O grito dos Springboks em terra de “kiwis”- Rugby Championship 2018

Francisco IsaacSetembro 16, 20188min0
O improvável aconteceu e a África do Sul deu uma lição de raça, coragem e sacrífico em casa dos super-favoritos All Blacks. O grito dos Springboks no sentido da mudança!

GOLPE SUL-AFRICANO DURO, IMPREVISÍVEL… MAS MERECIDO?

Estocada, não final mas a necessária para o reerguer dos Springboks, que foram até Wellington derrotar os bicampeões do Mundo e do Rugby Championship por 36-34. Mas realmente até que ponto uma vitória pode mudar o rumo negativo dos acontecimentos do rugby sul-africano?

Auxiliará, em parte, a confiança de e em Rassie Erasmus que após o jogo com a Austrália (derrota num encontro pobre e com vários erros de parte a parte) foi algo criticado pelas escolhas que optou por. Agora, fez o improvável, o inimaginável até para alguns, com uma vitória fenomenal em terras neozelandesas que será relembrado como umjogo para mais tarde recordar.

Para os sul-africanos o será porque foi a vitória contra o tal improvável, depois de mais 20 minutos a defender dentro dos seus últimos 30 metros, com avalanches e ensaios dos All Blacks que não foram suficientes para mudar o destino final do jogo; e para os neozelandeses que terá de servir de tábua de aprendizagem não só pelos erros caricatos como pelos “soluços” de liderança em momentos cruciais.

Olhemos, por um momento, para as estatísticas:

All Blacks: 33 defesas batidos, 9 quebras de linha, 3 penalidades, 633 metros conquistados, 205 corridas com bola, 75% de posse de bola, 79% de território, 3 minutos nos 22 adversários e realizaram 46 placagens, para falharem 10

Springboks: 10 defesas batidos, 8 quebras de linha, 10 penalidades, 245 metros conquistados, 59 corridas com bola, 25% de posse de bola, 21% território, 1,26 minutos nos 22 adversários realizou 226 placagens, falhando 33

Ou seja, a equipa que mais fez para ganhar em termos de conquista de território, domínio dos vários parâmetros de jogo, mais engenho na hora de tirar o placador da frente e até mais tempo de ocupação nos 22 adversários saiu derrotada. Contudo, há um factor decisivo para reflectir: tanto tempo dentro dos 22 e tanta posse de bola não significaram ensaios e pontos no placard.

Como isso aconteceu? Por um lado, os jogadores de Steve Hansen cometeram erros decisivos no controlo da oval (o tal handling), com 7 perdas de bola para a frente nos últimos 5-10 metros da defesa sul-africana, alguns de forma inacreditável como aconteceu comTuipulotu ou Ioane. Maus passes e más decisões mancharam o ataque mais vibrante e agressivo dos All Blacks em alturas decisivas do jogo.

Todavia, o outro lado foi fundamental: a defesa da África do Sul. E esta defesa não se fica só pelas constantes placagens nos últimos metros, principalmente em cima da área de ensaio onde não só existiu o aspecto de enviar o adversário para trás (nem Whitelock ou Ardie Savea fugiram a estes viranços) como também de não fazer faltas na linha de defesa (zero penalidades por fora-de-jogo)… mas como dizíamos não se ficou só por isso como também pela defesa activa e de reacção ao ataque neozelandês em jogo aberto.

Ou seja, as interceptações aos passes mal “inventados” por Jordie Barrett e Anton Lienert-Brown. O nº15 dos All Blacks demonstrou que está muito longe do nível a que se exige nesta selecção, com claras “culpas” no ensaio de Dyantyi (andou por trás, invés de surgir rapidamente na linha) para depois ainda piorar a imagem com aquele passe mal concebido a partir de um alinhamento.

Invenção ao máximo deu o ensaio da reviravolta sul-africana. Já o de Lienert-Brown foi um misto de inteligência de Cheslin Kolbe (quando lançado ninguém o pára) e de pouca clarividência do centro que numa situação de dois para um, atira um passe para as mãos do ponta suplente.

Um misto de erros estonteantes e imprivisiveis (novamente esta palavra fica bem associada ao que se passou em Wellington) “queimaram” a estratégia dos All Blacks que andaram sempre atrás do prejuízo durante 60 minutos. A África do Sul mal atacou, demonstrando que não tem bons processos ou dinâmicas ofensivas consistentes, optando por se entregar à placagem, contra-ruck e reacção rápida.

Os boks foram solidários na linha, nunca abriram espaço, acreditaram sempre no compromisso de equipa e endureceram perante uma equipa que confia excessivamente que consegue ir buscar a vitória nas combinações e movimentações e não em pontapés.

Foi extraordinário ver Pieter-Steph du Toit (24 placagens), Warren Whiteley (20 placagens), Franco Mostert (24 placagens) ou Siya Kolisi (18 placagens)  a desdobrarem-se e a irem buscar os seus adversários constantemente em todo o comprimento do jogo.

