Torneio JP, a memória de um apaixonado pelo rugby que marca Portugal
O rugby em Portugal tem quase 100 anos de existência (em 2026 fará um século da fundação da primeira associação de rugby em Portugal, a Associação de Rugby de Lisboa), mas poucos são os torneios que conseguiram aguentar mais de 20 anos consecutivos de realizações ininterruptas e neste artigo celebramos a memória de um dos mais emblemáticos do rugby português: o Torneio JP.
Hoje em dia já acrescentou a palavra “internacional” e de forma justa, já que tem conseguido atrair equipas de França, Escócia, Holanda, Irlanda, Inglaterra, Espanha e outros recantos da Europa para participarem numa competição dedicada aos sub-14. E porquê os sub-14? Devido ao jogador que inspirou a formação do torneio em si: João Pedro Leite. A história já foi contada e recontada por diversos sites e órgãos de comunicação social, mas é essencial recordar a história do falecido atleta da Associação Académica de Coimbra.
JP, como era tratado pelos amigos mais próximos e colegas de equipa, era um aficionado e eterno apaixonado pela bola oval, dedicado nos treinos e em trabalhar para ser cada vez melhor, passou pelas cores do emblema conimbricense durante os anos 90 do século passado, alinhando nos diversos escalões com o sonho e objectivo colocado em chegar ao patamar mais elevado, não vendo limites ou obstáculos à sua frente.
Contudo, e infelizmente, João Pedro Leite acabaria por ser vítima de leucemia e, apesar da luta insistente para refutar um fim abrupto, faleceria em 1998 com 18 anos… como sempre, o rugby encontrou uma forma de ultrapassar a dor, evitando a tristeza do esquecimento ao constituir um torneio celebrado em honra do antigo atleta, que foi iniciado pelos pais dos colegas de equipa de JP – e depois continuado pelos seus antigos irmãos de armas.
Assim nasceu em 1999 o Torneio JP e desde então nunca mais arredou pé do calendário anual do rugby português, apresentando-se como um evento essencial para a afirmação dos jovens atletas que estavam/estão prestes a dar o salto de sub-14 para sub-16 (parecendo que não, é um dos níveis mais desafiantes para a formação de um jogador de rugby, sem contar como atleta e cidadão), mesclando-se o torneio com um espírito competitivo intenso, uma alegria constante por poder jogar e uma vontade de estar em convívio com adversários que são colegas no final de contas.
De lá para cá, passaram pelo Estádio Universitário de Coimbra pelo menos 21 gerações de jogadores – alguns chegariam anos mais tarde à selecção nacional de XV sénior ou de 7’s -, com sempre uma mínima participação de 300 atletas, tendo atingido o número redondo de 500, lembrando ao leitor que este é um torneio só para o escalão sub-14, apresentando-se então como um dos principais torneios de rugby em Portugal e de formação na Península Ibérica.
Se fizermos uma possível estimativa do número de jogadores que passaram no Torneio JP (média de 350 atletas) é possível que esta competição conimbricense tenha atingido o número redondo de 7350 participantes nos seus 21 anos de história, um número relevante não só para o rugby português, mas para o desporto em Portugal.
Para quem não faz parte do “universo” do rugby português, o número de 350 atletas por torneio pode não parecer importante num primeiro momento, mas o facto da cidade e região de Coimbra apontarem o Torneio JP como um marco e referência do desporto e associativismo demonstra a sua importância e posicionamento em diversas áreas.
Portanto, a dimensão do Torneio JP não se pode ler pelo número de participantes numa só edição ou no somatório de todas, mas sim pelo papel que tem como dinamizador do desporto na cidade e região conimbricense, para além da mensagem que quer continuar a fazer passar ao fim de duas décadas: relembrar a paixão de quem deu tudo o que tinha – e não tinha – pelo rugby e pelos colegas de equipa.
