Tóquio 2020 – até onde pode ir o sonho do andebol português?
Após a peripécia do 1º voo, que foi cancelado por causa da greve na GroundForce, a selecção nacional lá conseguiu chegar a Tóquio no Japão, conhecendo já a aldeia olímpica que, este ano, tem camas feitas de cartão reciclado e que estão preparadas para aguentar desde os mais leves aos maiores e mais pesados atletas das diversas modalidades.
Vários são os atletas que já testaram estas camas anti-sexo, conforme diz a organização.
For scientific purposes, Mexican athletes testing the anti-sex beds ?
— Wiso Vazquez (@WisoVazquez) July 22, 2021
A convocatória final para Tóquio saiu no dia 16 de Julho. No último artigo aqui na Fair Play, tentei fazer um pouco de futurologia sobre quais seriam os escolhidos do professor Paulo Pereira (podem recordar aqui neste link).
Com espanto para alguns, ou talvez não, o seleccionador nacional deixou de fora Gilberto Duarte, jogador experiente e que, devido a uma lesão, terminou a época mais cedo e estava sem ritmo competitivo, optando por levar Alexandre Cavalcanti no seu lugar. Uma escolha acertada e que premeia a boa época do jovem português do Nantes (que disputou a final four da Champions League). Cavalcanti é mais novo e estava em melhores condições físicas que Gilberto, o que, para uma prova que nos vai obrigar a disputar 5 jogos em 9 dias, é o mais indicado, sendo que, ofensivamente, oferece mais que Gilberto Duarte.
Ao invés dos 15 convocados que a grande maioria das nações qualificadas têm apresentado (algumas levam 16), Paulo Pereira optou por convocar 17 jogadores para Tóquio. Destes 17, Manuel Gaspar e Leonel Fernandes ficam de fora da Aldeia Olímpica e das convocatórias, mas estão em Tóquio. Ambos treinam diariamente com a equipa (até porque são necessários para trabalhar o 7×6) e ficam de reserva, podendo substituir alguém que se lesione com gravidade e fique de fora dos Jogos.
Uma boa opção por parte do seleccionador, a meu ver. Infelizmente, o azar bateu à porta do jovem Alexandre e este lesionou-se, dando lugar precisamente ao preterido, Gilberto Duarte, que já se encontra com a equipa, tendo chegado a Tóquio apenas após o jogo frente ao Egipto!
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Gilberto Duarte irá integrar os #HeróisDoMar nesta caminhada ?
Rápidas melhoras para o nosso ?? ?
⬇️ Alexandre Cavalcanti ?
? @gilbs05 ?#letsgovamos #heroisdomar #superportugal #seleçãonacionalandebol #portugal pic.twitter.com/tbogObUm97— Federação de Andebol (@AndebolPortugal) July 22, 2021
Eis o lote final que está em Tóquio:
GK – Gustavo Capdeville, Humberto Gomes e Manuel Gaspar (*)
Pontas – Diogo Branquinho, Leonel Fernandes (*), António Areia e Pedro Portela
Laterais – André Gomes, Fábio Magalhães, Gilberto Duarte e João Ferraz
Centrais – Rui Silva e Miguel Martins
Pivôs – Alexis Borges, Vitor Iturriza, Daymaro Salina e Luís Frade
(*) – De reserva.
Entretanto, a competição já começou. O nosso primeiro adversário foi a poderosa selecção africana do Egipto, a quem nunca tínhamos ganho. Infelizmente para Portugal, a história voltou a repetir-se.
SEM FORÇA PARA OS REIS DE ÁFRICA
Resultado final: Portugal 31-37 Egipto.
O Egipto é uma equipa forte fisicamente, bem orientada por Roberto Parrondo (campeão europeu em 2019 num Vardar em convulsão interna e à beira de falir), com uma defesa forte, uma primeira linha bastante competente e com um pivô experientíssimo e de grande qualidade.