Beauden Barrett falhou também dois pontapés de conversão frontais e, em parte, tem culpa no resultado final. Todavia, como Ryan Crotty, Samuel Whitelock, Scott Barrett, Jack Goodhue, Ben Smith foi dos melhores em campo no que toca ao jogo jogado… faltou que os asas Sam Cane e Liam Squire participassem mais no jogo (estiveram completamente ausentes durante grande parte do encontro), que Rieko Ioane explodisse na linha nas jogadas através de alinhamentos ou de um Anton Lienert-Brown mais forte na leitura ofensiva.

Rassie Erasmus devolveu “dentes” aos Springboks com um contra-ataque mortal, uma genialidade em saber lutar na linha de defesa e uma paciência só à altura das grandes selecções mundiais. Conseguirá Steve Hansen responder daqui a umas semanas ou os All Blacks vão tropeçar mais do que se espera?

LEDESMA UNE, DELGUY DESLUMBRA E E FOLAU ENGASGA

Começamos pelo fim… Israel Folau esqueceu-se que o rugby é um jogo de equipa e que o excesso de protagonismo pode não só tirar um ensaio ou até uma vitória, como pode ditar o fim de uma série de processos numa selecção, pois Michael Cheika está neste momento sob grande pressão.

Um passe que não saiu, um ensaio que se perdeu e uma derrota que atirou a Austrália para o último do grupo a duas jornadas do fim, para além de caírem para um histórico 7º lugar no ranking da World Rugby. Os Pumas mereceram a vitória pela defesa que apresentaram na segunda parte e pela genialidade no ataque esboçada nos primeiros 40 minutos.

A Argentina foi novamente uma selecção “predadora” no breakdown, com oito turnovers de raça que puseram Kurtley Beale desesperado por bolas mais rápidas a partir do ruck… nem o incrível Will Genia conseguiu dar velocidade depois de três ou quatro fases, encontrando diversos problemas na organização do ruck muito por culpa da falta de clareza na limpeza deste sector.

David Pocock tentou responder na mesma “moeda” e até salvou dois ensaios em cima da linha, só que não foi o suficiente para dar outra vida a uma Austrália partida a nível de processos ofensivos.

Kurtley Beale mexe bem no ataque, mas está longe de ser um organizador nato como o é Bernard Foley, ficando-se mais pela criação espontânea de dinamismos no ataque ou no esboçar de linhas mais “caóticas” mas difíceis de ler. Nesse sentido, ter Israel Folau e Marika Koroibete permite dar outra versatilidade a esse tipo de situações mais rápidas e instintivas e até se deram alguns lances mais fantásticos do encontro a partir dessas movimentações.

Mas faltou consistência, unidade e ligação entre alguns sectores dos Wallabies que ficaram assim ainda mais “reféns” de uma Argentina dura na hora de placar, que apresentou uma resposta defensiva sempre genial e inteligente para pôr termo à liberdade de Genia no jogo rápido.

Agustin Creevy aproxima-se da sua melhor forma, com turnovers rápidos para depois sair logo de seguida para o ataque, semeando o “pânico” na defesa dos Wallabies que não conseguem, de forma alguma, se encontrar.

Os Pumas têm identidade, sabem o que é união e de como se usa o colectivo para ganhar jogos… a Austrália por outro lado é francamente superior à África do Sul ou Argentina em qualidade geral do XV, todavia não sabem nem parecem querer saber do sentido de jogo em grupo, do trabalho em colectivo e de como é será o XV que os guiará às vitórias. O individualismo em excessivo é derrotável e a Argentina de Ledesma provou que é através de sinergias comuns que se pode atingir outro patamar.

A Argentina continua a fazer bom uso das movimentações do três-de-trás, com Boffelli, Delguy (está numa forma assombrosa este ano e o ensaio aos 36′ foi só uma pequena demonstração da sua qualidade) e Moyano a articularem-se bem. A somar a isto, há Nicolás Sánchez que vai também regressando ao seu melhor e já está a morder os calcanhares de Beauden Barrett na lista de melhores pontuadores.

Como reagirá a Austrália na África do Sul? E a Argentina consegue fazer o impossível contra os All Blacks?

EQUIPA DA SEMANA: Steven Kitshoff, Codie Taylor, Ben Franks, Franco Mostert, Samuel Whitelock, Pablo Matera, Pieter-Steph du Toit, Warren Whiteley, Will Genia, Nicolas Sanchez, Bautista Delguy, Jeronimo de la Fuente, Jack Goodhue, Ben Smith e Dylan Haylett-Petty

JOGADOR DA SEMANA: Bautista Delguy (Argentina)

PONTUADOR MÁXIMO: Nicolás Sánchez (Argentina) com 12 pontos

MELHOR ENSAIO: Israel Folau (Austrália)


Entre na discussão


Quem somos

É com Fair Play que pretendemos trazer uma diversificada panóplia de assuntos e temas. A análise ao detalhe que definiu o jogo; a perspectiva histórica que faz sentido enquadrar; a equipa que tacticamente tem subjugado os seus concorrentes; a individualidade que teima em não deixar de brilhar – é tudo disso que é feito o Fair Play. Que o leitor poderá e deverá não só ler e acompanhar, mas dele participar, através do comentário, fomentando, assim, ainda mais o debate e a partilha.


CONTACTE-NOS