Uma decisão, três anos e uma longa lista de problemas para a FPR
A Junho de 2018, a direcção da Federação Portuguesa de Rugby encabeçada por Luís Cassiano Neves decide seguir a recomendação do Conselho de Disciplina e condena AEIS Agronomia e GD Direito ao CN3, sem que fosse bem explicada o tempo que ambos os clubes teriam de permanecer nessa divisão até estarem elegíveis para voltar a lutar pela subida.
A decisão foi observada de diferentes perspectivas, sendo que os clubes em questão sentiam que tinham sido alvos de uma penalização desproporcional ao que realmente aconteceu, com outros a entenderem como um castigo merecido pelas agressões mútuas trocadas pelos jogadores. Sobre este ponto já se falou o suficiente, e não deverá merecer mais linhas sobre o sucedido.
A Federação Portuguesa de Rugby decidiu seguir com uma lógica de pensamento de falta de comparência, devido à tal situação de agressões gerais dentro de campo. Contudo, desde o início que se apontavam falhas a esta decisão do Conselho de Disciplina e este factor condenava desde logo o futuro da decisão tomada pela Direcção da FPR. Notar que o próprio Conselho de Disciplina afirma no seu comunicado de 26 de Maio o seguinte,
Nestes termos, decide o CD informar a Direcção da FPR das suas conclusões dos presentes autos, para que esta, nos termos dos regulamentos aplicáveis, adote as medidas que considere convenientes.
O Conselho de Disciplina imiscuiu-se assim de querer ser o próprio dizer que ambas equipas tinham de descer de divisão face à tal falta de comparência injustificada na meia-final do CN1. Foi a própria direcção do órgão que gere o rugby português a tomar a decisão de relegar “advogados” e “agrónomos” para o CN3. Decisão esta aprovada por unanimidade, por todos os membros do órgão que Luís Cassiano Neves preside.
A 13 de Julho, o Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Rugby, emite comunicado com os acórdãos em relação aos recursos interpostos por ambos os clubes. O CJ manteve os castigos monetários, no valor de 4 mil euros, e de interdição de campo (14 jogos para ambos os clubes). Contudo, o Conselho de Justiça revogou a decisão da direcção da FPR sobre as descidas de divisão, contrariando por completo o decidido em Junho,
55. Conclui-se, assim, que procedem as nulidades invocadas pelo recorrente, desde logo a que refere que os factos ocorreram dentro da área de jogo e não no recinto de jogo, o que impede a aplicação aos mesmos da alínea f) do n.º 1 do artigo 38.º do RGC, bem como a da incompetência material do Conselho de Disciplina para apreciar condutas não tipificadas que sirvam de fundamento à Direção da FPR para aplicar aquele preceito do RGC, além de que o artigo 41.º, n.º 2 do RGC não é aplicável ao caso concreto. Acresce ainda estarmos perante uma potencial situação de atuação contra legem da Direção da FPR e de uma violação dos princípios da separação de poderes, da tipicidade e da proporcionalidade, que se entendeu não ser necessário desenvolver e apurar no âmbito do presente recurso.
O que isto significa? Que Luís Cassiano Neves e os restantes membros da direcção da Federação Portuguesa de Rugby, tomaram uma decisão que vai contra o espírito da lei, usurpando poderes que não estão consagrados nos seus estatutos. Um erro decisivo para uma possível demissão de Luís Cassiano Neves, não só pela revogação da “sua” decisão mas também perante a actuação da direcção no processo.
Para além disto, lança-se a confusão completa no CN1, uma vez que que o resultado final de jogo entre Agronomia e Direito passa a valer e, como consequência, tem de se dar lugar à final da competição. O CF “Os Belenenses” não é campeão nacional e terá que se dar lugar a esse jogo, apesar de já estarmos em off-season. O que fazer agora?
Posto isto, a saída de Luís Cassiano Neves é também uma demonstração de fracasso completo perante a governação desta direcção durante os últimos três anos, que deixa, mais uma vez, um problema por resolver sem resposta.
Mas em que outros campos existiram problemas que ainda subsistem?
UMA DESCIDA AOS “INFERNOS” DA RUGBY EUROPE PARA LÁ NÃO SAIR
Quando Luís Cassiano Neves entrou em exercício na Federação Portuguesa de Rugby, Portugal ainda jogava nos HSBC World Series e no Rugby Europe Championship, dois factores fundamentais para a exposição do rugby nacional. Contudo, os 7’s levaram uma “viragem” estranha logo de imediato, com o investimento numa equipa excessivamente jovem com poucos atletas experientes a ajudar.
