Verdade ou Mentira: é o 5 da frente da Selecção Nacional um problema?

Francisco IsaacFevereiro 21, 20197min0

Verdade ou Mentira: é o 5 da frente da Selecção Nacional um problema?

Francisco IsaacFevereiro 21, 20197min0
Será que Portugal tem mesmo um problema no 5 da frente em termos de peso e altura ou será que não é bem assim? Uma leitura comparativa com os Tupís, Leones e Lobos!

Quantas vezes o ónus de culpa (ou quase toda) das derrotas de Portugal ficou nos pormenores dos alinhamentos, formações-ordenadas e mauls?

Quantas vezes os antigos jogadores e comentadores desportivos apontaram para o facto da avançada portuguesa ser “muito pequenina”, quase como um apontamento satírico dos jogadores portugueses, existindo quase a ideia de que “têm de ir mais para o ginásio para se baterem contra os outros” (palavras retiradas de algumas transmissões dos jogos de Portugal)?

Mas será bem verdade que o 5 da frente actual (ou dos dois últimos anos) é assim tão inferior fisicamente comparado com os seus homólogos brasileiros e espanhóis? Façamos um exercício comparativo entre 1ªs linhas e 2ª linhas dos TupísLeones, pegando nos titulares contra o Canadá (vitória brasileira) e Geórgia (derrota espanhola):

Se formos pelas médias num primeiro momento a diferença é praticamente nenhuma, com o Brasil a apresentar-se como a mais “pesada” e “alta” com cerca de 119 kilos e 1,86 metros quase nos 1,87, vincando bem a aposta num 5 da frente não só fisicamente maciço mas também ágil e sempre pronto para participar no ataque. Os Tupís têm se mostrado uma força espectacular nas formações-ordenadas, levando ao gáudio dos adeptos canarinhos que ficam “loucos” com este trabalho excepcional que até colocou os Maior All Blacks a andar para trás.

Mas bem, seguindo para Espanha: 112 kilos e 1,86 metros. Menos 7 kilos em comparação com a congénere brasileira, mas não fica nada atrás no impacto e no trabalho nas fases estáticas, tendo até superado a Roménia neste ponto e se aproximado consideravelmente da Geórgia. Um pormenor curioso, o talonador titular espanhol é o atleta mais baixo das três selecções com 1,76 de altura.

E finalmente Portugal, que apresenta uma média de 110 kilos e peso e 1,84 de altura, com só uma muito ligeira diferença com os nuestros hermanos, provando que não há assim uma diferença tão grande nos blocos do 5 da frente. Então onde está o diferencial? Será que o trabalho realizado a nível de clubes e selecção em Portugal não é ainda o suficientemente bom para os atletas renderem da mesma forma em comparação com o que se passa no Brasil ou em Espanha? Ou o factor profissionalismo tem aqui um peso considerável no rendimento final a nível internacional?

Veja-se que Portugal a nível de sub-18 e sub-20 tem dado provas claras que consegue não só suster os seus adversários, como já conseguiu contrariar avançadas mais “pesadas” como a do Uruguai ou Fiji no World Rugby Trophy em 2018 ou a Espanha no Rugby Europe U20 Championship em 2017 e 2018 também. A nível de formação Portugal está vários furos acima do Brasil e um passo de distância da Espanha, demonstrando que nesse capítulo há trabalho efectivamente bem feito e de valor na modalidade. O problema é o capítulo seguinte: séniores.

Para os que desconhecem a realidade brasileira, os atletas que estão nos Tupís são 99% jogadores de clubes que têm nas imediações uma Academia da Confederação Brasileira de Rugby a funcionar. Ou seja, se os jogadores não conseguem treinar nas Academias oficiais da CBR não são elegíveis para as convocatórias da Selecção do Brasil. Este pormenor de trabalharem nas Academias, proporciona um desenvolvimento como jogadores e atletas, uma vez que estão “fechados” e sob atenção total da equipa técnica.

Esse trabalho diário e profissional permite aos atletas brasileiros desenvolverem-se não só como um bom portador de bola ou placador exímio, mas dotando-os de capacidades para serem decisivos nos momentos de grande colectivo, como a formação-ordenada, o maul dinâmico ou os alinhamentos.

