Reagrupar a Alcateia: possível, mas improvável?

Francisco IsaacJunho 17, 201812min0

Reagrupar a Alcateia: possível, mas improvável?

Francisco IsaacJunho 17, 201812min0
Uma derrota na corrida ao Mundial parece ter abalado com a estrutura do rugby português. Mas não será esta a melhor altura para reagrupar a Alcateia e voltar ao caminho do sucesso?

O fim de mais um “sonho”, é desta forma que pode de ser lida a derrota dos Lobos em terras germânicas no playoff de acesso à próxima fase de qualificação para o Mundial de Rugby 2019. Toda a Alcateia (que vai muito mais para além dos jogadores) ansiava por uma nova fagulha de esperança, no cenário algo conturbado actual.

Mas é exactamente nessa palavra que as pessoas têm de se fixar agora: era apenas uma fagulha de esperança. É compreensível se tivessem agarrado a este jogo como a última esperança para o rugby nacional, num momento de maior pânico e preocupação para com a modalidade.

Contudo, colocar toda a  esperança num só jogo é um passo errado, pois há muito mais vida para além do Mundial 2019.

Os adeptos, dirigentes, treinadores, fisioterapeutas, médicos, jogadores têm de estar preocupados em refazer as estruturas nacionais, procurando um caminho de comunhão e união dentro do rugby português. O Mundial de 2019 seria um excelente catalisador para dar um impulso interessante ao rugby português, trazendo novos atletas, repondo os índices de orgulho e de atractividade num ponto máximo. Todavia, há uma pergunta que tem de ser feita:

Uma ida ao Mundial resolveria os problemas internos entre as várias instituições que gerem a modalidade?

PROBLEMAS… QUE PROBLEMAS?

O Mundial de 2007 trouxe vagas de jogadores, pais (uma pena que o Touch Rugby na altura não estava suficientemente desenvolvido em Portugal para agarrar os encarregados de educação dos novos jovens atletas) e investimento externo.

Por outro lado, não trouxe uma maior união das partes que foram se distanciando aos poucos, com uma série de acusações, despiques (principalmente fora dos relvados) e problemas levantados a cada nova Assembleia Geral da Federação.

Todos estão munidos de razão, todos têm culpa, mas ninguém se preocupa com dois factores que têm sido alvo constante de desrespeito: os jogadores e adeptos.

Veja-se o exemplo do jogo entre Alemanha-Portugal. De um momento para o outro surgem uma série de jogadores a jogar no estrangeiro, algo que era incomum desde da entrada da equipa técnica liderada por Martim Aguiar.

Do nada, Jean de Sousa (imenso jogador, foi um dos melhores placadores a par de Sebastião Villax), Jacques Le Roux (dos melhores jogadores a passar em Portugal entre 2006 e 2011), Cyrille Andreu, Francisco Fernandes e Thibault Freitas apareceram na convocatória.

Como se explica esta mudança de estratégia, que foi só operada uns dias antes do jogo frente à Alemanha?

Como é que estes jogadores, dotados e altamente rodados nas divisões secundárias francesas, só efectuaram uns pares de treinos antes do jogo decisivo para chegar ao Mundial 2019?

Onde está a estratégia de treino, de preparação exímia que se pede a uma selecção nacional, liderada por equipa técnica profissional e uma Alcateia de atletas maioritariamente amadores?

Impôs-se, à força, uma mudança que teria sido formidável duas ou três semanas antes do jogo com a Alemanha, de modo a todos os atletas a adaptarem-se ao sistema de jogo, lógica de ataque, pormenores de defesa.

O 16-13 frente aos germânicos poderia levar-nos a pensar “mas não foi assim tão mau, perdemos por três pontos e desperdiçámos 9 pontos ao pé.”. Totalmente verdade… mas então o leitor fantasie o que teria sido se todos os atletas tivessem treinado em conjunto durante 9 ou 10 treinos.

Perdeu-se uma oportunidade, sem dúvida, mas acima de tudo também se perdeu respeito pelos jogadores. De um ponto de vista analítico, como explicar a atletas como João Lino (já foi capitão da Selecção Nacional), João Vasco Corte-Real (o pilar, jogou também a talonador durante a qualificação) ou António Vidinha que iriam ficar fora da convocatória final para o tal jogo importante, depois de meses e anos a lutar pela Selecção Nacional?