António Aguilar, que tinha chegado ao cargo em Agosto desse ano, via-se assim no meio de um problema extremamente delicado e estranho que era, igualmente, inexplicável. Durante as várias etapas Portugal actuou com diversos jogadores que não tinham qualquer internacionalização a nível senior, que nunca tinham jogado a este nível e/ou que tinham idades abaixo dos 19 anos.
Do nada, Portugal passou de uma selecção satisfatória para uma equipa medíocre que perdia por largos números de diferença, caindo por completo de rendimento e, no fim, superada pela Rússia na decisão de quem descia dos 7’s World Series. Só nas duas últimas etapas, em que Portugal já estava em último lugar e com uma esperança muito ténue em garantir a manutenção, é que atletas como Diogo Miranda, Nuno Sousa Guedes e outros ficaram “disponíveis” para jogar pelos Linces. Todavia, vieram tarde demais para ajudar nesse objectivo.
O sair das World Series para um país que tem um comportamento averso aos 7’s foi o “prego no caixão” desta variante, que não tem conseguido ganhar os pontos suficientes para sequer participar nos Hong Kong 7’s (etapa em que se disputam subidas e descidas de divisão) de 2017 e 2018.
Por outro lado, a selecção nacional de XV desceu também em 2016, sendo ultrapassada pela Alemanha na tabela, para ficar em último lugar. Mais uma vez, abriram-se situações no mínimo complicadas entre a direcção federativa com outros intervenientes, como foi o caso com os atletas luso-descendentes. Na altura, Luís Cassiano Neves afirmou que os atletas não vinham jogar por Portugal por opção e que tinham sido chamados pela equipa técnica Nacional. Porém essa afirmação foi, no mínimo, falaciosa uma vez que os atletas nunca foram contactados, o que prova que não houve interesse Federação Portuguesa de Rugby em mantê-los na selecção.
O pormenor de Mike Tadjer ficar no banco no jogo contra a Geórgia em 2016 (o último jogo do talonador do Top14 por Portugal) é só um detalhe no meio de tantos outros nos últimos anos (a situação com Tadjer foi durante o reinado de Ian Smith, um seleccionador escolhido pela própria direcção de Luís Cassiano Neves).
A ausência destes atletas nos momentos decisivos desse Rugby Europe Championship de 2016 foram penalizadores para Portugal, que acabou por descer para uma divisão do qual nunca mais saiu. Durante anos a direcção presidida por Luís Cassiano Neves sublinhou que a Federação Portuguesa de Rugby não tinha condições para trazer atletas de fora de Portugal, que não havia fundos para pagar a semana de salário dos jogadores profissionais.
Contudo, para o jogo de apuramento para o Mundial de Rugby 2019 já foi possível trazer uma série de atletas profissionais que iam desde Jacques Le Roux a Cyrille Andreu. Do nada surgiram fundos para trazer jogadores de fora que já deviam ter participado em alguns encontros do Rugby Europe Trophy de modo a adaptarem-se ao modelo de jogo dos Lobos.
Removeram-se alguns atletas da lista final que nos últimos dois anos lutaram pela selecção Nacional, para além de Martim Aguiar ter dito “não” à convocação de Thibault Freitas, quando o jogador do Aubenas (3ª divisão dos campeonatos franceses) já tinha chegado para treinar, interrompendo as suas férias para tal.
Porquê estas incongruências federativas? Qual foi o impacto da direcção de Luís Cassiano Neves nos resultados finais obtidos pela selecção Nacional? E deverão Martim Aguiar e Antonio Aguilar ficar no comando técnico do XV e 7’s?
A FEDERAÇÃO SÃO OS CLUBES E VICE-VERSA… OU NÃO?
Nestes últimos três anos, clubes e Federação nunca chegaram a um entendimento em orçamentos e decisões que eram fundamentais para o futuro do rugby português. Desde o primeiro dia que se instalou um clima nocivo para se conseguirem operar as mexidas necessárias para reformular quase por completo a modalidade, com questões como métodos de financiamento da FPR e como investir nas suas estruturas.
Porém, a Federação Portuguesa de Rugby pouco se preocupou em explorar o Campeonato Nacional de Rugby a nível sénior, com a ausência de uma boa promoção ou divulgação dos resultados e das próprias ligas/divisões. Os clubes, pelo seu lado, também nunca se interessaram em dar uma oportunidade às ideias de reestruturação orçamental do “seu” rugby, ficando sempre o sentimento de serem eles contra os outros.
Instalou-se um clima de provincianismo total, com a Assembleia-Geral da FPR a deixar de ser um local de discussão de ideias e de proposta de soluções, mas mais um “campo” de compra de votos suficientes para paralisar por completo qualquer decisão que fosse contrária ao desejo da maioria, como aconteceu com os diversos orçamentos propostos pela Federação Portuguesa de Rugby.