Por isso, é curioso ver que nem todos os clubes que estão no Super16 conseguem ter jogadores na Selecção do Brasil, uma vez que não existe possibilidade dos atletas treinarem nas Academias, dando-se o caso interessante de alguns campeões do campeonato dos últimos anos não terem qualquer jogador na Selecção Nacional. A Academia aumenta o nível dos 50-60 jogadores envolvidos nos trabalhos, permite a criação de um profissionalismo e uma elite de topo (e problemática, uma vez que é uma realidade frágil e que em caso de problemas económicos pode recuar vários anos na modalidade) que garante resultados.

Já Espanha vive de um campeonato entre a miscelânea do profissionalismo puro (VRAC por exemplo), semi-profissionalismo ou amadorismo (Cisneros, a equipa de Francisco Domingues, Luís Cerquinho e André Aquino só tem atletas nessa situação), já apresentando números bastante interessantes tanto no números de assistência ou de investimento nos clubes e liga.

A nacionalização de alguns profissionais como Stephen Barnes, Fernando Lopez, Ien Ashcroft-Leigh, Michael Fitton, Pierre Barthère, Andrew Norto, Richard Stewart ou Frederico Castiglioni ajudou no subir de patamar, uma vez que garante outros conhecimentos, “massa” humana e exigência.

A nacionalização de bons activos não prejudica o crescimento da modalidade e Espanha tem demonstrado que mesmo depois do desastre do apuramento para o Mundial (perdido por terem alinhado jogadores que não estavam legalizados pela World Rugby) mantém o caminho de crescimento e de ombrear com a Geórgia pelo título de campeões do Rugby Europe Championship XV, algo que há 10 anos não acontecia. Trazer jogadores que actuam em campeonatos de um nível superior também garante outra estabilidade e qualidade ao produto final que são os Leones neste momento.

O caso português é completamente contrário ao espanhol e brasileiro, uma vez que 90% dos atletas são amadores, não existem as condições para trazer atletas portugueses a jogar fora do espaço nacional (pelo menos com as direcções dos últimos 4 anos na FPR não houve capacidade de garantir essa vinda de forma sustentada) e a vida profissional fora do rugby acaba por afectar o rendimento dos melhores atleta lusos.

A somar-se a isso, o facto dos jogadores que estão ao serviço da Selecção Nacional de treinarem pouco em conjunto (devido às necessidade justas e compreensíveis por parte dos seus clubes) também retira a possibilidade de se criarem melhores automatismos e mecanismos no grupo de trabalho liderado por Martim Aguiar.

Sem os atletas luso-descendentes a prestar provas na Selecção (Jean de Sousa foi o único a vir de campeonatos de fora para actuar pelos Lobos) será impossível subir a exigência ou fornecer algumas “ferramentas” que não existem em solo nacional; sem dar garantias aos que vivem em Portugal, garantindo-lhes boas condições de treino e de conciliação entre treinos no clube, selecção e a vida pessoal/profissional.

Os atletas portugueses não são “pequeninos”, “magrinhos” ou com menos “arcabouço” em comparação com Espanha ou Brasil, uma vez que comparámos o peso e altura com essas duas adversários dos Lobos. Falta mais rotação, melhores condições de trabalho, outra visão e um projecto mais sustentável do que até aqui se tem realizado, ficando a ideia que as equipas técnicas nacionais estão muito entregues à sua “sorte” e ao que os 30 e poucos jogadores mais staff técnico conseguem fazer do esforço e sacrifício semanal.

O Brasil é o caso do momento que um staff técnico altamente profissional e com ligações profundas a países mais fortes na modalidade (Argentina neste caso) permitem desenvolver certos perímetros do jogo de uma forma profunda e positiva.

Será que o sucesso dos sub-18 e 20 nos últimos anos e o crescimento da dimensão dos jogadores portugueses actual (e ao contrário da ideia que foi vendida pós-Mundial 2007, não é preciso tornar os jogadores portugueses num tipo de atleta diferente em termos de fisionomia) poderá fazer a diferença nos anos vindouros? A essa pergunta só os jogadores poderão responder nos próximos dois anos dentro de campo.


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