José Rodrigues deu uma vitamina diferente a nº10 (Foto: Luís Cabelo Fotografia)

Como se dispensam jogadores, que foram etiquetados de importantes e fundamentais, uns dias antes do jogo contra a Alemanha?

E como explicar a situação de Thibault Freitas, que nem convocado foi apesar de ter vindo a Lisboa treinar com o grupo de trabalho, para depois ser dispensado pela equipa técnica?

O asa luso-descendente (interrompeu o seu período de descanso para vir representar Portugal) não explicou ou comentou a sua situação, mas há que questionar como se gastaram fundos na viagem e alojamento do atleta, para depois nem ser convocado.

E Cyrille Andreu que nem um minuto jogou em Heidelberg, ficando também a mesma pergunta: porquê então convocar um atleta que só podia entrar em campo em caso de um resultado expressivo?

E onde estão atletas como José D’Alte, Francisco Domingues ou Luís Cerquinho que jogaram o ano todo pelo Cisneros (primeira divisão espanhola), que mereciam estar na convocatória?

Como se explica que toda a estrutura da Federação Portuguesa de Rugby não tenha uma estratégia de convocatória minimamente bem delineada? Uma Federação que estava falida (palavras usadas constantemente pelos membros da direcção actual) e que de repente pode trazer atletas de fora? Um jogo de qualificação para o Mundial vale mais do que a luta pela promoção à divisão Championship?

Onde está a lógica profissional de alocar toda a importância num jogo, que não garantia qualificação directa para o Mundial, invés de alocar no trazer de atletas a actuar no estrangeiro de forma constante?

A estratégia portuguesa para a modalidade é inexistente, e isso expande-se até aos clubes nacionais, que na sua maioria estão mais preocupados com os problemas a curto-prazo, do que seriamente pensar no rugby como um projecto de unidade nacional, competitivo mas minimamente colectivo?

A situação da descida do Grupo Desportivo do Direito e Associação do Instituto Superior de Agronomia à 2ª divisão foi reflexo de uma atitude extrema de todos os lados, que ia desde os jogadores no dia de jogo, à opinião pública que foi maioritariamente desprovida de lógica ou fundamentos, até a uma decisão da Federação Portuguesa de Rugby assente em argumentos falaciosos e que distorceram o corpo de leis para tentar dar uma lição desproporcional.

Os jogadores foram constantemente usados e abusados até ficarem esgotados, sendo substituídos por outros, sem que se pensasse em como ajudá-los, garantindo estabilidade na sua vida pessoal, profissional e desportiva. São amadores, mas são amadores que perdem dias no campo, ginásio ou clínicas para estarem prontos a dar o seu máximo novamente.

E mesmos os profissionais em Portugal têm dado uma ajuda preciosa à modalidade, interferindo directamente na evolução de jovens jogadores, querendo fazer parte do processo de crescimento dos clubes.

AS BATALHAS INTERNAS QUE ALIMENTAM A GUERRA DE SEMPRE

Ao contrário do que alguns comentadores já afirmaram, o retorno da aposta em profissionais não é “zero”, é bastante positivo diga-se. E basta para isso fazer uma investigação junto dos clubes para perceber se a equipa sénior deu um salto qualitativo, se os pequenos jogadores sentem que os conselhos e ajuda nos treinos destes têm-lhes dado outras ferramentas ou o que os pais destes gostam de conviver com estes profissionais.

Se o CN3 pode ser visto como uma divisão com um misto de boa competitividade mas sempre mais virada para o rugby social, os jogadores do CN2 já começam a ter que ter outra capacidade física para aguentar com uma época longa e fisicamente dura, enquanto que os do CN1 já têm de estar prontos para subir o nível de esforço e entrega a níveis máximos, acompanhados de uma técnica apurada e cabeça minimamente treinada para o jogo.

Como se explica que o CN1, CN2, CN3, sub-18 ou sub-16 tenham lacunas sérias nos seus modelos competitivos?

O CN1 teve a tal paragem forçada devido à meia-final, mas já antes tiveram semanas a fio só com um jogo, sendo que as 6 últimas equipas pararam de jogar em meados de Março.

É também inexplicável, a forma amadora com que se constroem e se desfazem os modelos competitivos, que não têm tido descanso nos últimos 5 anos, com sucessivas alterações em nome de um futuro melhor para o rugby de clubes e selecção.

