Seis Nações 2018 Ronda 2: Twickenham à prova de Dragões renovados
A ronda 2 das Seis Nações terminou com as selecções da Irlanda e Inglaterra no topo da classificação… de forma merecida, diga-se. O País de Gales “sobreviveu” aos momentos mais intensos do encontro com os da Sua Majestade, mas ficou a 7 pontos de um resultado histórico que poria fim à invencibilidade do baluarte de Twickenham.
Para o Norte, a Escócia conquistou 4 pontos preciosos contra a França, num dos melhores jogos dos últimos anos a nível de espectáculo, enquanto que a Irlanda despachou a Itália na primeira-parte, mas a um custo elevado. Porquê? Descobre este destaque e os outros quatro neste artigo.
JOGO TÉCNICO-Ó-TÁCTICO DE FARRELL… OU COMO METER A BOLA NO SÍTIO CERTO
O Inglaterra-País de Gales foi best seller desta ronda, já que Warren Gatland e os seus “Dragões” estavam prontos para pôr fim à invencibilidade inglesa em casa (que dura desde o último jogo da fase-de-grupos do Mundial de rugby em 2015). Mas, num jogo muito intenso, disputado em todos os cantos e recantos, a Inglaterra acabou por sair por cima. Como?
A nível de ataque foi extremamente inteligente e cínica, capitalizando os ensaios suficientes para criar alguma distância no marcador ainda na primeira metade do encontro (12-03).
O primeiro ensaio de May foi graças a uma assistência com o pé de Farrell, que viu a falta de ponta/defesa no espaço entre os 22 e a linha de ensaio. É notória não só a classe de Farrell no pontapé, mas a estupenda velocidade de leitura mental para criar algo tão repentino e inteligente que desbloqueou o jogo por completo.
Durante o encontro todo, Owen Farrell foi dos melhores ingleses em campo terminando como o melhor placador das linhas atrasadas, duas delas de elevado nível. Destacamos a que aconteceu ao minuto 63, quando o País de Gales estava a tentar furar os 22 metros ingleses (soberba a defesa colectiva da formação liderada por Eddie Jones), Farrell placou Moriarty de forma que o nº8 largou a bola para a frente.
O jogo da Inglaterra passou por criar pressão a partir do jogo ao pé, com Care e Farrell a meterem os melhores pontapés dos últimos jogos ao serviço de Sua Majestade, como aconteceu aos 72 minutos: o centro recebe a bola, atira um up and under no limiar dos 22 metros, o que forçou Anscombe à ingrata missão de captar a bola e de ser posto fora de campo – na sequência a Inglaterra vai perder a bola no breakdown.
Inteligência, “manha” e múltiplos recursos… são três conceitos que ajudam a definir o jogo de Owen Farrell.
GREIG LAIDLAW… LEVANTA-TE E SILENCIA OS TEUS CRÍTICOS!
Um pouco de contexto: quando Gregor Townsend revelou que Greig Laidlaw iria fazer parte do elenco convocado para as Seis Nações, a maioria dos adeptos escoceses criticaram a escolha porque achavam Laidlaw “antiquado para o tipo de rugby que a Escócia agora pratica”, “não é rápido, nem dinâmico como Price” e “é a era dos mais novos, não é necessário um jogador de rugby parado”.
Veio o jogo com Gales e os adeptos tiveram aquilo que queriam (e o que era certo, já que Price está em excelente forma física e Laidlaw esteve lesionado): Ali Price a jogar de início. Porém, o jovem formação foi uma desilusão completa, ficando à mercê da avançada galesa, com Shingler e Navidi a tirar a “paz” do 9, para além de toda a linha defensiva adversária ter tirado espaço de manobra ao formação.
Uma derrota humilhante em Cardiff, valeu uma série de trocas para o jogo com a França em especial a entrada de Laidlaw e Wilson. E não é que quase tudo mudou? A França fez um belo jogo a atacar, sem dúvida, mas Laidlaw pautou tudo de uma forma elegante, ordenada e dinâmica mexendo por completo com o jogo da Escócia.
Para além disso, foi fundamental na vitória da equipa da casa com 100% de eficácia nos pontapés ao postes que se transmitiu em 22 pontos.
Laidlaw traz experiência ao jogo, dá possibilidade de os avançados se “divertirem” e de entrarem no jogo, entende os ritmos da linha de 3/4’s (apesar de Finn Russell ter estado no pior e melhor da equipa) e dá outra estrutura ao jogo.
Melhor que tudo? Laidlaw dá tudo pela Escócia, dá o seu máximo e melhor e isso fica demonstrado na posição que terminou em campo: a jogar à abertura. É preferível ter um piano antiquado que não falha no concerto a ter um teclado tecnológico que não sabe entrar no ritmo.
Um dos vários pontapés de Laidlaw
JOE SCHMIDT E A FACTURA CARA DAS VITÓRIAS
A conta de uma vitória “gorda” contra a Itália: quatro lesões. Quem? Tadgh Furlong, Iain Henderson, Jack Conan e Robbie Henshaw. Se o País de Gales, Inglaterra e Escócia já estava, assoladas por um role de lesões complicadas, a Irlanda começou a coleccionar “cromos” de lesionados desde o 1º minuto das Seis Nações. Num jogo de excelente qualidade contra a Itália, a maior perda de todos vai para Tadgh Furlong.
Porquê? É só ver o trabalho que o primeira-linha faz no ruck, contra-ruck, breakdown e nas fases estáticas sendo um dos melhores a nível mundial na sua posição. A forma como consegue ganhar o ombro do seu adversário directo dentro da formação ordenada, ganhando não só a frente, como força a “auto-destruição” do seu oponente.