Coimbra é uma das cidades que mais clubes de rugby albergou/alberga em seu redor, desde da Agrária de Coimbra, o Rugby Clube de Coimbra e a secção de rugby da Associação Académica de Coimbra, este emblema que já conquistou o título de campeão nacional de séniores por quatro ocasiões (1977, 1979, 1997 e 2004), mostrando ser uma das “casas” da oval lusa. No meio desta ligação à modalidade, o sucesso do Torneio JP nunca poderá ser encarado como uma surpresa ou algo inesperado, pois seria desconsiderar a história do rugby conimbricense e o impacto da modalidade não só numa das cidades e regiões nucleares portuguesas mas também no contexto português e ibérico.
Em 2020, o Torneio JP poderá não ser jogado dentro de campo como aconteceu durante 21 anos consecutivos, mas a memória, história e o legado deixado por João Pedro Leite e construído pelos seus antigos colegas de equipa, não será esquecido e nem cairá no vazio, ficando a promessa que em Maio de 2021 vamos ter o campo do mítico Estádio Universitário de Coimbra completamente apinhado de várias cores, diferentes emblemas e a mesma paixão e foco: jogar rugby!
Falámos com algumas pessoas que passaram pelo torneio, seja na posição de treinador, jogador, dirigente, organizador ou simplesmente como espectador.
Francisco Branco (antigo jogador do CDUP e ex-treinador de selecções nacionais)
Quão importante foi o Torneio JP para ti tanto na fase como jogador e treinador?
Tive a oportunidade de participar nas 2 primeiras edições do Torneio JP como jogador (na altura do escalão de Iniciados) e depois em pelo menos mais 4 ou 5 edições como Treinador do CDUP e Director Técnico Regional da ARN. Como jogador era, na altura, o único torneio de mais do que um dia o que implicava ficar a dormir uma noite com a equipa. Lembro-me que era sempre um dos grandes momentos da época, com muita festa e onde acabávamos por tentar alargar um bocadinho os limites que os treinadores nos impunham!!! Passado alguns anos, como treinador, mudamo-nos para o lado contrário da “barricada”. Nos clubes, especialmente antes de haver o Rugby Youth Festival, o JP era o grande momento da época para os miúdos. Era um fim de semana de muito rugby e de muita competitividade em que acabava tudo numa grande 3ª parte ao domingo à tarde, tal e qual como deve ser o rugby e como a comissão organizadora fazia questão que fosse! Lembro-me bem que a convocatória para este torneio era um dos momentos de maior tensão durante toda a época. Em resumo, é um torneio importantíssimo no panorama do rugby em Portugal.
E é um Torneio que demonstra bem os valores e vontade do rugby português?
É um grande torneio, sempre impecavelmente organizado pela AAC e por aqueles que foram os colegas de equipa do JP. Penso que é impossível haver melhor homenagem ao JP e, como tu dizes, acho que este torneio representa exactamente o que são os valores do nosso jogo. E o facto de já existir há mais de 20 anos só mostra o valor de quem o organiza ano após ano.
Manuel Picão (jogador da Académica de Coimbra e da Selecção Nacional sénior)
Manuel, o Torneio JP é um marco do rugby português, concordas? Qual é o sentimento de um jogador da Académica jogar no torneio?
Claro que sim, sem dúvida um dos torneios de referência a nível nacional para escalões jovens. Extremamente competitivo e exigente, ao longo de 2 dias com muito rugby. Para qualquer jogador da Académica, este torneio era um grande momento de superação, pois só existia o objectivo de o vencer de forma a fazer a devida homenagem ao JP. Recordo-me das semanas que oo anteviam, como momentos de muito trabalho e sofrimento, em que o grupo se unia e mesmo nas épocas em que tivemos piores prestações no campeonato, conseguimos sempre disputar esta taça, o que mostra bem o significado que este fim de semana tem para qualquer jogador da Académica.
Quantas vezes jogaste no Torneio JP? E tens numa memória especial de alguma das participações?
