. O embate está sendo travado neste exato instante, em uma queda de braço que ameaça a próxima temporada. Não é difícil de entender o que está em jogo, e a associação tem tido muito sucesso em pautar o debate público sobre o acordo: elas querem receber mais, porque merecem, pois são elas que fazem a liga crescer exponencialmente. “Pay us what you owe us”, claro como água.
A associação de jogadoras politizou-se nos últimos anos e quebrou paradigmas (e narrativas saídas direto dos donos para a imprensa), com conquistas históricas. Ao aumentar os rendimentos em volta da liga, elas exigem mais participação, assim como a mão-de-obra (vulgo, atletas, organizados em torno de uma associação) da NBA conseguiu. Hoje, as jogadoras recebem menos de 10% de todos os rendimentos totais da WNBA, enquanto os jogadores da NBA ganham em torno de 50%!
A desigualdade de gênero é produzida e é contra isso que as jogadoras lutam hoje. Nunca foi para receber o mesmo salário da NBA, mas para ter proporção similar nos lucros. A associação de jogadoras leva a lógica liberal, de negociação entre detentores dos meios de produção (capital) e os (as) trabalhadores(as) (trabalho), a sério. O All Star Game marcou mais um encontro entre as partes para negociar, sem grandes avanços.
Liderando a narrativa, as jogadoras apareceram no jogo com camisetas com o lema da reivindicação; enquanto se entregavam prêmios e entrevistavam, elas portavam cartazes; e, mais inspirador, o público no ginásio reverberou as demandas das jogadoras, durante o discurso da comissária.
It’s the crowd at the end of the WNBA All Star Game chanting “Pay Them” in regards to the players! pic.twitter.com/s0BaXEskyo
— Queer Latifah 🥂 (@TheAfrocentricI) July 20, 2025
Impossível não lembrar da temporada da ‘bolha’, no já distante 2020, quando elas pautaram temas raciais e cobraram resolução de crimes cometidos por forças policiais contra a população negra, notadamente mulheres. Isso durante os jogos, no aquecimento e nas entrevistas. Quem se lembra do elenco do Atlanta Dream vestindo camisetas em apoio ao candidato negro do Senado pelo estado da Georgia, que concorria contra uma das donas do time?
As jogadoras estão na trincheira sem abrir mão de sua identidade, diferente da contraparte masculina, onde predomina uma pasteurização que afasta o público. Na WNBA, por sua vez, elas não se adequam às expectativas sociais e estereótipos batidos, antes afirmam sua espontaneidade. A vantagem narrativa obtida na negociação até aqui decorre da aproximação com o público, possível pela afirmação da autenticidade. Elas lutam sem abrir mão da diversão e de si próprias, conectando-se a um público cada vez maior. Parte da crítica acredita que, ao aumentar o dinheiro, essa postura diminuirá, mas essas são cenas dos próximos capítulos, que só ocorrerão se a associação de jogadoras obtiver êxito na negociação do novo CBA.
Maiores responsáveis pelo crescimento da liga, exigem agora sua parte devida na divisão dos lucros. A cada movimento, demonstram a validade da velha frase ‘Trabalhadores do mundo, uni-vos!’. Com tanta coisa em jogo, o basquete no final de semana das estrelas ficou em segundo plano (o time de Napheesa Collier venceu o de Caitlin Clark, que não jogou, por 151 x 131).