Top 14 e o XV de França – Que futuro?
Num mês em que os Test Matches são a atracção principal para os amantes do Rugby, importa perceber o impacto da presença das estrelas do Sul nos plantéis dos clubes e no Rugby francês em geral.
As equipas do Top 14 estão cada vez mais recheadas de antigos e actuais internacionais, alguns campeões do Mundo, que elevam a qualidade do jogo e a espectacularidade do mesmo. Realidade que antes era possível apenas para alguns clubes como o RC Toulon e ASM-Clermont, tornou-se possível para outros como o La Rochelle e o Montpellier HC, para nomear alguns. A chegada de jogadores de topo em fim de carreira, maioritariamente do hemisfério sul (Nova Zelândia, África do Sul, Fiji e Austrália), veio trazer uma nova esperança a clubes habituados a lugares mais modestos na classificação e isso só pode ser positivo para a competitividade interna em França.
Segue-se então uma análise à ultima jornada do Top 14 e a reflexão sobre o impacto da presença de jogadores não franceses, naquele que é o campeonato mais rico do velho continente.
De todas as equipas derrotadas nesta jornada, apenas o Oyonnax do português José Lima não conseguiu o ponto bónus defensivo (perder por menos de 8 pontos), enquanto que apenas uma das equipas vencedoras marcou menos de 20 pontos, no caso o La Rochelle. Isto mostra o nível equilibrado em que o campeonato se encontra, para além de poder revelar um estilo de jogo mais ofensivo das equipas em competição. De facto, uma das vantagens de ter em campo jogadores habituados a competir no Super Rugby é efectivamente essa, o gosto pelo ataque dinâmico e imprevisível que se pratica na competição que junta equipas do hemisfério sul.
Jogadores como Conrad Smith, Nemani Nadolo, Ma’a Nonu,os irmãos Du Plessis, Juan Imhoff e o inevitável Dan Carter têm um impacto inegável nos seus clubes. Muitos outros ficarão por mencionar, com a certeza que terão também um impacto imediato visto estarem a representar clubes pouco habituados a jogadores com currículo internacional consolidado.
No entanto, e apesar dos dirigentes dos seus clubes não terem aparentemente essa preocupação, esta política de contratação ainda que estratégica mas massiva terá certamente consequências para o Rugby francês a médio prazo. Consequências essas que apesar de lógicas poderão ficar ofuscadas pelos benefícios em campo (jogos mais interessantes) bem como à volta deste (direitos televisivos, receitas de bilheteira) que advêm da estratégia de “sudificação” do Rugby gaulês.
Vejamos, o nível competitivo trazido pelos reforços tem repercussões interessantes e mensuráveis ao nível do processo e mentalidade de treino, intensidade de jogo e desenvolvimento dos jogadores que os rodeiam. Ora, se isto por um lado é positivo para os que efectivamente usufruem deste contacto com a nova realidade, por outro, será extremamente desafiante a nível orçamental manter o número de jogadores franceses nos plantéis destes clubes em número suficiente para assegurar a estabilidade do XV francês. Isto é, estarão os clubes a assegurar o futuro da sua própria selecção?
A questão será respondida dentro de alguns anos visto que a base de recrutamento francesa ainda é alargada. Segundo a World Rugby, em 2016 havia 57557 rapazes e 124079 homens a jogar Rugby em França comparativamente a Inglaterra que tinha 602564 rapazes e e 131399 adultos. Não estamos aqui a comparar o número total de praticantes, visto que em Inglaterra a cultura da oval é um caso ímpar, mas sim a projectar uma pirâmide invertida de recrutamento.
Esta situação, como se sabe, traduz-se em problemas a dois níveis: redução do investimento na formação, visto que a política de contratar vigente nas equipas seniores implica uma adequação do orçamento às prioridades dos clubes; os próprios jogadores verem-se privados do seu sonho de representar a nível sénior o clube que os formou pelas posições que ocupam em campo estarem ocupadas por jogadores que entram no Rugby francês no final de carreira.
A Federação francesa tem então nas mãos um desafio interessante. Para além de em 2023 organizar o Campeonato do Mundo de Rugby (decisão revelada ontem, 14 de Novembro), terá de definir, bem antes desse ano, uma estratégia para assegurar uma equipa competitiva e capaz de mostrar o valor que tem no seu campeonato.
Será a naturalização de jogadores que ainda não tenham representado os seus países de origem uma opção? Caso de Scott Spedding (África do Sul) e Virimi Vakatawa (Ilhas Fiji).
Ou terá a federação que tomar medidas mais drásticas e instituir um sistema de quotas para jogadores franceses nos 23 convocados das principais divisões?
A discussão deste assunto fará certamente correr muita tinta nos próximos tempos e aqui no Fairplay estaremos atentos às novidades.