A redução de 12 para 8 numa temporada só, vai criar ainda mais problemas ao Campeonato Nacional em termos de paridade e possibilidade de crescimento. A descida de 4 equipas e a não promoção de qualquer uma (CRAV, o campeão do CN2 perdeu o playoff contra o Técnico Rugby, ficando simplesmente com o título de Campeão dessa divisão sem poder colher os “frutos” de uma subida), é um sério entrave para o crescimento de outros clubes que não os principais.

Este modelo competitivo, promovido pela actual direcção da Federação, vai levar ao intensificar de um clima nocivo entre clubes, que cada vez mais vão querer se fechar no seu “espaço”, de modo a garantir a sobrevivência, invés de ajudarem ao crescimento da modalidade em Portugal.

O leitor pode pensar, também, “se os modelos estão errados, então porque não se propõe outro? Será que o autor consegue fomentar alguma ideia?”. Na realidade, a solução para o modelo competitivo sénior (para os de escalão de formação ver o artigo de Luís Supico: reformulações) poderia passar por um campeonato a 10/12, com o último lugar a sofrer a despromoção directa para o CN2, em troca do vencedor dessa divisão.

O penúltimo classificado do CN1 iria a um playoff com o vice-campeão do CN2, a uma mão. Os quatro primeiros classificados do CN1 disputariam duas meias-finais a uma mão, como até este ano se fez. Não é pela diminuição de equipas que se vai ter uma maior competitividade… nada o garante assim. Mas um manter das 12 ou 10 equipas garantia paridade, igualdade e promoção da modalidade em Portugal.

Técnico Rugby-CRAV (Foto: Luís Cabelo Fotografia)

O QUE FAZER A PARTIR DE AGORA?

Foram anos consecutivos de más apostas, de mudanças unilaterais, de alterações de rumo sem organização ou linha de lógica, que têm criado sérios problemas e socalcos ao rugby português.

Depois da queda para a divisão Trophy em 2016 e da saída das World Series, não se esperaria outra postura de quem lidera, dirige e administra a modalidade? Que benefícios trouxe a saída dos 7’s, para além de se ter destruído, por inteiro, com a selecção Nacional da variante que está na maior parte do ano sem actividade?

Onde é que esteve a Federação Portuguesa de Rugby no Algarve 7’s, torneio que não recebeu qualquer apoio por parte da entidade que dirige a modalidade em Portugal?

Porque é que se continua a não ajudar os projectos que valem a pena, deixando-os ganhar vida sozinhos sem um efectivo apoio? Porque se insiste numa Federação Portuguesa de Rugby longe dos seus pares, afastada da criação de novos torneios ou eventos, surgindo só em momentos mais críticos, não para liderar mas para apresentar uma postura que em vários momentos não foi a indicada?

Os sucessos de Portugal nos últimos 5 anos passaram pelo rugby juvenil, com as selecções nacionais a conquistarem lugares altos nos Campeonatos da Europa, muito graças ao desenvolvimento do rugby de formação nos clubes e o sucesso das equipas técnicas nacionais em conseguirem (na maioria das situações) fazer um trabalho sério e bem pensado.

Organizámos bons campeonatos da Europa de sub-18/20 ou Mundial de sub-20, com as selecções visitantes a ficarem deslumbradas pelas condições proporcionadas pelos agentes nacionais.

É altura de se apresentarem reais soluções, com uma união de facto em redor de uma modalidade que está a ser vítima de uma divisão expressiva, de um ambiente provinciano e do fim da preocupação de uns com os outros.

Não há apuramento de responsabilidades, ninguém quer assumir a sua quota parte de culpa no estado actual do rugby, optando por um discurso defensivo e duro, invés de resolver alguns problemas.

O que teria custado aos clubes realizar um inquérito interno nas situações em que tiveram adeptos (e outros) a fazer abusos, de modo a suspende-los e reintegrá-los no futuro, caso que assumam algum cargo dentro da estrutura do clube.

Não teria sido mais fácil a Comissão Disciplinar enveredar para o futuro, ao abrir-se aos jogadores e convocá-los de modo a saber se assumiam a sua “inocência” ou situação de “culpado”, observando bem os incidentes e ter assim um processo mais democrático e moderno? O criar de barreiras físicas e metafísicas têm destruído o ambiente da modalidade, que no passado viveu com outro fulgor.

É o momento para se repensar, reflectir e refazer o rugby português, que não pode olhar para o Mundial 2023 como a “futura esperança”, mas que tem de olhar para 2019 como o “ano do regresso dos Lobos e a refundação da modalidade em Portugal”.

Voltar a sermos um (Foto: Luís Cabelo Fotografia)

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