A revolução no Mundo do Rugby entre tragédia e choque

Francisco IsaacJulho 3, 20236min0

A revolução no Mundo do Rugby entre tragédia e choque

Francisco IsaacJulho 3, 20236min0
A SANZAAR e 6 Nações vão proceder a uma revolução no Mundo do Rugby que poderá criar um fosso ainda maior com a Nations Cup

A terceira década do Século XXI não tem sido só propensa a desastres naturais e epidemias, como a projectos cartelizados e a monopólios com total aversão ao crescimento colectivo, com a Super Liga Europeia de futebol (que entretanto mantém-se em coma) e, agora, a Nations Cup, com este último a ser um projecto das federações das Seis Nações e The Rugby Championship. Estes 10 membros da elite do rugby mundial decidiram criar o seu próprio torneio internacional anual que irá decorrer entre Junho e Junho (substituem os tours de Verão) e Outubro e Novembro (os Internacionais de Outono).

Esta nova competição tem início marcado para o ano de 2026 e, só terá 12 selecções envolvidas, não existindo despromoção ou promoção, o que fecha os principais palcos do rugby mundial nessa tal elite, enquanto o “resto” (que é larga maioria) vai ter de lutar pelas migalhas, sem capacidade para se opor a este plano maquiavélico de quem já está no topo.

Respondendo já à pergunta que surgiu mais no ar: porquê é que as Seis Nações e o TRC escolheram este caminho? Porque a CVC, uma das maiores empresas de investimento a nível mundial, está a forçar esta situação. A CVC tem alocado largos fundos às principais federações do rugby mundial, tornando-se quase como um agiota que, não vendo um retorno financeiro estável e sério, e não podendo aceder aos fundos do Mundial de Rugby ou Jogos Olímpicos, decidiu finalmente criar a sua própria Super Liga sem que a World Rugby tenha capacidade ou força para travar este avanço. Nova Zelândia, Inglaterra, Austrália, País de Gales ou Irlanda foram persuadidas durante 2015-2018 a deixar a CVC comprar uma parte da quota, permitindo também que esta firma se sentasse à mesa das Seis Nações, tomando decisões e forçando mudanças ligeiramente drásticas nos processos e caminhos da modalidade.

A necessidade de recuperação do investimento levou ao nascimento desta Nations Cup, que não olhou para meios e decidiu, deste modo, colocar um ponto final na possibilidade de selecções como Portugal, Chile, Uruguai, entre outras, de jogarem contra Inglaterra, França ou Irlanda durante as duas únicas janelas de Test Match, sendo que só se irão encontrar durante os Campeonatos do Mundo.

Esta é a primeira consequência negativa da fundação de um torneio que até 2030 (inclusivé) não vai ter promoção/despromoção, sendo que nada garante que as detentoras da Nations Cup cumpram com essa promessa. Como leram atrás, serão 12 selecções envolvidas na principal divisão da Nations Cup, com dois lugares a virem a ser alocados a outras duas equipas que ninguém sabe quem são. Geórgia? Fiji? Japão? Samoa? Tonga? Não há ainda dados para tal, mas o próximo Campeonato do Mundo poderá ser o factor decisivo para essa escolha, apesar de já se ouvirem rumores que o 11º e 12º membros estarão mais para os lados do Pacífico…

Não falando sequer de Portugal, como é que a Geórgia pode ser vítima deste tipo “ataque” caso não seja convidada para fazer parte da Nations Cup? Um país que tem se dedicado à modalidade em todas as frentes, que tem se afirmado nos torneios de formação, conquistou vitórias ao País de Gales e Itália, com vários atletas a jogar nas principais equipas e a fornecer uma multidão de outros jogadores a várias equipas, e agora está no risco de ficar de fora das principais fontes de investimento. É inexplicável, mas este tipo de capital cego e governado por uma minoria preocupada só consigo mesmo e com a necessidade de fazer mais fortuna, é normal e comum.

Um dos principais riscos é o problema do financiamento a federações como a portuguesa decrescer, ficando outra vez longe da figura central, caindo no nível competitivo, regressando quase a um cenário dos anos noventa, em que sofria derrotas monstruosas frente aos principais actores da modalidade. Para alimentar este cenário ligeiramente dantesco, o facto da World Rugby ter ficado de fora da gestão da Nations Cup e ser apenas um transeunte com pouca ou nenhuma importância, não podendo se erguer contra este power grab por parte da elite que alimentou nos últimos 30 anos.

E o que sobra para Portugal, Geórgia, Roménia, Países Baixos, Tonga, Samoa, Hong Kong, Quénia, Namíbia, Estados Unidos da América, Canadá, Chile, Uruguai, Brasil, e outros? Esperar que a World Rugby faça uma Nations Cup “B” decente, em que o investimento seja minimamente forte e competente, com transmissão garantida e que possibilite um crescimento sustentado, segurando assim tudo e todos de caírem numa ruína sem precedentes e inimaginável.

A modalidade continua a fechar-se em si mesma, com vontade de só se concentrar em alguns países, impondo quase um desporto de elites, enquanto futebol, andebol, basquetebol, voleibol são de todos e jogadas por uma larga maioria a nível mundial, com o rugby a ser um “jogo” de uns quantos que vivem isolados da realidade.


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