O rugby “dentro de casa” num Mundo “fechado”
São quase nove horas da noite, o sol ainda tinge de dourado os prédios-gaiolas apinhados de gentes, aqui e ali ouve-se o som de carros passeando por ruas ermas. Nas últimas semanas, meses, o ritmo tem sido assim: arrastado, sem muita agitação lá fora. Só os pássaros que circulam livremente pela cidade, fazendo imenso barulho por finalmente serem os donos da cidade.
Basta ligar o computador, e em alguns minutos, do outro lado do oceano, e ao mesmo tempo no interior da minha sala, começará uma “live” com o grande Hugo Porta, lendário camisa 10 dos Pumas, tido como o maior jogador argentino de rugby da história. Não é sempre que se pode ouvir suas histórias e nem tampouco fazer uma pergunta para este Dios de Las canchas. Um grande programa para animar uma noite melancólica, sem dúvida.
Mais cedo pude acompanhar o cotidiano dos Appleton, engraçado, até parece nome de série americana dos anos 60. Mas, como todos sabemos, trata-se de uma das famílias mais tradicionais do rugby português, internacionais inúmeras vezes pelos Lobos. Excelentes companhias para o meu pequeno almoço.
Ainda tive tempo, durante o lanche da tarde, para espiar os “stories” produzidos pelas Yaras brasileiras que apesar de não saberem quando as competições voltam, mantém-se em plena atividade praticando sessões de exercícios e promovendo divertidos desafios nas redes sociais.
Nestes tempos sombrios e monótonos que vivemos confinados em casa, observando ruas vazias das janelas de nossos prédios e casas, ter a companhia de alguns dos meus ídolos no rugby tem sido uma grande dádiva.
Os dias que antes eram divididos por ações como tomar o metro, ir ao trabalho ou a escola, agora são regidos pelas trivias promovidas por inúmeros clubes e federações, as famosas “lives” com os mais variados assuntos e pessoas, há até treinos funcionais para suprir a falta da tão necessária serotonina.
Pode-se escolher, inclusive, entre treinar com uma Charmaine Smith ou uma Catarina Ribeiro, praticar o espanhol com algum time argentino ou treinar com teu próprio time via alguma plataforma de vídeo call. Não importa a hora do dia ou da noite, temos algum rugbier, seja treinador, jogador em atividade ou não, preparador físico, falando ou fazendo algo, bem ao alcance de nossas mãos. Eis o verdadeiro rugby on demand.
Se não consegues animar-te para sair do sofá, pode-se disfrutar de uma infinidade de jogos clássicos que várias federações e até a própria World Rugby, finalmente, disponibilizaram nos últimos dias. Não precisas mais recorrer à memória ou se contentar com highlights de má qualidade. Distração mais que bem-vinda para assistires no telemóvel ou no computador.
Como não bastasse, encontra-se rugby até nas notícias .
Não é invulgar atletas terem outras profissões e muitos trocaram suas camisolas pelas fardas médicas e estão na linha de frente no combate ao covid-19, seja como médicos, enfermeiros ou outros profissionais essenciais à suas comunidades nesse período.
Já está pra história que neste período o rugby se tornou mais próximo, mais humano. Ver jogadores envolvidos em causas humanitárias, seja distribuindo comidas e outros materiais aos mais necessitados, seja na linha de frente atuando como médicos e enfermeiros, descobrimos que nossos ídolos são pessoas como nós. E que sabem que nós existimos.
Há muitas incertezas sobre como será a vida após esta pandemia, mas, algo que podemos afirmar é que há muitas lições para se levar. E uma delas é a de que os valores deste esporte que tanto amamos estão mais vivos que nunca.