Yahia Omar (lateral) é titular no Vezsprém da Hungria, Hesham (central) é uma das estrelas do Nimes de França, tal como Sanad (ponta). Mamdouh (pivô) joga no Dínamo Bucareste, mas já foi campeão europeu com o Montpellier. Karim Hendawy (guarda-redes) joga actualmente na 2ª melhor equipa da Macedónia (o Eurofarm Pellister), mas já leva muitos anos de andebol europeu e presenças na Champions. Ali Zein (lateral) foi recentemente contratado pelo Barcelona e o experiente Ahmed El-Ahmar (lateral) acabou neste jogo por ultrapassar os 1000 golos ao serviço da sua selecção.
Isto diz um pouco da qualidade desta equipa, que demonstrou, neste jogo, ter sido superior a Portugal.
Foi um jogo duro, intenso e equilibrado, até meio da segunda parte. No final da 1ª parte, terminou tudo empatado a 15, após Yahia ter convertido um livre de 7 metros, já depois dos 30 minutos. Portugal revelou sempre alguma falta de eficácia na hora da finalização e falta de velocidade no seu ataque e nas inversões de posições. Ambas equipas apresentaram-se muito agressivas na defesa, bastante reactivas e pouco “estacionadas” nos 6 metros. Humberto Gomes, Pedro Portela e João Ferraz foram os destaques nesta primeira parte.
Na segunda parte, Portugal entrou melhor, com Rui Silva a assumir as despesas do jogo (face ao apagão de André Gomes), mas, sensivelmente a meio da 2ª parte, o Egipto conseguiu recuperar de uma vantagem de 2 golos e colocar Portugal a 2 golos de distância, fruto de uma maior intensidade defensiva e alguns contra-ataques. Portugal ainda tentou colocar o 7×6, mas falhou na finalização em 2 ataques seguidos e Paulo Pereira desistiu da ideia. A partir daqui, Portugal quebrou física e psicologicamente, com muitas precipitações ofensivas e falta de eficácia no ataque. O Egipto manteve a calma e arrancou para uma vantagem que nunca mais conseguimos recuperar.
Portugal acabou por efectuar mais um remate que o Egipto (48 contra 47), mas revelou-se muito menos eficaz que os egípcios (65% de eficácia contra 79% dos africanos).
Este era um jogo importante para garantirmos a passagem aos quartos de final (teoricamente bastam 2 vitórias) e, sobretudo, para fugirmos ao 4º e último lugar que garante a passagem, mas que nos levaria a disputar os quartos com o 1º lugar do grupo A.
Infelizmente, este jogo mostrou, uma vez mais, algumas das preocupações que foram colocadas a nú nos amigáveis que realizámos antes dos Jogos de Tóquio 2020.
Os jogadores não pareceram estar nas melhores condições físicas e técnicas. Não podemos, nem devemos, descurar que, habitualmente, nesta altura do ano, os jogadores portugueses estão a começar a realizar os habituais testes médicos de início de temporada. Não temos rotinas, nem estamos habituados a jogar este tipo de grandes competições nesta altura do ano.
SOBREVIVÊNCIA GRAÇAS A CAPDEVILLE
Bahrain 25-26 Portugal
No segundo jogo, finalmente a vitória! A nossa primeira em Jogos Olímpicos surgiu frente à também estreante selecção nestas competições, o Bahrain. Muitos pensarão que o Bahrain não é nenhuma potência no andebol, o que não deixa de ser verdade, mas é uma selecção que tem crescido imenso nos últimos anos, bem orientada por um islandês que tem potenciado ao máximo aquilo que tem. Para chegarem aqui, deixaram pelo caminho o Qatar, selecção que chegou aos quartos de final do Mundial de 2021!
Visto que não têm jogadores muito altos ou pesados (neste particular Portugal leva vantagem), a selecção do Bahrain, aposta imenso na rapidez de movimentos, lances de 1×1 e 2×2, e imprevisibilidade de remate. Em termos defensivos, um 5×1 profundo evita que as equipas adversárias consigam fazer o seu jogo e trocas de bolas e posições habituais.
