O Brexit oval: Investimento, Premiership e “fim” da Rosa?
Lá porque não te interessas pela política, isso não quer dizer que ela não se interesse por ti. Esta e outras frases, tantas vezes ditas em época de eleições como resposta à abstenção confessa e convicta, têm subjacente uma verdade simples: a gestão comum de um país tem impacto sobre todos os seus elementos, do comum cidadão à grande empresa, da pequena associação local ao clube desportivo de fama nacional. Estar fora da política é uma ilusão.
Assim o é também a respeito do Brexit, que está longe de ser uma questão que nada tem a ver com o desporto, neste caso o râguebi, ou que só diz respeito aos britânicos. Quando um país toma uma decisão da dimensão da saída da União Europeia, é apenas natural que as suas consequências sejam vastas, não deixando ninguém de fora, e duradoiras, podendo ter efeitos inesperados.
É certo que nesta altura não é ainda claro que tipo de Brexit vamos ter, se suave e por isso uma saída ordenada e progressiva do projecto europeu, se duro e como tal caótico e violento, política e economicamente.
Dado o presente impasse, não é sequer seguro que a ruptura entre Londres e Bruxelas venha sequer a acontecer. Mas assumindo que no final de Março de 2019 o Reino Unido sai mesmo da União Europeia, os efeitos vão-se se sentir, menos se houver um acordo, mais se for uma saída desordenada.
Libra e inflação
O impacto económico terá diferentes ramificações. Há um potencial de desaceleração da economia britânica, com consequências no emprego, salários e receitas dos impostos cobrados pelo Estado, apertando um orçamento já de si apertado por poder ter que compensar o fim dos fundos comunitários a que os britânicos vão deixar de ter direito.
A libra, que já tem estado a perder valor nos últimos anos, pode desvalorizar ainda mais, fazendo subir a inflação e com ela as taxas de juro, numa reação provável do banco central do país. Dito de forma simples, uma perda de rendimentos e de qualidade de vida.
Esperar que nada disto afecte o râguebi é pura ilusão, porque a partir do momento em que há menos dinheiro nos bolsos do Estado, pessoas e empresas, vai também haver menos a entrar nos cofres dos clubes.
São patrocínios que perdem valor, associados que deixam de poder suportar os preços de bilhetes, deslocações ao estrangeiro que encarecem e material oficial que vende menos ou que se torna mais caro de produzir e, voltamos ao mesmo, com menos saída por ter preços menos atractivos.
O impacto pode sentir-se também nos ordenados dos jogadores, porque se um clube tem menos dinheiro, a fatia reservada a remunerações fica sob pressão. E mesmo que os vencimentos se mantenham nominalmente os mesmos, a desvalorização da libra e a subida da inflação vai obrigar a um esforço suplementar para que o que era pago antes do Brexit tenha o mesmo valor depois. A quantia de, imaginemos, £100 000, não é a mesma coisa se a moeda britânica valer menos 5% e as coisas estiverem mais caras no Reino Unido.
A atracção do exterior
Se descem os ordenados dos jogadores, sobem as dificuldades em reter talentos, o que é válido tanto para contratações estrangeiras como para as nacionais.
Actualmente, uma libra vale mais de um euro, mais de dólar e meio australiano, cerca de dezoito rands sul-africanos e quase dois dólares neozelandeses, o que é vantajoso para os clubes britânicos, que podem oferecer ordenados já de si elevados, mas que valem muito mais nas moedas dos países de origem de jogadores estrangeiros. A atractividade do Reino Unido deve-se em parte a isso. E para os filhos da terra, é também um incentivo para não rumarem para lá do canal da Mancha.
Se a libra quebrar de forma significativa, perdendo valor face a outras moedas, torna-se mais difícil manter esse efeito. Salários de jogadores como Willie le Roux, Faf de Klerk e Lima Sopoaga podem ser mais difíceis de manter, mais ainda se se tiver em conta a já referida perda de receitas dos clubes, e atletas britânicos podem ser mais facilmente atraídos por clubes estrangeiros. E o que é válido para jogadores vale também para treinadores e outros membros das equipas técnicas.
Chris Boyd abraçaria o desafio de treinar os Northampton Saints da mesma forma se a libra valesse menos ou se ele tivesse um ordenado mais comedido?
Claro que, como em tudo, há um lado positivo: a desvalorização da moeda britânica favorece as exportações, pelo que aquilo que as lojas dos clubes não venderem in situ, podem, em hipótese, vender online para fora. Nesse sentido, não seria de espantar se, confrontados uma massa associativa nacional com menos recursos, alguns clubes tentassem compensar virando-se para o exterior, criando aquilo que os Ospreys já têm: uma exile membership, isto é, o estatuto de associado que, por motivos de distância geográfica, não vai ver os jogos, mas tem, por exemplo, descontos na loja do clube.
E a equipa nacional
Se o estrangeiro passar a ser mais atractivo para os jogadores britânicos, há que perguntar que impacto é que isso terá na dinâmica da selecção inglesa, que, entre as das ilhas Britânicas, é a mais limitativa nas convocatórias, restringindo-as a atletas que joguem por clubes ingleses. Um critério que poderá ser um luxo se forem várias as estrelas que rumarem para o lado de cá do canal da Mancha ou mais além.
E que efeito terá isso sobre a equipa? Se perder elementos para a expatriação ou pelo menos valor para dispersão de talentos, terá o mesmo desempenho? Conseguirá manter a sua posição no ranking mundial? Voltará a conseguir os feitos das últimas edições das Seis Nações?
Quem fala de Inglaterra fala também da Escócia e principalmente do País de Gales, cujos clubes já estão a ter dificuldades em manter algumas das suas estrelas. Veja-se os casos de Dan Biggar e de Rhys Webb, este último excluído da convocatória nacional por não cumprir critérios mais flexíveis que os ingleses, é certo, mas ainda assim restritivos. É mais uma ironia galesa neste processo, já que o País de Gales votou maioritariamente pela saída da União Europeia apesar de ser a parte do Reino Unido que mais recebe fundos comunitários.
Numa palavra: pequenez
Há muito de auto-retrato imperial no Brexit, de uma Grã-Bretanha que se vê como uma grande potência global sem a qual ninguém pode passar. Mas a realidade pós-colonial do século XXI é outra e, fora de uma união de quase trinta países e de uma área económica de cerca de meio bilião de pessoas, o Reino Unido é quando muito uma potência mediana, reduzida na sua dimensão e importância. É apenas natural que o mesmo venha a acontecer com o seu râguebi num universo pós-Brexit.