Sem Furlong a Irlanda fica sem um jogador valioso e a somar-se a lesão de Robbie Henshaw (que estava a fazer um grande jogo até à sua substituição), Joe Schmidt tem alguns problemas para o jogo contra o País de Gales que se realiza do sábado que vem a 8.
Cian Healy será o substituto de Furlong (para o melhor e pior, podendo ser um jogador altamente diferente e decisivo quando entra no jogo) e porque não Jordan Larmour (a nova coqueluche da Irlanda quase que marcou na estreia) para o lugar de Henshaw.
A vitória por 56-19 fica, deste modo, ensombrada para a Irlanda, que perde duas peças para o jogo grande da 3ª ronda… o que fazer Joe Schmidt?
Momento da Lesão de Henshaw
PADRÃO NOVÈS VAI-SE REPETIR EM BRUNEL?
A França voltou a perder nestas Seis Nações e vai dividindo a “colher-de-pau” com a Itália no fundo da tabela, sendo que tem dois pontos de vantagem sobre os transalpinos… mas será que o merece? Nos dois jogos deste ano, a selecção treinada por Jacques Brunel perdeu sempre pela margem mínima, ora por não conseguir parar o ascendente do adversário (jogo com a Irlanda) ora por ter auto-infligido penalidades (com a Escócia).
No jogo frente aos escoceses a França apresentou um dos jogos de rugby a atacar mais vistosos dos últimos tempos, impondo um show de offloads, com Thomas, Camara, Lamerat ou Machenaud a darem o seu melhor. A França foi por duas vezes à área de ensaio escocesa fruto de um erro de Russell e Laidlaw, respectivamente, com Teddy Thomas a dar cabo da “paciência” de quem o tentava apanhar.
Mas o rugby não é só feito de ataques fulminantes e espectaculares, pois a defesa desempenha um papel decisivo no resultado final do jogo e a França claudicou quando não podia.
Das 13 penalidades cometidas, 8 foram do seu meio-campo para a frente com Russell a falhar por duas vezes o pontapé para alinhamento (uma entrou pela área de ensaio a dentro e a outra não chegou a sair) e as outras seis foram aproveitadas por Laidlaw para atirar aos postes.
Os erros vieram principalmente pela seguinte ordem: mãos no ruck (4), falta na formação ordenada (2), fora-de-jogo (2) e entrada indevida no ruck (1). Já em Paris, frente à Irlanda, estes erros tinham sido vislumbrados, com a França a ter muitas “ganas” de ir à bola, de assumir o jogo e tentar dominar o encontro, mas sem que a paciência e concentração fluíssem.
Isto só se resolve com tempo, com uma voz de comando total (ou duas) e com trabalho colectivo anti-desespero, algo que a França ainda tem de apurar. Mas agora entra a questão: será que Brunel não está a repetir o mesmo processo de Novès?
Para quem não se lembra, o seleccionador francês teve uma boa campanha no ano de estreia, em 2016, levando a que França voltasse a ganhar rigidez no contacto, agressiva no breakdown e fluída no ataque para perder isso tudo no espaço de um ano e poucos meses.
Brunel começou bem (dava jeito uma vitória) mas será que o problema francês não será mais profundo? Ou é tudo uma questão de tempo?
QUANDO AS TORRES MOVEM-SE MELHOR QUE A “RAINHA” NO XADREZ GALÊS
Warren Gatland foi a Londres e quase que fazia o impensável: quebrar com a hegemonia da Inglaterra de Eddie Jones. O jogo que o País de Gales praticou não deu ensaios, mas os mereceu (houve um até que podia ter sido assinalado, mas o vídeo-árbitro optou por considerar que Anscombe não tinha domínio sobre a bola), especialmente pela forma como toda a equipa se envolveu no ataque.
Shingler, Navidi e Moriarty correram juntos cerca de 80 metros, envolvendo-se em mais de 37 carries, a maioria para ganhar fases de jogo necessárias para o lançamento de movimentações rápidas ao largo. E era nessa zona que apareciam Hill ou Alun Wyn Jones.
Os dois segundas-linhas funcionaram (como têm funcionado nos últimos 6/7 anos) como moinhos do ataque, recebendo e dando de volta a bola, de forma a não só prender adversários circundantes mas também a fazerem uso do seu jogo de ancas para dar velocidade ao ataque.
A ideia de Gatland é uma: fluidez. E é ao fazer uso de todas as peças que isso pode ser atingido… ninguém fica de fora das tarefas ofensivas, todos devem contribuir com papéis específicos seja com boas entradas no contacto curto (caso de Ken Owens ou Samson Lee, que ainda fizeram uns quantos passes no chão para dar seguimento de jogadas) ou como participantes na construção de jogo e, fundamentalmente, como conquistadores de linhas de vantagem (pontos máximos para Shingler que fez mais um jogo fenomenal nestas Seis Nações).
A estratégia galesa esbarrou, infelizmente, nos últimos metros do ataque, já que os erros próprios (alguns passes para a frente ou bolas caídas no momento X) e as placagens de último “suspiro” (que dizer daquele momento em que Underhill vai buscar Evans mesmo nos últimos 2 metros antes da linha de ensaio) impediram a desfeita por parte do País de Gales.
Segue-se Irlanda e vamos ver o que as “Torres” na avançada galesa conseguem fazer contra os dinamismos da formação de Schmidt.
As Seis Nações param agora durante 2 semanas regressando no fim-de-semana de 23 de Fevereiro (sexta-feira às 20h00) com o França-Itália, seguindo-se o Irlanda-País de Gales e Escócia-Inglaterra no dia 24 durante a tarde.