Este tipo de situações atingiu o ponto máximo que os clubes propuseram e tentaram ficar a cargo da pasta do Desenvolvimento do rugby português que não era nada mais nada menos, do levar o rugby às escolas, bairros, comunidades, desenvolvendo parcerias com agrupamentos-escolares, estabelecer torneios inter-escolas e inter-regionais de modo a incentivar o crescimento da modalidade.
Esta decisão estagnou com instituições como a Associação Rugby do Sul por completo, que durante semanas/meses ficaram à espera do plano estratégico dos ditos novos responsáveis, sem que nada acontecesse…. o desenvolvimento voltou para as mãos da FPR e os problemas de gastos orçamentais continuaram a existir.
Nunca houve uma preocupação em resolver a situação da arbitragem que tem sido posta em causa consecutivamente, onde os orçamentos são cada vez mais reduzidos e insuficientes para o seu desenvolvimento.
Esta situação é um exemplo claro da falta de ideias e coexistência entre clubes e Federação, com ambos os “blocos” a não darem importância a este factor: os clubes que raramente correspondem com os pedidos da Associação de Árbitros de Rugby em Portugal, não oferecendo ex-atletas, pais ou antigos treinadores como novos homens para o apito; e a Federação Portuguesa de Rugby que nunca soube chegar a um entendimento, apesar de ter conseguido liquidar com parte das dívidas dos incentivos à arbitragem que existiam de direcções anteriores.
Quem faz/estrutura/idealiza a Federação Portuguesa de Rugby são os clubes e quem dá outra dimensão aos clubes e sucesso ao seu crescimento é a Federação. Sem uma ligação exemplar entre ambos os “blocos” não há forma da modalidade se desenvolver e sem desenvolvimento não há futuro minimamente sério.
MARKETING “MORTO” E COMUNICAÇÃO SOBREPOSTA
Durante este triénio da direcção de Luís Cassiano Neves tem se visto a um decréscimo impar do modelo de marketing do rugby Nacional, quase inexistente se pudermos assim dizer. Em outras alturas, era possível adquirir material oficial dos Lobos, o que dava um extra interessante (mas ainda sem expressão) ao sector do Marketing. Contudo este sector pouco interessou, sofreu com um fraco desenvolvimento e foi vítima de uma falta de visão que “enterrou” por completo este departamento.
Nos dias de finais, em particular os da Taça de Portugal, ainda existe primor e qualidade na apresentação da modalidade, com a marca suficientemente bem explorada aos olhos da transmissão de jogo. Todavia, é inexistente a promoção da marca junto do seu público. Um exemplo? Não estão montadas quaisquer bancas com a venda de material oficial dos clubes que participam na final ou material desportivo da selecção Nacional, algo que hoje em dia é francamente fácil de se arranjar, comprar e revender.
Em três anos os patrocínios para a modalidade quase que desapareceram por completo, fruto não só dos anos de crise mas também do acinzentar da marca do Rugby Português, o que abriu ainda um fosso maior entre a federação nacional e a suas congéneres europeias. O Marketing do rugby português não está actual e falta para isso uma equipa dedicada a modernizar e elevar a marca para outro nível.
O Fair Play questionou algumas pessoas com a seguinte pergunta “Sabe como adquirir a camisola da selecção nacional de rugby?”. 85% afirmaram que desconheciam como, mas acreditam que pelas superfícies de retalho desportivas de grandes proporções que o conseguiriam. 15% já tinham-no feito pela SportZone mas que ainda não tinham conseguido adquirir a camisola de jogo dos últimos dois anos, porque não a vislumbraram nessas mesmas lojas.
O Marketing não fica só circunscrito à simples venda de camisolas, já que se podem fazer brindes, bolas de tamanho menor e outros materiais para distribuir em acções de promoção junto a escolas, empresas, associações, eventos e outros locais. O CR São Miguel tem-lo feito no último ano e o impacto que isso tem junto de família ou amigos de jogadores merece menção e atenção no futuro.
Outro exemplo para explorar a marca da Selecção Nacional seria a transmissão em streaming nas redes sociais de jogos de preparação dos escalões jovens ou da selecção de 7’s de modo a dar outra imagem a este sector. Mais cliques e mais visualizadores alimenta a ideia do que é o rugby em Portugal, podendo vender spots publicitários mais “baratos” a pequenas-médias empresas que gostassem de ajudar estes escalões mais jovens ou à variante que merece um destaque especial.
E o Touch Rugby porque é que continua como “parente pobre” do rugby português? Uma variante que consegue captar todos aqueles que não querem/podem jogar rugby de contacto (sendo uma forma de fácil de ensinar adultos os princípios básicos da modalidade) e que merecia outro palco nos seus torneios regionais e internacionais, porque é continua a fazer tudo sozinha?