Joguei 2 vezes e as duas fiquei em 3º classificado. Infelizmente nunca consegui vencer, mas saímos sempre de cabeça erguida e orgulhosos, porque vivemos sempre cada jogo com imensa intensidade, sem nunca deitar a toalha ao chão. As principais recordações que guardo, são os jogos contra as seleções regionais, pois esses eram os que mais gozo nos davam, por nos darem a oportunidade de pela primeira vez jogar contra os melhores a nível nacional. Fora do campo, a entrega do ramo de flores à família do JP, durante a cerimónia de prémios, também é algo que me marcava sempre nas várias edições, pois percebia, mesmo sem nunca ter conhecido o JP, o valor que tinha todo o nosso esforço durante os jogos, para uns pais que perderam um filho. Sem dúvida que, lutar pela vitória com a camisola preta vestida, era melhor homenagem que lhe podíamos fazer.
Nuno Sousa Guedes (internacional português e atleta do CDUP)
O Torneio JP…tens recordações de participar? Naquela altura sentias que era um torneio importante para ti enquanto jogador?
O Torneio JP foi dos primeiros torneios que joguei, tinha começado a jogar a 3 meses e sendo aquele um torneio de seleções regionais, dei lhe um valor especial. Foi sem dúvida um momento especial que ainda hoje me lembro como se fosse ontem, ganhamos o torneio como ARN! Conheci pessoas novas de outros clubes, que ainda hoje são grandes amigos, com quem tive de partilhar balneário.. Foi bastante importante nesse aspecto, e o facto de ser o primeiro torneio em que há uma seleção de jogadores por região, faz com quem eleves o teu nível e que possas começar a perceber como é fazer parte de um grupo mais pequeno e muito mais competitivo.
Olhando para trás e para o presente, o JP merece o titulo de ser um dos torneios mais importantes de formação da Peninsula Ibérica?
Honestamente conheço poucos torneios em Espanha, mas portugueses, considero o torneio JP o torneio com mais prestígio para os atletas jovens e o torneio que todos querem fazer parte!
Bárbara Valente (antiga jogadora da Agrária de Coimbra e árbitra)
Tens recordações do teu primeiro Torneio JP? Sentias uma aura diferente neste torneio em relação a outros de rugby juvenil?
Sim tenho, era um torneio diferente, primeiro por ser Rugby de 13 e depois porque vinham equipas de Lisboa e do Porto. Destacava-se por ser um torneio durante dois dias, sábado e domingo, e, como é óbvio, por ser um torneio na minha cidade, onde os meus pais tinham mais possibilidade de assistir aos meus jogos. Era um torneio onde podíamos mostrar o que realmente valiamos diante da nossa cidade, no entanto havia sempre brincadeiras com outras equipas, ainda me lembro que nesse torneio fizemos equipa conjunta com a Lousã.
O quão importante achas que é o JP para a região de Coimbra?
O torneio JP é importantíssimo para a cidade de Coimbra e para os clubes que nela “residem”. É uma oportunidade para mostrar que também se podem organizar bons torneios noutras regiões sem ser Lisboa, já que, pelo menos naquela altura, 90% da competição era feita na região sul. O torneio JP atrai muita gente e por ser realizado no centro da cidade, no estádio universitário, que muitas vezes é palco de brincadeiras em família ao fim de semana, projetando o rugby para mais pessoas, não só locais como turistas.
Manuel Natário (jogador da Académica de Coimbra)
O que significa participar num Torneio JP?
Para mim participar num torneio jp acho que é um orgulho para todos os jogadores da AAC, visto que é o “nosso” torneio. Participar no Jp significa lembrar todos os anos a memória do Jp e saber que que no fim do fim-de-semana o demos tudo o que temos em campo é simplesmente gratificante.
É um torneio diferente a teu ver?
Sim, para mim o JP é um torneio diferente. É um torneio que une todas as gerações do rugby desde os sub 8 até aos veteranos, jogá-lo acho é um orgulho imenso e ganhá-lo ainda mais. A meu ver, o que diferencia o jp dos outros torneios é o facto de não ser só um torneio nacional e também devido a ser um torneio vivido intensamente por todas as equipas que participam.
Imagens do Torneio JP de 2011