E foi precisamente isso que aconteceu praticamente durante todo o jogo. O Bahrain, fiel aos seus princípios de jogo, criou sempre muitas dificuldades a uma defensiva portuguesa muito estacionada nos 6 metros, o que permitia que os barenitas conseguissem jogar o seu jogo. Eles estiveram quase sempre na liderança do encontro, com Portugal a sentir dificuldades, não só em termos defensivos, como também em termos ofensivos. Nunca nos conseguimos adaptar ao 5×1 apresentado pelos barenitas e só com o 7×6 na segunda parte conseguimos fazer alguma mossa. A falta de eficácia vista frente ao Egipto foi ainda mais gritante, pois Portugal chegou a ter, em dada altura do encontro, uma percentagem de apenas 50% de concretização (terminamos com 59% contra os 53 do Bahrain).
Felizmente para nós, sensivelmente a meio da segunda parte começou a surgir Gustavo Capdeville na baliza portuguesa, que, com as suas defesas, começou a elevar o moral e a confiança das desmoralizadas tropas portuguesas. Portugal aumentou o ritmo, tornou o seu ataque mais móvel e, na defesa, Gustavo ia segurando a equipa.
O final do jogo foi dramático! O Bahrain tinha posse de bola para ganhar (o jogo encontrava-se empatado a 25), com cerca de 1 minuto de jogo para acabar, e Portugal encontrava-se com menos 1 jogador, devido à exclusão de Salina, mas um roubo de bola e um contra-ataque a 3 permitiu a Pedro Portela finalizar e colocar Portugal na frente por 26-25 a sensivelmente 30 segundos do fim. O seleccionador islandês pediu um time-out para delinear a jogada final que lhes poderia valer o empate.
Nesses 30 segundos, os jogadores do Bahrain conseguem ganhar um livre de 7 metros a 12 segundos do fim, mas quis o destino que o desfecho deste jogo fosse o mesmo que o do Suécia-Bahrain: os barenitas, a perderam por 1, tiveram um livre de 7 metros que lhes permitiria empatar o jogo (no jogo frente à Suécia, o livre foi mesmo marcado já depois do tempo ter terminado), mas falharam-no em ambas as situações. Ao invés de 2 empates, o Bahrain fica com duas derrotas por apenas um golo.
Portugal livra-se de boa e consegue, assim, a sua primeira vitória, arrancada a ferros, fruto de muito esforço por parte de todos, mas com a sua dose de sorte. Gustavo Capdeville acabou por ser o herói do jogo, com 13 defesas em 30 remates (43% de eficácia) e Pedro Portela o nosso melhor marcador com 6 golos em 8 remates.
?? As nossas estrelas nesta tarde de vitória olímpica ?⤵️
? MVP – Gustavo Capdeville
? Top Scorer – @pedroportela_4
? Citação – @frade_98 #letsgovamos #heroisdomar #superportugal #portugal #vamoscomtudo #andebol #equipaportugal #tokyo2020 @Olympics pic.twitter.com/eNIx27ZRVR— Federação de Andebol (@AndebolPortugal) July 26, 2021
Seguem-se três jogos muito difíceis.
Os próximos dois jogos em Tóquio são frente aos actuais vice e campeões mundiais, Suécia e Dinamarca, respectivamente. Portugal terá que elevar muito o seu nível de jogo, não só em termos físicos, como também em termos técnicos e tácticos, se quiser roubar algum ponto à selecção sueca, visto que não me parece que o consiga fazer frente à super favorita Dinamarca!
Ambas são selecções com grandes pergaminhos na modalidade, experientes, muito fortes física, técnica e taticamente e que contam com alguns dos melhores executantes do mundo nos seus plantéis.
O terceiro e último jogo será frente à selecção da casa, o Japão, uma selecção sobre a qual teremos vantagem de altura e peso, mas que pratica um estilo de jogo semelhante (com as suas devidas diferenças) ao Bahrain. Será imperativo vencer para nos qualificarmos para os quartos de final.
Esta é a classificação actual dos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020.