Questiona-se a presença de Miguel Magalhães, vice-presidente para a Comunicação e Marketing da FPR, nestes últimos três anos. O que fez o departamento de Marketing? Que soluções tem para a marca? Porque é que escasseiam os conteúdos digitais de vídeo e outros numa altura em que público “exige” esses mesmos?
Por outro lado, a comunicação da Federação Portuguesa de Rugby tem realizado um excelente trabalho a nível do rugby das Selecções Nacionais, com entrevistas a dar conhecer jogadores dos sub-18 até aos seniores, ao acompanhar de resultados, ao desenvolvimento das páginas da FPR nas redes sociais, etc. Contudo, a nível dos campeonatos nacionais a Federação Portuguesa de Rugby não tem de forma alguma participado nesse ponto.
A questão é: deve ser a FPR a divulgar o CN1, CN2 e CN3, dando a conhecer as equipas, alguns jogadores e outros pontos importantes para a notabilização do rugby a nível de clubes? Ou devem ser os clubes a juntar-se e criar os seus próprios mecanismos de divulgação dos campeonatos em que estão envolvidos?
A nível das Federações profissionais, caso da RFU ou dos All Blacks, não há menção aos clubes na maioria do tempo de antena, sendo que os mesmos só surgem nas páginas e redes sociais oficiais quando se realiza alguma final. Mas, o rugby português está muito longe do profissionalismo destes e da divulgação que as maiores federações têm. Ou seja, no caso amador a Federação deve participar activamente na divulgação dos clubes com histórias e momentos ocasionais de cada clube durante o ano desportivo.
Porém, nos últimos tempos tem se observado que a comunicação oficial da Federação Portuguesa de Rugby tem sofrido alguns problemas e o facto de outros meios de comunicação divulgarem informações sigilosas antes da própria instituição, demonstra que há um descrédito na Comunicação da FPR.
O facto da maioria dos adeptos do rugby Nacional replicarem notícias que não foram obtidas de forma legal e que existem simplesmente pelo espírito de sair rápido como der e vier, prova que a própria comunidade está mais em busca do algo fácil mas potencialmente falacioso do que do demorada mas analisado. A existência de uma necessidade inebriante de ser igual à imprensa sensacionalista (rápida, mas altamente perigosa pelos argumentos falsos e informações recolhidas de forma pouco criteriosa) tem também envenenado o produto que é o rugby português.
A divulgação deve ser procurada por todos os órgãos de Comunicação Social (inscritos ou não na ERC) sem atropelamentos ou invasões de espaço de forma a serem os primeiros a darem a conhecer um facto ou uma situação. Nisto, a direcção da Federação Portuguesa de Rugby de Luís Cassiano Neves tem permitido que aconteçam este tipo de situações ao passarem informações de “segredo” sem estas mesmas chegarem pelas vias oficiais, antecipando-se a todo o órgão de Comunicação da instituição.
Enquanto a maioria dos órgãos de CS em Portugal têm de pedir acesso à FPR para entrevistarem seleccionadores e jogadores dentro do Jamor, outros têm saltado por cima destas burocracias necessárias, realizando reportagens ao seu belo-prazer sem sequer realizarem um pedido oficial à instituição que administra as selecções nacionais.
Isto são dados demonstrativos do amadorismo total que a modalidade caiu nos últimos três anos, em que todos os participantes têm uma quota parte de culpa. O problema é que ninguém o deseja admitir e esse facto tem “beliscado” a reputação da modalidade de uma forma tão grave, como os desacatos que aconteceram em alguns campos de rugby a nível nacional (existiram outros incidentes graves em outros campos de jogo que não só na Tapada).
A (potencial) demissão de Luís Cassiano Neves não resolverá problemas e não irá repor Portugal nas World Series ou no Rugby Europe Championship, não voltará a trazer investidores e antigos sponsors, não irá criar novas sinergias entre clube e federação. As mudanças necessárias só poderão vir com outra postura, trabalho e entendimento que carece neste momento no rugby Nacional, mas que urge acontecer de forma rápida para repor a modalidade no caminho certo.
Em última nota, continua-se por apurar os desacatos entre adeptos do AEIS Agronomia e GD Direito da meia-final do CN1 2018. Inexplicável o facto dos clubes não terem feito qualquer comunicado nesse sentido, explicando se avançaram para sanções dentro das suas próprias estruturas procurando sanar este problema que foi o mais grave desse encontro. De acordo com alguns dados recolhidos pelo Fair Play, entendemos que alguns dos envolvidos são técnicos de formação em ambos os clubes o que deve constituir uma preocupação maior para os corpos dirigentes.